Minha vó tinha um caldeirão

Minha vó tinha um caldeirão

A porta da casa sempre estava aberta. Era vigiada por um gato sonolento e lento. Era só alguém pisar na soleira que ele avisava:

– Miau, tem visita!!

E lá de dentro a vovó saía. Sempre assim: coque segurando o cabelo longo que ela nunca cortou, carinha redonda, bochecha rosada, olhinhos brilhantes e curiosos e por cima de um monte de saias, o avental.

– Quem é?, ela perguntava.

E era João, Maria, José, Pedro, Rafael, Catarina, Esmeralda…

Netos e visitas que vinham sempre para ver o que ia, naquele dia, sair do caldeirão da vovó. E até receitinha que curava qualquer enfermidade bem podia sair do caldeirão.

– Vó, tá fraquinho o menino, não quer correr nem brincar.

E, lá do caldeirão saía uma sopa borbulhante, feita de osso, fubá e couve. Que delícia!!

O menino comia a sopa do caldeirão e sorria e corria e brincava. Tempero bom!!

Às vezes, visitar a vovó não era brinquedo, não.

Tínhamos que ajudar no trabalho do quintal. O caldeirão ia voando. Só a vovó conseguia fazer esta mágica. E lá fora o caldeirão espirrava broto de alface, pé de milho, raiz de mandioca e cada flor mais bonita do que a outra.

E aí, o caldeirão fazia chuva. Que a gente adorava pra ficar molhado e brincar de guerra de barro.

O caldeirão tinha uma quedinha especial pela chuva. Porque quando chovia, era dia de fazer bolinho bobo. Você ia dizer bolinho de chuva. Errou!! O caldeirão fazia bolinho bobo. Farinha, ovos, açúcar, óleo, canela, frita tudo e…

… o meu parece um porco; o meu, uma galinha, o meu é uma girafa e o meu é um leão.

– Vó, conta história!

E lá ia vovó buscar ideias no caldeirão.

Era só espichar o pescoço e apurar os ouvidos pra escutar. Vinha cada história…

Fadas voavam, princesas dançavam, sacis, mula sem cabeça, o cabriolet avançava por uma estrada poeirenta, o homem bonito de chapéu, Rosa Branca, Rosa Vermelha, o bem, o mal.

Tudo estava lá. Um dia – adivinha – o caldeirão borbulhou e… miou. Lá de dentro saltaram nove gatinhos filhotes. Direto, ganharam colo no avental da vovó.

E quando todos iam dormir, aí a porta era fechada, a casa ficava quietinha. Só o caldeirão continuava lá, borbulhando histórias e miados.

A vovó, nesta hora, sumia. Se a gente ficasse bem quietinho mesmo, na cama coberta com colcha de retalho – que a vovó costurava – escutava uma voz cantando. Só podia ser a vovó cuidando de limpar o caldeirão e arrumar tudo que tinha lá.

Só ela podia se encolher tanto pra caber no meio de tanta coisa.

Certeza que a vovó, de noite, preparava sonhos engraçados pra mandar direto pro nosso sono.

Porque amanhã tem mais surpresas de caldeirão.

RECEITA DE BOLINHO BOBO QUE TODA VÓ DEVERIA SABER

INGREDIENTES

4 ovos
2 xícaras de açúcar
1 colher (sopa) de óleo
1 copo de leite
1 colher (chá) de canela em pó
1 colher (sopa) de fermento em pó
Canela em pó e açúcar a gosto para lambuzar os bolinhos
(opcional: chocolate para uma calda indulgente)

MODO DE PREPARO

Em uma vasilha funda, bata com um garfo ou um fouet (batedor de arame) os ovos com o açúcar, até formar um creme. Acrescente o óleo, o leite, a canela e a farinha aos poucos, sem parar de bater. Por último, o fermento em pó. Deixe descansar um pouquinho antes de fritar.

Em uma panela funda, aqueça óleo o bastante para mergulhar os bolinhos bolinhos. A massa, você pega com uma colher, em pequenas porções e pinga no óleo quente (não muito quente pra não queimar a massa).  E veja, magicamente, os bichinhos que vão se formando. É muito divertido. O bolinho está no ponto quando dourar.

Deixe preparado, do lado da panela, um recipiente forrado com papel toalha, para deitar os bolinhos depois de fritos. Assim que absorver o excesso de óleo, transfira os bolinhos para um outro recipiente onde estará o complemento clássico e saboroso da receita: uma mistura de canela em pó e açúcar. Coloque os bolinhos sobre uma camada de açúcar com canela. E, sobre os bolinhos pulverize outra camada de açúcar com canela. Se quiser uma variação ainda mais indulgente pro bolinho nada bobo, faça uma calda de chocolate (é só derreter um pedaço de chocolate em banho-maria, misture ou não um pouco de creme de leite); separe em porções individuais e autorize cada comensal a mergulhar o bolinho nelas.

Você pode dar uma dentada e voltar o bolinho pro chocolate – se escolheu o chocolate –  ou pra mistura de canela com açúcar. Não vai ter um pedacinho sem complemento de sabor.

Cá entre nós, quebre a tradição: vá de bolinho bobo em vez de rabanada neste Natal. Peça pra vovó fazer. Ou faça você mesmo pra vovó.

Quebre de novo a tradição: se é bolinho bobo não precisa  da desculpa da chuva pra saborear.

Chuva e sol, casamento de espanhol; sol e chuva, casamento de viúva. Divirta-se!

Chame as crianças pra ajudar e, com elas,  ouça “A Formiga”, de Vinícius de Moraes, enquanto prepara e come esta delícia encantada.

Foto:  jens johnsson/unsplash 

Um comentário em “Minha vó tinha um caldeirão

  • 13 de maio de 2018 em 2:12 PM
    Permalink

    Da minha avó adaptei a receita do tradicional Bolinho de Chuva dela, na versão VEGANA, uma delícia sem nada de origem animal, nem leite, nem ovo, nem manteiga e fica esta delícia de lamber os beiços, além de não grudar, quando frita.

    BOLINHO DE CHUVA VEGANO
    2 xícaras de farinha de trigo
    3 colherinhas (chá) de fermento Royal
    1/2 colherinha (chá) de sal
    3/4 de xícara de água (em temperatura ambiente)
    1/2 xícara (rasa) de aúcar
    gotas de baunilha
    açúcar e canela para polvilhar

    Misture todos os ingredientes e frite às colheradas no óleo quente mas depois abrande o fogo, do contrário ficam crus por dentro. Coloque-os em papel toalha e depois agite-os dentro de um saco (de papel ou plástico) onde estão misturados açúcar e canela. Sirva de preferência no mesmo dia em que foram feitos, com um belo café ou chocolate quente, mas nada impede de serem consumidos no dia seguinte, se sobrarem.

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Cássia Miguel

Mulher de marido, mãe de filho, madrasta de enteados. Começou a carreira profissional vendendo pinga e pão com mortadela na venda dos pais, em Minas. Foi bancária, revisora de jornal, rádio escuta, repórter, editora e apresentadora de TV. Hoje é especializada em media training, com foco para entrevistas em TV e vídeo. Fez jornalismo na PUCCAMP, pós graduação em Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e Relações Públicas na USP e Análise do Discurso na PUC SP. Tudo isto sem tirar o pé da cozinha