Foto de menina indígena desnutrida alerta para situação de abandono dos Yanomami

A menina Yanomami prostrada na rede, em visível estado de inanição, foi estampada na capa da edição impressa do jornal Folha de SP da segunda-feira, 10/5. Causou comoção e revolta.

Ela vive na comunidade Maimasi – formada por 800 indígenas, que fica na região da Missão Catrimani, região de Caracaraí, ao Sul de Roraima, lugar de dificílimo acesso na Amazônia – e simboliza o abandono no qual vivem os indígenas da Terra Indígena Yanomami, a maior do país.

A TIY tem mais de 9 milhões de hectares e abriga mais de 26,7 mil indígenas – incluindo grupos isolados – organizados em 360 aldeias, e fica entre os estados de Roraima e do Amazonas, fazendo fronteira com a Venezuela.

Foto: Moreno Saraiva Martins/ISA (2014)

A imagem – cuja autoria está sendo mantida em sigilo por precaução – foi feita em 17 de abril e enviada para o missionário Carlo Zacquini (ao lado), que decidiu torná-la pública como forma de denúncia e para tentar obter ajuda. Funcionou.

Ele contou à reportagem da Folha que a menina tem entre 7 e 8 anos e foi diagnosticada com malária, pneumonia, verminose e desnutrição.

De acordo com a Secretaria da Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde (MS), em 23 de abril – portanto, cinco dias depois que a foto foi feita – ela finalmente foi levada de avião para Boa Vista e está internada no Hospital da Criança Santo Antônio. 

“A criança passa por tratamento e seu estado de saúde é estável. A família também é acompanhada pela equipe de saúde na Casa de Apoio à Saúde Indígena (CASAI) Yanomami”, declarou o MS em boletim oficial.

Vale destacar que Zacquini trabalha junto aos Yanomami desde 1968. Dez anos depois, criou – com a fotógrafa Claudia Andujar, conhecida por seu engajamento em defesa desse povo – a Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY).

Seu intuito era ajudar a divulgar as ameaças sofridas pelos indígenas no contato com os brancos. E, entre muitas, uma das ações mais importantes da comissão foi lutar pela demarcação de suas terras e conseguir o intento em 1992.

Também esteve presente, em 2014 (foto acima), quando os Yanomami festejaram a saída dos últimos fazendeiros de suas terras, 22 anos após a homologação, contada pelo Instituto Socioambiental em seu site.

Faltam profissionais e medicamentos

O missionário revelou que os integrantes de diversas aldeias Yanomami lhe contam detalhes da situação, mas têm receio de denunciar.

“Essas aldeias estão abandonadas. Todas elas sem assistência. Não há equipes. A equipe é desfalcada de pessoas. Tem postos de saúde que estão fechados há meses na Terra Yanomami”, revelou à reportagem de O Globo.

Contou, ainda, que não há medicamentos disponíveis para tratar os doentes. “Essa situação me foi relatada por várias pessoas de várias áreas Yanomami, não é algo único deste lugar (aldeia Maimasi). Há dificuldade para obter remédios. Falaram, inclusive, que não havia estoque para verminose na Sesai, em Boa Vista. Até a cloroquina, remédio para malária, é contado. Era recomendado o uso restrito. Quer dizer, para outra coisas tem, para isso, não! Naturalmente, o Ministério da Saúde diz que as coisas estão maravilhosas, que está tudo bem”, denunciou.

A declaração do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y), responsável pela assistência de saúde a essa etnia, à reportagem de O Globo, vai de encontro ao que disse Zacquini: negou a falta de medicamentos e disse que há quantidade suficiente para suprir as demandas em todos os “Polos Base” e que, “em casos de surto de malária, sempre são enviados medicamentos extras para compor o estoque”. 

Tudo se deve ao garimpo

O líder Dário Kopenawa Yanomami (filho do xamã Davi Kopenawa), vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), contou que há um surto de malária na região da comunidade Maimasi, doença que resulta em outras enfermidades como a desnutrição. E que não há profissionais de saúde para atender os doentes.

Foto de menina indígena desnutrida alerta para situação de abandono dos Yanomami
Dário Kopenawa Yanomami em foto de André Villas-Boas

“Essa foto da nossa ‘parente’ (todos os indígenas se chamam assim), que está circulando, mostra nossa vulnerabilidade. O governo federal não está preocupado com os problemas que enfrentamos hoje”. 

Para Dário, o avanço da malária e outras doenças na TIY se deve ao garimpo. Desde o ano passado, os Yanomami têm denunciado o aumento dos garimpos ilegais – que devastam a floresta – e de infectados por Covid-19 em seu território.

