Já virou quase “tradição” produzir o último post do ano, aqui no Conexão Planeta, com recomendações para minimizar o consumo numa época em que as pessoas costumam trocar presentes. Se a compra for inevitável, uma boa escolha pode ser buscar itens que incentivem uma economia mais inclusiva, o comércio justo e a preservação dos biomas brasileiros. Que eles sejam portas para conhecer outros modos produtivos, outras economias, outros mundos em que a empatia e a relação sustentável com as matérias primas e a natureza estejam no centro dos processos.
É muito provável que você encontre itens da economia solidária em sua cidade, seja em feiras, mercados ou mesmo via compra direta de empreendimentos solidários. Na maioria das vezes, eles são produzidos a partir do reaproveitamento de materiais que seriam descartados, o que é também uma baita ajuda para a natureza. Além de trazerem, em si, a resistência da luta contra os manicômios (se quiser saber mais sobre este tema, leia o post que publiquei, aqui, no site).
São Paulo
Aqui em São Paulo temos a sorte de contar com dois pontos de economia solidária: o Benedito e o Butantã (escrevi sobre ele, aqui). Lá é possível encontrar itens produzidos por associações e grupos que trabalham segundo os princípios da economia solidária, cujos integrantes são atendidos pela Rede de Saúde Mental na cidade de São Paulo. De lá eu já trouxe para o meu dia a dia lindos cadernos e agendas, bijuterias e acessórios, ecobags, hortaliças orgânicas, brinquedos, entre outros itens.
Outros locais que comercializam a produção da economia solidária são o Projeto Tear (escrevi sobre ele, aqui), em Guarulhos – cujos grupos produtivos também vendem belíssimos cadernos, agendas, peças em vidro e madeira, acessórios para casa, camisetas e muitos outros produtos -, e o Armazém das Oficinas, em Campinas, que tem uma loja física que comercializa coisas lindas em vitral, ferro, mosaico e vidro, além de cartonagem, papel artesanal e costura. Nos dois casos, os grupos integram também a rede de saúde mental.
Rio de Janeiro
Ele continua lindo e lá é muito fácil encontrar produtos da economia solidária também. O Circuito Rio Ecosol, sobre o qual já escrevi aqui, no Conexão Planeta, reúne produtos artesanais, arte popular e trabalhos manuais. Também no Rio, a Junta Local (que, agora, também atua em São Paulo) promove feiras devotadas à valorização da produção local como forma de impulsionar o encontro de quem come e de quem faz. Reúne pequenos produtores do campo e da cozinha.
Além das feiras, onde o barato é sempre conversar com os produtores e entender os processos produtivos, outra opção bacana de presente oferecido pela Junta Local é dar uma Sacola Virtual de presente: você seleciona os itens pelo site e retira nos pontos indicados pela Junta no Rio.
Rio Grande do Sul
Recomendo os produtos da Justa Trama (sobre a qual já escrevi, aqui), que reúne centenas de trabalhadores espalhados por vários estados do Brasil. Homens e mulheres, agricultores, coletores de sementes, fiadoras, tecedores e costureiras formam essa rede, que trama belas roupas em algodão agroecológico.
Mas não só. Acessórios, brinquedos, biojoias, jogos pedagógicos, produtos corporativos como camisetas e sacolas, e até sapatos completam o escopo de produtos oferecidos.
Floresta amazônica
Produtos amazônicos não poderiam faltar nessa lista, em meio a todo o descalabro que o Brasil vive em relação aos povos da floresta, desmatamento, queimadas e grilagem de terras. Dar um presente que traz a valorização da floresta e de seus povos e a preservação da biodiversidade é um ato de apoio e defesa da Amazônia.
Da valorização do cacau nativo surgem chocolates deliciosos e com terroir único. César de Mendes, chocolatier brasileiro muito respeitado e reconhecido, desenvolve uma linha de chocolates finos que inclui as comunidades tradicionais da Amazônia na localização, colheita e processamento do cacau. Elas são remuneradas por esse processo. Recentemente, Mendes lançou, em parceira com produtores de cacau Yanomami, Yekawa e o Instituto Socioambiental, o chocolate produzido com cacau da Terra Indígena Yanomami (escrevi sobre isso, aqui). Outra marca amazônica que trabalha com cacau é o chocolate Na’kau, que segue os mesmos princípios de inclusão de comunidades amazônicas em sua produção.
Produtos de etnias diversas podem ser encontrados no site e na sede do Instituto Socioambiental – artesanato, cerâmica, pimentas, mel, óleos, cogumelos – além de muitos livros sobre os povos da floresta. Também em São Paulo, no Mercado de Pinheiros, os boxes do Instituto ATÁ disponibilizam produtos dos biomas brasileiros. A Tucum Brasil, localizada no Rio de Janeiro, promove o encontro entre centros urbanos e a arte da floresta, comercializando arte e artesanato de diversas etnias indígenas e comunidades.
