Neivia Justa: em busca de equidade e diversidade nas corporações

Executiva de sucesso na área de comunicação corporativa, a jornalista cearense Neivia Justa conta que foram precisos mais de 20 anos de trajetória profissional – que iniciou como apresentadora de TV em Fortaleza até a diretoria de grandes multinacionais em São Paulo -, para se dar conta de que a falta de equidade de gênero no mundo corporativo era um problema.

Mas, no momento em que foi tocada pelo tema, não ficou de braços cruzados. Criou a hashtag #ondeestãoasmulheres, que logo se transformou num movimento nas redes sociais. Mas foi no Linkedin que estourou. Lá, ela tem quase 50 mil seguidores que a ajudam enviando fotos de eventos e publicações sem a presença de mulheres por todo o Brasil e até no exterior. “Se somos quase 52% da população brasileira, responsáveis por 80% das decisões de consumo no Brasil, e ocupamos 60% das vagas nas universidades, por que não somos devidamente representadas?”, questiona.

Com o sucesso dessa experiência, Neivia criou outro movimento e outra hashtag – #aquiestãoasmulheres -, na qual reúne fotos e notícias de mulheres em posição de liderança. Essa atuação lhe rendeu o prêmio Top Voice 2018 do Linkedin Brasil e a motivou a escrever artigos e produzir lives com questões relacionadas à diversidade, não apenas de gênero, mas de raça e de todos os tipos, não somente no mundo das empresas, mas em todas as instâncias da vida privada e em comunidade.

Trocou, ainda, a vida de executiva pela de empreendedora, criando a consultoria Justa Causa, com a qual desenvolve projetos de transformação e cultura digital, liderança, comunicação inclusiva e gestão de mudança para executivos e empresas. “São questões que parecem simples, mas nem sempre são óbvias ou fáceis de se perceber ou implementar”, disse ao Mulheres Ativistas, do Conexão Planeta.

A falta de presença feminina na liderança das corporações sempre te incomodou?

Passei mais de 20 anos da minha trajetória profissional inconsciente da total falta de diversidade, porque crescemos em uma sociedade machista, racista, homofóbica, gordofóbica. Achava tudo normal e me acostumei a ser a única mulher em muitos ambientes, enquanto crescia na carreira.

Vim para São Paulo com 23 anos para fazer uma pós-graduação em marketing. Na turma que frequentei, havia 25 homens e apenas cinco mulheres. Depois, fui trabalhar em uma pretroquímica e sofri o primeiro assédio sexual descarado de um superior casado que me propôs sair com ele porque a mulher estava viajando. Fiquei doente no fim-de-semana, não tinha com quem dividir. Achava que seria despedida, o que não aconteceu. Mas passei 25 anos sem falar sobre isso.

Na Natura, havia muitas mulheres, mas o máximo na hierarquia era como gerente sênior. Saí da empresa quando nasceu minha primeira filha, em 2003, e abri uma loja de joias. Muitos me criticaram e disseram que nunca mais voltaria para o mercado. Mas, depois do nascimento de minha segunda filha, meu marido perdeu o emprego e resolvi voltar para o mundo corporativo. Nem tive que procurar, me ligaram da Schincariol porque acharam meu currículo no Vagas.com. Na semana em que comecei, participei de um treinamento com outras 105 pessoas, das quais 100 eram homens. Fiquei um pouco intimidada, mas superei e segui em frente. De maneira geral, as coisas pareciam fáceis e não costumava me questionar.

Quando começou a perceber que a falta de mulheres era uma questão relevante?

Na GE, liderei a área de comunicação por três anos e, pela primeira vez, tive contato com grupos de mulheres da própria empresa. Além disso, ajudei a diretora de RH a criar um grupo LGBT, que não havia no Brasil. No entanto, mesmo depois de, na Goodyear, assumir o cargo de diretora regional e descobri que era a primeira mulher a ser diretora da empresa em toda a América Latina, em 99 anos, ainda demorei um ano para entender que isso não era normal. Estava encantada com o orgulho de autoria, o famoso ego, ao mesmo tempo em que vivia a estranheza de estar sozinha.

Ao dar uma palestra, no início de 2015, sobre tendências de mercado, levantei a questão da diversidade e mostrei uma foto da nossa diretoria como um bom exemplo, pois tinha uma mulher, um homem loiro e um negro. No final, porém, alguns presentes me procuraram indignados por eu ser a primeira mulher em cargo de diretoria. Isso me despertou. Fui estudar a questão de equidade de gênero e fiquei horrorizada e me martirizando por ser tão inconsciente. Passei a aceitar convites para falar sobre o tema a partir da minha experiência.

Em 2016, já na J&J, passei o ano incomodada porque, para onde olhava, só via homens: no governo, nas empresas, nas matérias de jornal e nos programas de TV. Mas não sabia o que fazer com aquilo. Meu marido me disse que eu deveria fazer algo e não ficar só reclamando. O que eu tinha eram as redes sociais e o celular, por isso criei a hashtag #ondeestãoasmulheres, que logo tornou-se um movimento.

O que é a hashtag e como virou um movimento?

Me impus a obrigação de inserir uma imagem por dia no Linkedin e no Facebook com eventos (mesas, convites), páginas de jornal e publicações onde só apareciam homens e as marquei com a hashtag.

