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Suzana Padua: pioneirismo ao aliar educação ambiental e ciência no Brasil

Suzana Padua: pioneirismo ao aliar educação ambiental e ciência no Brasil

Quando Suzana Padua e seu companheiro, Claudio Padua, chegaram ao Pontal do Paranapanema, no final dos anos 1980, o objetivo era que ele concluísse o curso de doutorado voltado à conservação do mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus), espécie símbolo do estado de São Paulo e que só existe no oeste paulista.

Com filhos pequenos e em um local desconhecido, Suzana, que era designer, passou a se envolver com o projeto de Claudio e encontrou, na educação ambiental, uma paixão e um propósito de vida

Com um pequeno grupo de jovens pesquisadores que se juntaram a eles, o casal criou, em 1992, o IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, uma das mais reconhecidas organizações ambientalistas do país, com atuação em quatro biomas e um modelo baseado na educação ambiental e no estabelecimento de parcerias voltadas à pesquisa científica de aplicação prática, que inclui reflorestamento e geração de renda para a população.

Atuando inicialmente de forma intuitiva e depois academicamente, Suzana é um dos pilares desse modelo de sucesso que levou o IPÊ a ser a primeira organização não governamental a ter um programa de mestrado profissional, a Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas), responsável pela formação de mais de 160 mestres e mais de 7 mil pessoas nos cursos temáticos.

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Para a ativista, o maior legado destes 30 anos de IPÊ é o grupo de especialistas que se formou, “forte o suficiente para dar contribuições em qualquer lugar do mundo”.

O que fez você e Claudio dedicarem suas vidas à conservação ambiental?

Quem fez a mudança de vida foi ele e eu fui junto. Tínhamos uma vida ‘quadrada’ no Rio de Janeiro, íamos ser réplicas de nossos pais, pois ambos viemos de famílias bem tradicionais. Mas Claudio teve a coragem de mudar de vida, era administrador de empresas e decidiu trabalhar com conservação.

Foto: Instituto Ipê/Divulgação

No início, achei uma maluquice porque tínhamos três filhos pequenos. Durante os três primeiros anos, porém, me descobri como uma pessoa que tinha capacidade de botar a mão na massa e de levar a família adiante. Era formada em Comunicação Visual e quando o Claudio mudou de vida trabalhei com design com duas sócias e sustentei a casa sozinha durante essa primeira fase.

Isso me trouxe o reconhecimento de saber que, se eu quiser, eu faço, o que é muito valioso, principalmente para uma mulher.

Quando você passou a também a atuar na área?

Em 1987, fomos morar em Teodoro Sampaio, no Pontal do Paranapanema, em São Paulo, local em que Claudio estava coletando dados para seu doutorado sobre o mico-leão-preto.

O Parque Estadual do Morro do Diabo, com seus cerca de 35 mil hectares, era o último grande remanescente de Mata Atlântica no interior do estado e, nos últimos cinco anos, estava sofrendo várias agressões. Uma estrada e um aeroporto foram construídos dentro dele e os moradores não davam importância ao local. Até lixo começou a ser jogado dentro do parque.

Percebi que, se não fizéssemos um trabalho para que as pessoas valorizassem aquela área natural, dificilmente sobraria alguma coisa. Foi assim que comecei a trabalhar com educação ambiental

Fui às escolas e pedi autorização aos diretores para levar as crianças para conhecer o parque. No início, achavam que educação ambiental era para professor que não queria trabalhar e apenas se divertir com os alunos. Hoje, há uma mentalidade completamente diferente, mas já se vão mais de 30 anos…

Abrimos trilhas interpretativas para levar as crianças e preparávamos os professores antes, durante os passeios e nas atividades pós-visita. Percebemos, porém, que não dava tempo de esperar aquelas crianças crescerem para ter uma mudança e começamos a atuar também com os adultos.

O Pontal do Paranapanema é a segunda região mais pobre do Estado de São Paulo e, nessa situação, as pessoas não têm muito lazer. Então, passamos a realizar atividades para aproximar o parque da cidade, por meio de festivais de música ecológica, exposições de desenho e gincanas.

Fazíamos calendários que eram distribuídos e pendurados em todos os estabelecimentos públicos, em todas as lojas. Uma vez fechamos a avenida principal com um festival de lambada. Descobrimos uma lambada da época que dizia “Desmatar floresta, fazer queimada, é burrice, não tá com nada” e usávamos como nosso hino.

