A trama justa que transforma

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Sete empreendimentos solidários envolvendo 700 trabalhadores em cinco estados do Brasil compõem a cadeia ecológica que tece as peças em algodão da Justa Trama.

Homens e mulheres, agricultores, coletores de sementes, fiadoras, tecedores e costureiras formam essa rede, que trama belas roupas em algodão agroecológico. Mas não só. Acessórios, brinquedos, biojóias, jogos pedagógicos, produtos corporativos como camisetas e sacolas, e até sapatos completam o escopo de produtos oferecidos.

A Cooperativa Central Justa Trama é uma cadeia produtiva que se inicia no plantio do algodão agroecológico, passa pela tecelagem, criação e costura, e segue até a comercialização das peças produzidas, envolvendo economia solidária e comércio justo.

O trabalho começou em 2004, com o desafio de produzir 60 mil bolsas para o Fórum Social Mundial, sediado em Porto Alegre no ano seguinte. Naquele momento, participaram do processo produtivo a Cooperativa Nova Esperança (CONES), de Nova Odessa/SP, e a Cooperativa de Trabalhadores da Fiação (Textilcooper), de Santo André/SP. As duas foram responsáveis pela fiação e tecelagem. A confecção das bolsas foi feita com a Univens e a Fio Nobre. E devido ao volume de produção, se uniram ao grupo mais de 30 empreendimentos de economia solidária para dar conta do trabalho.

“Em 2004, antes mesmo do Fórum Social Mundial, começamos a fazer articulações pra ver se era possível constituir uma cadeia de produção na qual só participassem associações e cooperativas, sem empresas capitalistas. E deu certo”, diz Nelsa Nespolo, presidente da Cooperativa desde sua criação, há uma década.

A experiência permitiu enxergar a viabilidade da cadeia. Desde então, depois de muitas mudanças em sua composição, a Justa Trama hoje é composta por oito empreendimentos, que por se localizarem em diferentes estados do Brasil participam de uma rica troca de experiência e desenvolvimento.

O plantio de algodão orgânico é realizado pela por duas associações, localizadas no Ceará e em Mato Grosso do Sul: Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural de Tauá (ADEC), em Tauá/CE; e Associação da Escola Família Agrícola da Fronteira (AEFAF), em Ponta Porã/MS. De Pará de Minas/MG vêm a fiação e a tecelagem, realizadas pela Coopertextil.

A confecção acontece em Porto Alegre/RS e em Itajaí/SC, realizada respectivamente pela Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos (UNIVENS) e pelo Grupo PAS. A Inovarte, também de Porto Alegre, confecciona bichinhos e jogos pedagógicos. A Cooperativa de Trabalho dos Artesãos do Estado de Rondônia (Açaí), em Porto Velho/RO, fornece sementes da região, que são usadas para ornamentação de peças e confecção de biojóias. E a Cooperativa Fênix, de Caraá/RS, confecciona calçados e mochilas.

“Se a localização fosse mais próxima, a gente se veria mais vezes. Fazemos de duas a três reuniões presenciais por ano. Sentimos falta de estar mais perto, dialogando mais sobre os desafios. Mas temos uma identidade muito comum, uma confiança uns nos outros, que é algo muito realizador e supera um pouco essa distância”, define Nelsa.

A missão da Justa Trama é definida como articular e integrar empreendimentos da cadeia produtiva da fibra ecológica por meio do plantio, transformação, produção e comercialização, promovendo a economia solidária, a agroecologia, o comércio justo, consumo consciente, preservação do meio ambiente e distribuição justa de renda para seus associados e para a sociedade em geral.

“A gente trabalha sempre com dois princípios básicos: distribuir renda justa – já que não tem atravessador capitalista na cadeia, todo mundo ganha mais – e o outro é o meio ambiente – o algodão orgânico é plantado de forma consorciada e assim tudo que é plantado com ele é também orgânico. No Mato Grosso do Sul nossos parceiros estão trabalhando muito com ervas medicinais como alternativa para cuidar das pessoas, trazendo essa vertente da preservação da saúde. Discutimos muito também a questão dos resíduos e o aproveitamento de tudo o que geramos. A partir dos retalhos, por exemplo, coletivos estão fazendo bonecos e jogos pedagógicos. O meio ambiente precisa desses cuidados, e as pessoas também”.

O trabalho da Justa Trama tem duas certificações: o IBD, por conta da produção orgânica do algodão – que verifica a forma de plantio e manejo agroecológico; e o Fair Trade International (FLO), que atesta o comércio justo.

Semeando o futuro


Em outubro de 2015 a Justa Trama conseguiu uma sede própria, em Porto Alegre (RS). Foi a partir do Projeto “A Trama do Algodão que Transforma”, que além da construção da sede, previa a instalação de uma lavanderia e a capacitação de uma equipe para trabalhar com pigmentos naturais. Mais ainda, o projeto promoveu acompanhamentos técnicos para aumentar o número de agricultores plantando o algodão orgânico. O resultado disso foi a expansão dos agricultores em nove cidades do Mato Grosso do Sul, chegado até mesmo ao Paraguai, que faz fronteira com o estado. Com a sede construída e a lavanderia funcionando, a cooperativa recebe também pedidos de tingimento de roupas de outras empresas.

Boa parte das peças é desenvolvida pelas próprias cooperadas: “Além de pensar a cadeia e costurar, a gente pode criar, e isso é algo que realiza muito uma pessoa, ver outros usando as roupas que você ajudou a pensar. Algumas peças que desenhamos no começo do funcionamento da cooperativa a gente até pensou em tirar de linha, mas sempre vem um pedido e a gente acaba mantendo a peça”, diz Nelsa, ela mesma autora do projeto de uma bolsa que leva o seu nome.

No horizonte do planejamento do grupo está a meta de produção de 70 mil peças/ano em médio ou longo prazo. A produção varia e depende em boa parte de demandas. “Dependemos de eventos e de feiras. Assim como tudo no país, esse momento está um pouco difícil, as feiras têm diminuído e a política brasileira está reduzindo o apoio para a economia solidária”, lamenta Nelsa. Mas na sequência ela comemora a chegada de um público novo: pequenas marcas que estão fazendo parceria com a cooperativa para confeccionar seus produtos com o tecido orgânico.

Os produtos da Justa Trama podem ser comprados pelo site, e também em algumas lojas físicas, localizadas em Porto Alegre e Passo Fundo (RS), Itajaí (SC), Porto Velho (RO) e Livramento e Montevidéu, no Uruguai.

A Cooperativa está também envolvida na criação do banco comunitário Justa Troca, em Porto Alegre. O banco já tem moeda, o Justo. Os envolvidos já fundaram uma associação, constituíram um fundo e agora estão em conversas com os comerciantes para promoverem a adesão à moeda. “Precisamos olhar para o Brasil, para o mudo, mas mudar o local onde estamos”, finaliza.

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Fotos: Justa Trama

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Mônica Ribeiro

Jornalista e mestre em Antropologia. Atua nas áreas de meio ambiente, investimento social privado, governos locais, políticas públicas, economia solidária e negócios de impacto, linkando projetos e pessoas na comunicação para potencializar modos mais sustentáveis e diversos de estar no mundo.