Acreditava que o incômodo era só meu e que, depois de um mês, não teria mais imagens para postar. Para minha surpresa, comecei a receber fotos com pedidos para que as publicasse. Hoje, recebo imagens de todo o Brasil, da América Latina, de Portugal e da Espanha. Muitas pessoas, sobretudo homens, fotografam eventos e me enviam porque têm medo de publicar.

O Linkedin é onde a conversa acontece, por ser uma rede mais inserida no mundo corporativo e por conta das multinacionais, que têm uma atitude pró-diversidade há mais tempo – no Brasil, isso só começou há uns cinco anos, porque obrigam as filiais a replicarem o modelo original. Normalmente, não dá muito certo, pois é preciso entender e fazer algo que tenha sentido na cultura local.

Com isso, comecei também a ser agredida e receber ofensas via Linkedin. Aprendi o que significa comunicação agressiva na prática e fui pesquisar sobre comunicação não-violenta.

Conte sobre o movimento #aquiestãoasmulheres.

É desagradável estar sempre apontando o dedo. Sou otimista e achei importante também mostrar o copo meio cheio. Criei esse novo movimento para mostrar que as mulheres também estão lá, mas não são vistas. Queria evidenciar o protagonismo feminino. Agora, posto também uma foto ou notícia por dia com uma mulher liderando, marco a pessoa e escrevo “fulana de tal nos representa”.

Senti uma certa desconfiança por parte delas, no início. Chegavam a perguntar o que eu queria em troca. Quase três anos depois, o #aquiestãoasmulheres se transformou quase em um selo de qualidade. E entendi o significado da palavra sororidade.

O problema da diversidade nas corporações no Brasil não se restringe às mulheres, então, por que você adotou especificamente essa causa?

Começar pela causa das mulheres é mais fácil porque todo mundo tem uma mulher por perto, todo mundo tem mãe. Além disso, mulheres trazem toda a transversalidade da diversidade, pois podem ser negras, lésbicas, trans, obesas etc. Mas a questão é muito mais ampla.

Na J&J, também fundei o grupo LTBT no Brasil, mas vi que havia problemas em relação aos negros. No prédio onde fica a empresa, os únicos negros que trabalhavam lá eram terceirizados e das áreas de segurança, da limpeza ou da copa. Quando questionei sobre isso, a resposta foi que eles não se candidatavam. Comecei a ser uma figura incômoda, mas acabei indicada para o Comitê de Inclusão na América Latina.

Queriam incluir diversidade para mulheres e homossexuais, mas salientei que era preciso incluir a questão racial, pois a empresa não tinha negros nem em posições de entrada. Hoje, a J&J expandiu a questão para todos os tipos de diversidade.

Com a criação da Justa Causa, você trouxe a diversidade para o centro da sua vida profissional.

Quando saí da J&J, queria trabalhar com isso. Desde o início de 2018, com a Justa Causa, faço diagnósticos de cultura até projetos de inclusão e comunicação inclusiva, identifico a maneira como a empresa manifesta seu propósito até como isso aparece em toda a comunicação. Trago a visão de que transformação cultural passa pela diversidade.

Parece simples, mas nem sempre é óbvio ou fácil. Se não houver um ambiente inclusivo, que acolha sem preconceito, não terá diversidade no ambiente corporativo. Sem isso, não haverá inovação e, sem inovação, a empresa não sobreviverá.

E as atividades nas redes sociais? Continuam?

Claro! Continuo postando tanto sobre #ondeestãoasmulheres quanto #aquiestãoasmulheres. Também escrevo artigos para o Top Voice do Linkedin, desde o ano passado, no blog Diversidade & Inclusão – artigos quinzenais que também traduzo para o inglês – e para o blog Diversidade & Poder – textos voltados especialmente para os homens, pois acredito que eles têm oportunidade e obrigação de usar seu lugar de poder para mudar a situação atual de equidade de gênero. Também produzo Lives com esses temas.

Tenho quase 50 mil seguidores no Linkedin, de forma orgânica, nunca investi. Quando comecei a ter consciência, me dei conta de que tinha duas meninas em casa e que queria um mundo melhor para elas, mais justo e inclusivo, para que possam ser o que quiserem.

Vivo meu ativismo em tudo o que faço, todas as minhas escolhas giram em torno disso. É um ativismo de construção.

Foto: arquivo pessoal

Edição: Mônica Nunes

Um comentário em “Neivia Justa: em busca de equidade e diversidade nas corporações

  • 22 de outubro de 2019 em 12:49 AM
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    Maura, adorei.
    Vai ser uma delícia conhecer Mulheres Ativistas neste espaço que conecta com planeta.
    Neiva, obrigada pelo ativismo de construção

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Maura Campanili

Jornalista e geógrafa, foi repórter e editora de cidades e meio ambiente na Agência Estado e na revista Terra da Gente. Trabalhou em ONGs como a SOS Mata Atlântica, Instituto Socioambiental e Rede de ONGs da Mata Atlântica. É autora e editora de livros e publicações socioambientais e autora do blog ‘Paulistanasp’ no qual fala de temas que lhe são caros: meio ambiente, a metrópole paulistana, literatura e feminismo.