Outra matéria prima amazônica que vem sendo resgatada e valorizada é a borracha. A Seringô, por exemplo, produz, em parceria com diversas comunidades, sandálias, porta copos e pratos, bijuterias, bolsas e outros itens em borracha. E a Da Tribu (escrevi a respeito, aqui) produz belíssimos acessórios de moda sustentável, em parceria com comunidade que extraem o látex e tecem fios que se entrelaçam em colares, pulseiras e anéis. Promove ainda o reaproveitamento de papel e papelão em outras linhas de produtos igualmente belas.
Os sabores amazônicos podem ser degustados nos produtos da Manioca, que trabalha com diversas comunidades na região do Pará e com a preservação e valorização da biodiversidade. São geleias, doces, farinhas, grãos, tucupi e outros itens que fazem a alegria do paladar. Eles podem ser encontrados em estabelecimentos em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, várias cidades do Pará, em São Luís, entre outros estados brasileiros. A lista completa com os endereços pode ser acessada no site da Manioca.
O café de açaí, o cupulate e a farinha d’água são alguns dos alimentos típicos da cultura paraense, que são beneficiados por produtores da agricultura familiar. Eu experimentei os três por meio da Tipiti, negócio de impacto que busca criar uma ponte entre esses pequenos produtores e os consumidores, paraenses ou não, que residem em outros estados brasileiros. Valorizar a produção de famílias ribeirinhas e criar canais de escoamento para seus produtos, praticando o comércio justo.
O café amazônico é outro produto incrível , vindo diretamente da cidade de Apuí, que registra um dos maiores índices de desmatamento no estado do Amazonas e que esteve na ‘linha de fogo’ dos incêndios que devassaram a floresta este ano. O Café Apuí Agroflorestal é orgânico e certificado, deliciosamente redondo no paladar, da variedade robusta, 100% amazônico, cultivado por agricultores familiares do município em sistema agroflorestal: ao mesmo tempo em que preserva e restaura a floresta, aproveita-se a sombra das árvores para cultivar outras culturas alimentares, que podem servir para subsistência ou mesmo ser comercializadas. Em São Paulo, ele é encontrado no Instituto ATÁ, no Armazém do Campo, Instituto Feira Livre, Instituto Chão, dentre outros locais. Todos também muito bons para encontrar produtos que valorizam a agricultura familiar e a biodiversidade.
Em Manaus, quem quiser uma ceia de Natal regional pode comprar uma cesta preparada por ribeirinhos da Amazônia, com Pirarucu, açaí e farinha pela internet. O peixe é manejado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá; a farinha é produzida na região de Uarini, também na RDS Mamirauá; o açaí Tupã é feito na RDS Uacari. A cesta é comercializada em diferentes tamanhos, para atender a todos os públicos, e pode ser comprada no site da Onisafra, por meio de uma parceria com a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e as comunidades das RDSs. A Onisafra é uma plataforma que proporciona o contato entre pequenos produtores e consumidores, presente em Manaus, Belém e São Paulo.
Cerrado
Eis outro bioma brasileiro bastante ameaçado. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), esse bioma perdeu quase 6,5 mil km² entre agosto de 2018 e julho de 2019. Isso equivale a cerca de quatro vezes a cidade de São Paulo. Metade da área do Cerrado já deixou de ter vegetação nativa e virou pasto, lavoura e cidade.
Valorizar a biodiversidade do Cerrado e suas populações é importante para a preservação desse bioma. A Central do Cerrado comercializa, em sua loja virtual, alimentos, artesanato, cosméticos, cestas e brindes ecossociais. É composta por cooperativas sem fins lucrativos, com 35 organizações comunitárias de sete estados brasileiros – Maranhão, Tocantins, Pará, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás -, que desenvolvem atividades produtivas a partir do uso sustentável da biodiversidade desse bioma. A central funciona como uma ponte entre agricultores familiares e comunidades tradicionais do Cerrado e consumidores.
Riqueza cultural e biológica
Estes são apenas alguns dos mundos que conheci nos últimos anos. Tenho certeza que além destes existem outros, muitos deles perto de você. Neste momento do Brasil, conhecer e apoiar novos modos de estar no mundo, de se relacionar com a natureza e produzir, é fundamental para valorizar comunidades, pequenos produtores e a sustentabilidade do nosso planeta. Consumir menos. Consumir melhor. Apoiar o comércio justo e a preservação da biodiversidade e das comunidades, associações e grupos produtivos que mostram que é possível se relacionar com o mundo de outras maneiras.
Dar presentes como estes é um jeito de levar estes mundos a mais pessoas, contar suas histórias e ajudar a propagar a diversidade e a riqueza cultural e biológica que o país tem, e que devem ser preservadas, cada vez mais conhecidas e valorizadas.
Foto: Sam Manns/Unsplash
Edição: Mônica Nunes