Desde domingo, muita gente tem comentado, indignada, nas redes sociais e entre amigos e familiares, a reportagem do programa Fantástico, da TV Globo, que mostrou a situação de calamidade na qual vive o povo Yanomami, em especial as crianças, por conta do avanço do garimpo ilegal. Os criminosos contaminam as águas dos rios, intoxicando e matando peixes e todo alimento dos indígenas e levam doenças e violência ao território. E tem feito vítimas fatais (veja nos links indicados no final deste post).
Demorou para que uma grande emissora se prontificasse a divulgar, em horário nobre, essa realidade cruel – que é um retrato do que sofrem os povos indigenas em todo o país. Esse cenário desolador não é de hoje, claro!
Remonta aos anos 70, 80, teve momentos de menor pressão – quando havia maior fiscalização e caciques contavam com proteção oferecida pelo governo – e tem piorado drasticamente com a gestão atual, que chegou a exonerar agentes do IBAMA (logo após reportagem exibida pelo mesmo programa), que destruíam acampamentos e equipamentos dos criminosos em ação nesse e em outros territórios indigenas.
A foto acima, que mostra uma menina Yanomami prostrada numa rede, em visível estado de inanição, foi estampada na capa da edição impressa do jornal Folha de SP em 10 de maio deste ano, causando comoção e revolta (contamos aqui). Mas até quando será preciso apelar para cenas como esta para que os indígenas sejam ouvidos e atendidos?
Barroso intima Bolsonaro, mais uma vez
Hoje, atendendo a uma ação protocolada pela Rede Sustentabilidade (sensibilizada com a reportagem) em 16/11 – com pedido de investigação criminal -, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal – STF, intimou o governo Bolsonaro para que, em cinco dias, preste esclarecimentos sobre a situação dos Yanomami e informe dados sobre suas condições nutricionais e de acesso a água potável, a serviços de saúde e medicamentos.
O magistrado também obriga Bolsonaro a tomar “as providências necessárias para assegurar aos Yanomami condições mínimas em relação a esses três aspectos e à segurança da população diante de invasores”. E completou: “Como exaustivamente determinado por este Juízo e previsto no Plano Geral de Enfrentamento à Covid para Povos Indígenas”, como contamos aqui.
E esta não é a primeira vez que o STF intima Bolsonaro a agir contra os garimpeiros nas terras Yanomami. Em junho deste ano, a Corte determinou a proteção dos Yanomami e Mundukuru e a retirada urgente de invasores de suas terras.
Em março, atendendo a pedido do Ministério Público Federal, a Justiça Federal de Roraima já havia determinado que a União retirasse invasores das terras Yanomami em dez dias – sob pena de multa diária de R$ 1 milhão – e apresentasse cronograma para essa ação. A intimação foi enviada para a União, a Funai (Fundação Nacional do Índio), o Ibama (nstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Nada foi feito, nos dois casos. Como sempre. Por isso, é difícil ser otimista em relação a mais esta decisão de Barroso, hoje. E a situação pode se agravar ainda mais caso o projeto que defende a tese ruralista do Marco Temporal seja aprovada: e isso depende do STF, que tem adiado a votação desde o ano passado.
Histórico de invasões e violências
Desde a época da ditadura, nos anos 70 e 80, a história dos povo Yanomami é marcada fortemente pela invasão de garimpeiros e a disseminação de doenças que quase exterminaram esse povo. Estradas foram abertas na região e as “corridas por ouro” dizimaram 13% dos indígenas devido às doenças “dos brancos”: malária e sarampo. Muitos velhos indígenas ainda guardam a dor dessa tragédia na memória.
A violência e as invasões podem ter sido contornadas em alguns momentos. Mas, com Michel Temer, a segurança da Terra Indígena Yanomami – demarcada desde 1992 – foi reduzida e a os ataques se intensificaram ainda mais com Bolsonaro. Faz tempo que se fala em 20 mil invasores!!! Hoje, deve haver muitos mais.
Em novembro de 2019, os Yanomami e os Ye’kwana – que compartilham o território – se uniram e redigiram carta para denunciar risco de massacre e exigir proteção do governo (campanha Fora Garimpo!, apoiada pelo Instituto Socioambiental). Nada foi feito. Com a covid-19, a situação se agravou e, em junho de 2020, novo apelo alertava para a contaminação dos Yanomami por garimpeiros e pedia a retirada deles de suas terras: campanha Fora Garimpo! Fora Covid!.
Em junho deste ano, o STF determinou a proteção dos povos Yanomami e Mundukuru e a retirada urgente de invasores de suas terras. E a violência só aumenta, agora com a presença de traficantes e do PCC nos garimpos, que já fizeram diversas vitimas, entre elas, quatro crianças (duas a tiros e duas sugadas por draga de mineração) e três indigenas isolados.
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Foto: Centro de Documentação Indígena