Peixe fresco é uma delícia. E este aconteceu na Floresta Amazônica. Depois de dois voos – o último bem turbulento em avião pequeno – pousamos em Alta Floresta, no Mato Grosso. De lá, alguns quilômetros de carro até a pousada, nossa primeira parada, já no Pará, às margens do rio.
Eram meus tempos de repórter na TV Campinas. Uma reportagem de pesca para o Terra da Gente, programa lindo que a TV produzia e ainda produz. Eu não pesco nadica de nada. Mas acompanhava bons pescadores. Minha missão era contar a história deles e do que eu encontrasse.
Podia ir além da pescaria, porque quando alguém decide me lançar na floresta, eu encontro e conto sobre meninos morenos sendo lavados pelas mães na beira do rio; esfregados com sabão que nem as roupas. Pra enxaguar, banho de rio, que é onde eles brincam todo dia. Encontro bicho que voa, bicho que nada, bicho que anda; ouço bater de asas, sussurro de folhas, passos corridos, nascer e pôr do sol, uma água que não tem fim, gente que planta a horta suspensa num quintal arenoso, frutas, sabores, mulheres que fazem farinha de mandioca, homens pescadores pra viver…
No grupo de trabalho, quem nos guiava e amparava na aventura eram os moços que, num tempo trabalharam no garimpo do ouro do Pará e agora eram guias turísticos, piloteiros (são chamados assim os pilotos dos barcos), funcionários de pousadas. Muitos perderam a audição, porque tinham que mergulhar fundo, respirando por mangueiras de borracha, rudimentares, para encontrar ouro no leito e barranco lamacentos.
Muitos foram ricos. Mas não lidaram bem com muito dinheiro.
Além de nós, trabalhando, passam por lá pescadores do mundo todo em busca de peixes grandes da Amazônia.
Tínhamos autorização da Marinha para acampar na floresta. Viajamos 4 horas rio acima pelo São Benedito. Era o rio como avenida; floresta nas duas margens; trânsito de jacaré, muito passarinho, muitas aves. Um silêncio de mata; um verde de mata; o rio, um espelho.
Aí, chegamos na pequena capoeira (clareira aberta na mata) onde ficaríamos uns dias. Tinha uma estrutura confortável: barracas pra dormir, uma cabana que abrigava a cozinha. O banheiro era o mato mesmo. E era bom avisar se estava ou não ocupado. E só eu – a única menina – tinha “chuveiro”com box: duas capas de chuva amarelas amarradas em varetas faziam a cortininha e uma mangueira trazia a água do rio pra dentro do compartimento. Os rapazes da equipe tomavam banho no rio mesmo. Assim é por lá.
Na hora de dormir, distribuíam-se as barracas. E o diálogo entre os guias:
– Onde a menina vai ficar?
– Deixa a barraca da moça ser a do meio, que a onça quando chega é pelas beiradas…
Juro que ouvi isto antes de dormir. Dormir??
Fogueira acesa, o escuro era intenso, de mata, de céu. Ouvi esturro de onça a noite inteira. Mas, para a minha tranquilidade, me contaram que a tal da fogueira afastava o bicho. Acreditei.
No dia seguinte, sobreviventes felizes, partimos para a produção. Ficaríamos o dia todo gravando. Muita imagem bonita de manhã. Alguma história, porque a floresta tem uma vagareza encantadora. E deu fome. E o almoço foi pescado e preparado ali mesmo: piranha no braseiro na beira do rio. Simples. Fresco. Quentinho. Aromático. Uma delícia!
Então, vamos preparar um peixinho? Não!, não vamos comer piranha. Nem enfrentar onça. Nem pescar. Nem acender braseiro. Como nem tudo é perfeito, não teremos a Floresta Amazônica.
Vou facilitar e sugerir ceviche, que a gente prepara com peixe fresco. E ele continua assim até a mesa.
O ceviche tem origem peruana e influência árabe. Fusion, desde que o mundo é mundo… Ceviche é uma palavra que pode ter origem no árabe sibesh. Segundo vários relatos, cozinheiras mouras teriam levado o costume do tempero cítrico para Portugal e Espanha. E o costume veio parar nas colônias americanas, quando o peixe dos nativos passou a ser marinado em laranja azeda. Resultou no ceviche que conhecemos hoje.
Meu ceviche mais recente foi para um almoço com a família mineira (claro que foi só uma entrada porque a família mineira precisa de muito mais que um ceviche pra ficar satisfeita, certo?)
RECEITA DE CEVICHE
INGREDIENTES
600 g de peixe fresco (pargo, robalo, namorado, tilápia rosa ou salmão)
suco de 2 limões (tahiti ou siciliano)
(opcional: suco de 2 maracujás, mais suco de meio limão)
uma cebola roxa pequena
um punhado de salsinha
uma colher (café) de gengibre fresco ralado
uma pimenta dedo de moça
coentro picado – você elege a quantidade
sal a gosto
Acessórios (escolha o que mais te agrada)
cubos de manga madura
cubos de maçã verde
tiras de rabanete
tomate cereja
Montagem
saladinha de alface
batata doce cozida
torradas de pão sírio
MODO DE PREPARO
O peixe pode ser salmão ou pargo ou robalo ou namorado ou tilápia rosa. Você deve saber onde achar uma posta de boa qualidade.
Você tem que cortá-lo em cubos pequenos. Não é pra fazer moidinho, como se fosse tartare. Cubos miúdos ou tiras finas.
O segredo do ceviche é que o peixe é cru e, digamos assim, “cozido” na acidez do limão. O limão, por sua vez, pode tirar a beleza da cor do salmão, se você vai fazer com ele. Então, uma opção é usar o suco do maracujá azedo, para fazer às vezes do cítrico, num primeiro momento. Se algumas sementinhas do maracujá ficarem por lá, deixe. Puro charme. E cor.
Cebola roxa. Além de ser bonita, é menos potente do que a cebola branca. Miudinha também.
Sal a gosto. Salsinha. Gengibre ralado. Coentro (Não faça careta para o coentro. Bem dosado, vale a pena). Obrigatório: pimenta dedo de moça, picadinha. Não se assuste. O sabor é maravilhoso e até suave, se você tirar as sementinhas. Corte a pimenta no comprimento e retire as sementes. Depois, pique miudinha.
Mantenha em geladeira por 15 minutos, marinando.
Se optou pelo maracujá, acrescente, no mínimo, suco de meio limão, 5 minutinhos antes de servir. Pode ser o tahiti, claro. Mas, se quiser arrasar, esprema o siciliano. Vai perceber que tem, além do sabor, um perfume suave. Aí, não resista: raspinha de limão siciliano no ceviche é generosa contribuição de (mais) charme, sabor e cor ao prato.
Isto é o básico. Mas, pra que ficar no básico? O ceviche aceita cubos miúdos de manga, tiras finas de rabanete, tomatinho cereja. Escolha o que vai no ceviche de hoje.
Combina com rodelas fininhas de batata doce cozida ou assada; ou torradas de pão sírio.
Tudo fresquinho para tardes e noites quentes com preguiça no corpo. No copo, vinho branco, rosé ou espumante. Para ouvir, Boto Namorador, com Dona Onete. É divertido e apropriado ter um carimbó, a dança do Norte, para temperar, porque o ceviche pode ser peruano, mas a ideia original deste texto estava ali no nosso Pará.
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Foto: domínio público/pixabay