Governo exonera chefes de fiscalização do Ibama responsáveis por operações contra garimpos em terras indígenas na Amazônia

Há duas semanas, logo após a exibição de reportagem no programa Fantástico, que revelou os detalhes de uma megaoperação de fiscalização do Ibama (parecia um filme de ação) contra acampamento de garimpeiros e madeireiros em terras indigenas no sul do Pará (que também tinha a missão de impedir a disseminação coronavírus), o ministro Ricardo Salles exonerou o chefe da Diretoria de Proteção Ambiental, do Ibama, Olivaldi Borges Azevedo. Ontem, 30/4, foi a vez de dois chefes responsáveis pelas grandes operações de repressão a crimes ambientais no país serem afastados: Renê Luiz de Oliveira e Hugo Ferreira Netto Loss.

Renê está no Ibama desde outubro de 2005; entrou via concurso público. Foi superintendente do Ibama em Rondônia e passou alguns meses na Superintendência do Amazonas antes de assumir a coordenação a convite do então diretor da Dipro, Luciano Evaristo. Era coordenador-geral de fiscalização ambiental e ocupou o mesmo cargo nos governos de Dilma Rousseff e de Michel Temer. Certamente, vinha sendo mantido no governo de Bolsonaro por seu perfil técnico.

Loss trabalha no Ibama desde 2013 e, no início, atuava na área de licenciamento. Tambem prestou concurso público. Mas foi em Altamira que conheceu a fiscalização de campo e o que queria realmente fazer. Trabalhou em Manaus, como coordenador de operações de fiscalização, até que, em abril do ano passado (portanto já no governo Bolsonaro), assumiu a função que ocupava até ontem.

Vale lembrar que Loss (foto acima) participou da Operação Arquimedes, uma das mais importantes realizadas pelo Ibama (bons tempos!), que teve duas fases: a primeira em 2017 (governo Temer) e a segunda em 2019, já com Bolsonaro no poder.

As investigações começaram na gestão do fiscal Roberto Cabral, em Brasília, que tiveram as participações da Receita Federal e da Polícia Federal e revelaram um esquema de fraude no transporte de madeira ilegal, extraída de áreas protegidas da Amazônia, pelos portos de Manaus. Loss testemunhou em ações judiciais movidas pelo Ministério Público Federal e foi ameaçado de morte diversas vezes.

A segunda fase da operação, no ano passado, prendeu 29 pessoas, entre elas o ex-superintendente do Ibama no Amazonas, José Leland Juvêncio Barroso, acusado de porte ilegal de arma de fogo e peculato, crimes negados por ele, claro.

Barroso apoia o cenário de destruição a que o governo almeja. Quando Bolsonaro ainda disputava a presidência, ele assinou com outros interessados na ocupação ilegal da Amazônia uma carta que reunia críticas extremamente alinhadas com as ideias e os discursos do presidente e de Salles: denunciava a política centralizada do Ibama e defendia “a tese” de que o órgão tinha gestão ideológica alinhada com o PT e o PSOL, e que estes defendiam interesses de ONGs (!!!).

No entanto, quando Barroso foi preso, o antiministro do meio ambiente declarou em uma de suas redes sociais que ele “só é ‘ex-superintendente’ porque eu demiti… Se fosse pela antiga turma ‘do bem’, estava lá até hoje”. Vai entender…

Fiscais denunciam retaliação

Ambos lideraram a megaoperação exibida na TV, que parecia um filme de ação, com direito à incineração de diversas máquinas e equipamentos usados pelos garimpeiros, o que Bolsonaro já declarou que não quer que seja feito. Impossível ficar neutro depois de assistir a reportagem para a qual Loss foi entrevistado.

Os dois chefes foram exonerados por Salles e pelo presidente do Ibama, Eduardo Bim, que justificaram a medida como sendo um pedido do novo chefe da Dipro, o major da PM paulista Olímpio Magalhães.

Em 21/4, a equipe de fiscais do Ibama se uniu e redigiu uma nota pública ao presidente para pedir a suspensão dos processos de exoneração. Nela, denunciaram retaliação e a “possibilidade de dificultar e, talvez, obstruir as investigações e as operações em curso”. Mas é exatamente isso o que o líder deste governo quer. Está claro, portanto, que Renê e Loss foram afastados de seus cargos por cumprirem a missão para a qual foram designados e treinados, que seus cargos, na essência, exigem, e por fazerem bem seu trabalho. E não só eles. Cabral também.

Para o cargo ocupado por Renê foi nomeado mais um militar: o coronel da reserva da PM de São Paulo, Walter Mendes Magalhães Júnior, levado para o Ibama por indicação de Salles e que ocupou a superintendência do órgão no Pará, até agora. Na coordenação de operações de fiscalização, no lugar de Loss, entra o servidor Leslie Nelson Jardim Tavares, analista ambiental em Manaus.

O fim do Ibama

As exonerações no Ibama começaram pouco depois da posse de Bolsonaro, em março, com o afastamento “carnavalesco” e desrespeitoso de José Augusto Morelli, de chefe do Centro de Operações Aéreas da Dipro. O fiscal o multou em 2012, em Angra dos Reis, sem saber quem era aquele sujeito de sunga branca que o afrontava. Bolsonaro foi flagrado pescando ilegalmente em reserva de proteção ambiental.

Alguma dúvida de que o afastamento de Morelli foi vingança pessoal? É assim que se comporta o líder de um país?

Mas não foi essa a primeira vez que o presidente demonstrou suas más intenções em relação ao Ibama. Ainda na campanha presidencial ele já mirava o órgão, dizendo que este promovia uma “festa de multas” e que, se eleito, iria “acabar com isso”.

Também declarou publicamente, diversas vezes, sua insatisfação com a prática dos fiscais de queimarem equipamentos flagrados em atividades ilegais. Ele esquece ou ignora que essa ação está prevista na lei, por decreto de 2011.

A saída de Renê e Loss é avaliada por fiscais do Ibama como uma “guinada definitiva rumo ao controle, ambicionado pelo governo, das atividades de campo do órgão ambiental”, como definiu o jornalista Rubens Valente, em sua coluna no UOL.

Agora, com o órgão ainda mais enfraquecido e tomado por militares da confiança de Salles, será mais fácil prosseguir com o plano de destruição do meio ambiente, abrindo caminho e protegendo criminosos e penalizando quem defende a floresta.

Fotos: Vinícius Mendonça/Ibama / Arquivo Pessoal (Hugo Loss)

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.