Apesar dos representantes do Talibã terem afirmado que respeitariam os direitos das mulheres, como já era imaginado, o regime está impondo cada vez mais restrições à vida das afegãs. Depois de ter reprimido vários protestos nas ruas, hoje um porta-voz do grupo extremista, que tomou o poder do país em agosto, anunciou que meninas e mulheres estão proibidas de praticar esportes. Durante entrevista à uma rede de televisão da Austrália, o representante do novo governo afirmou que as atletas ficarão com partes do rosto e do corpo visíveis e o Islã não permite isso.
“É a era da mídia, e haverá fotos e vídeos, e então as pessoas assistirão. O Islã e o Emirado Islâmico não permitem que as mulheres joguem críquete ou pratiquem outros tipos de esporte em que são expostas”, declarou Ahmadullah Wasiq, vice-chefe da Comissão de Cultura do Talibã.
Emirado Islâmico é o nome com o qual o grupo chama agora o Afeganistão.
Várias atletas deixaram o país no final de agosto. Mostramos, por exemplo, a história da ativista e capitã da seleção paralímpica de basquete que fugiu para a Espanha. Nilofar Bayat tinha apenas dois anos quando um foguete lançado pelo Talibã atingiu sua casa. Além de perder o irmão, ela teve sérios ferimentos na espinha dorsal e com isso, ficou com problemas de mobilidade. “Eu sou uma prova de quão perigoso é o Talibã. E de como viver no Afeganistão é difícil: não há futuro nem esperança”, disse ela há três semanas.
Nilofar teve a ajuda do governo de Pedro Sánchez e da Federação de Basquete daquele país. Sua história chegou até eles graças à amizade com um jornalista, que a contou na mídia espanhola. A esportista e o marido voaram para lá com 100 outros refugiados. A afegã foi convidada para jogar no time Bidaideak Bilbao.
Logo que o Talibã assumiu o poder do governo, a ex-capitã da seleção afegã de futebol feminino, Khalida Popal, que vive na Dinamarca, logo recomendou que as jogadoras se livrassem de uniformes e apagassem suas redes sociais. Ontem (08/09), ela voltou a usar seu perfil no Instagram para lamentar a declaração feita pelo representante do atual governo.
“O anúncio foi feito oficialmente!
O direito de praticar qualquer esporte para mulheres e meninas foi banido no Afeganistão.
Muitas mulheres, inclusive eu, usaram os esportes como meio de capacitação, inclusão e ativismo. Todos os anos de dedicação, sacrifícios e amor simplesmente desapareceram pelo inimigo da humanidade.
O sentimento de liberdade é a coisa mais incrível que acontece quando você participa de qualquer atividade esportiva, mas esse sentimento foi tirado de mulheres e meninas que não tinham voz e nenhum papel na tomada de decisões. Não importa quantas vezes eles silenciam e abandonam mulheres e meninas.
Não vamos parar de lutar, não vamos desistir. NÓS BRILHAREMOS MAIS FORTES JUNTAS !! Eu sou a #Voz para minhas irmãs que perderam a voz”.
Já Shabnam Mobarez, que era a atual capitã do time, mas estava nos Estados Unidos, também tinha externado sua preocupação com as colegas. Ela pediu a ajuda da Federação Internacional de Futebol, FIFA, para retirá-las do Afeganistão. Dias depois, a organização global FIFPRO informou que com o auxílio do governo da Austrália conseguiu embarcá-las num voo para a Holanda.
Em julho, a ativista paquistanesa e ganhadora do Nobel da Paz, Malala Yousafzai, que em 2012 levou um tiro na cabeça de militantes do Talibã porque lutava pelos direitos das meninas à educação, escreveu em suas redes sociais como o esporte tinha sido importante na sua vida.
“Quando menina, adorava jogar críquete com meus amigos e irmãos. Mas percebi que os meninos jogavam uma bola mais lenta para mim, presumindo que as meninas tinham medo de acertar uma bola rápida. Eu sempre gritei com eles e disse-lhes para jogarem a bola como fariam se eu fosse um menino. Praticar esportes me ajudou a ter ousadia para ser competitiva e resiliente em minha luta pela educação e igualdade das meninas”, afirmou.
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Foto: reprodução Facebook Afghanistan Football Federation/CAFA Association