É um círculo vicioso: a destruição da floresta, que aumentou cerca de 30% na pandemia, propicia a proliferação do mosquito da malária, a carapanã. Os garimpeiros transmitem tanto a malária como a covid-19 para os indígenas. Além disso, “poluem nossos rios com mercúrio e nosso povo adoece”.

Júnior Yanomami, presidente do Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuanna (Condisi-YY), declarou que há “dados que comprovam o aumento de malária, da desnutrição e de outras doenças”. Os relatórios só não foram divulgados ainda porque ele precisou viajar para acudir outra comunidade, Palimiu, na qual foi registrado um conflito armado na segunda-feira, 10/5.

Conflito entre garimpeiros e indígenas

Foto de menina indígena desnutrida alerta para situação de abandono dos Yanomami
Indígenas da comunidade Palimiu / Foto: CondisiY

Localizada no município de Alto Alegre, no Norte de Roraima, essa comunidade fica às margens do rio Uraricoera, que é usado por garimpeiros para chegar até os acampamentos instalados na floresta.

Garimpeiros – que estavam em sete barcos – atiraram contra indígenas dessa comunidade, depois que estes apreenderam materiais do garimpo.

Cansados de tantas ameaças e da circulação dos invasores pela região, os Yanomami revidaram. O saldo: três garimpeiros morreram e quatro ficaram feridos. Um indígena também foi ferido na cabeça, mas não corre risco de morte.

A Polícia Federal iniciou as investigações e, ontem, 11/5, para investigar o conflito na comunidade, enviou agentes que foram recebidos a tiros pelos garimpeiros.

Fora garimpo!

Foto de menina indígena desnutrida alerta para situação de abandono dos Yanomami
Lideranças Yanomami posam para o fotógrafo Victor Moriyama (que usou drone),
formando, com seus corpos, o grito Fora Garimpo!

Na essência, os indígenas não precisam da ajuda de ninguém para viverem saudáveis e em harmonia. A floresta lhes dá tudo que precisam. Mas os não-indígenas têm alterado esse cenário com a exploração e a destruição de suas terras, sem limites.

Fora de seus territórios ou vivendo na natureza poluída e envenenada, é impossível sobreviver. E se inicia uma trajetória de doenças, fome, dependência e abandono.

É o que acontece com a maioria dos 305 povos existentes no país. Os Yanomami são alguns dos que mais sofrem. Seu principal líder – o xamã Davi Kopenawa – denuncia há tempos a tragédia de seu povo, que começou nos anos 70 e piorou, drasticamente, com a ascensão de Bolsonaro ao poder. E que se agravou com a pandemia.

Mais de 20 mil garimpeiros vivem em seu território certos do apoio do governo federal. Bolsonaro se manifesta favorável à exploração dos minérios nessas terras desde que era um reles deputado federal.

Em 2019, os povos Yanomami e Ye’kwana116 lideranças de 26 regiões, representando 53 comunidades – realizaram o Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana para debater a proposta do governo que previa permissão da mineração por terceiros em terras indigenas e definiram estratégias para impedir as invasões de garimpeiros em suas terras.

Ao final do encontro, redigiram uma carta aberta endereçada às principais autoridades do Executivo e do Judiciário brasileiro, na qual relataram os impactos do garimpo ilegal na reserva e rechaçavam o projeto do governo. E criaram o movimento Fora Garimpo!

Em junho de 2020, esse movimento ganhou novo contorno devido à pandemia. E eles criaram a campanha #ForaGarimpoForaCovid para alertar para a contaminação dos Yanomami por garimpeiros ilegais, pedindo sua retirada imediata de seu território.

O pedido de socorro foi feito por carta, petição e filme. De lá pra cá, a situação só piorou.

Foto de menina indígena desnutrida alerta para situação de abandono dos Yanomami
Imagem da campanha #ForaGarimpoForaCovid

A queda do céu

Davi Kopenawa (foto abaixo) continua alertando para a queda do céu (nome que deu a seu livro, escrito com o antropólogo Bruce Albert e publicado em 2015) e os abusos do povo da mercadoria.

No mês passado, lançou com o diretor Luiz Bolognesi (que dirigiu o premiado Ex-Pajé) o belíssimo filme A Última Floresta, que ajudou a roteirizar e protagonizou.

O documentário-ficção teve duas exibições online no Brasil: uma no festival É Tudo Verdade, e outra no festival de cultura indígena rec.tyty, criado por Ailton Krenak.

Foto de menina indígena desnutrida alerta para situação de abandono dos Yanomami

Foto: Centro de Documentação Indígena

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.