Só depois fui estudar educação ambiental e vi que muita coisa que fazia intuitivamente era o correto. A vontade de acertar era muito grande.

A partir daí, sempre trabalhou com educação ambiental?

Quando descobri a educação ambiental, essa história de propósito foi muito forte. Não imaginava que trabalhar por uma causa que você acredita te trouxesse tanta força. Um dos segredos é descobrir o que pode fazer para contribuir para um bem coletivo, maior do que você. Eu não tinha cansaço.

Acordava às 5 horas da manhã para poder desenhar as trilhas, escrever cartas, pedir autorizações e financiamentos, depois levava as crianças para o colégio, trabalhava que nem doida, buscava as crianças, ficada um tempo com elas e voltava a trabalhar. Era como um vício.

Foi assim que chegamos ao trabalho com crianças, depois com os adultos, até chegarmos à parte de alternativas de renda para as comunidades.

Por que resolveram criar o IPÊ?

O IPÊ nasceu porque aceitávamos estagiários e muitos nunca foram embora, nem mesmo quando mudamos para os Estados Unidos. Fomos pra lá para o Claudio terminar o doutorado e eu o mestrado em educação ambiental no Centro Latino-Americano, na Universidade da Flórida. Nesse momento, surgia – por lá – o conceito inovador da biologia da conservação, cuja ideia era trabalhar conservação com múltiplos olhares e interdisciplinaridade.

Quando voltamos ao Brasil, em 1992, fomos para Piracicaba e lá, junto com aquele grupo inicial de estagiários, formado por umas dez pessoas, criamos o IPÊ.

Nossa ideia era fazer uma parceria com a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), para, de algum jeito, instituir um programa de biologia da conservação dentro da universidade, o que acabou não dando certo.

Mas essa frustração nos levou a criar um programa educacional, pois acreditávamos que não poderíamos ser uma instituição apenas de pesquisa. Precisávamos ter pesquisa aplicada, como um laboratório de aprendizagem, onde os alunos vão aprender em campo, com nossos erros e acertos, participando da parte prática dos projetos.

Suzana Padua: pioneirismo ao aliar educação ambiental e ciência no Brasil
Foto: Claudio Rossi

Como vocês chegaram à criação da Escas?

A parte educacional está no DNA do IPÊ e só ampliou. Ficamos algum tempo em Piracicaba e transferimos a sede para Nazaré Paulista, onde poderíamos ter um centro educacional e continuar a dar os cursos que já oferecíamos.

Começamos com o próprio time do IPÊ, que foi todo fazer mestrado e doutorado dentro e fora do país. Com a equipe se profissionalizando, vimos o grande valor que é preparar gente num país líder de biodiversidade, com a qual temos uma responsabilidade imensa, que não está sendo atendida.

Precisamos ter uma massa de gente para mostrar a valorização de tudo isso. Por exemplo, eu dava curso sobre como avaliar a educação ambiental, para deixar de ser uma coisa apenas intuitiva e passar a ser respeitada como ciência.

Trazia questões como trabalhar conflitos em comunidade ou como aplicar uma nova tecnologia de coleta de dados em campo. Tudo o que para nós foi difícil de aprender, queríamos compartilhar, para que outras pessoas pudessem fazer e não desistir.

Tenho o maior orgulho do nosso braço educacional, que hoje conta com 160 mestres formados. E fomos capazes de oferecer mestrado porque, na época, já contávamos com mais de dez doutores na equipe.

Fomos a primeira ONG a conseguir autorização da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, fundação vinculada ao Ministério da Educação que atua na consolidação da pós-graduação do Brasil) para oferecer mestrado. Fui à uma palestra em Brasília de um diretor da Capes e perguntei se existia alguma lei que proibia ou restringia o oferecimento de mestrado por uma ONG e ele me disse que não, que apenas a qualidade contava.

Foi assim que nos candidatamos e o Fabio Scarano, que não conhecia o IPÊ na época, foi designado para nos avaliar e saiu com um parecer altamente favorável e acabamos aprovados em tempo recorde. Conseguimos criar a Escas com recursos do Guilherme Leal e do Antonio Luís Seabra, dois dos donos da Natura, que aportaram um fundo para termos segurança para começar o programa.

Qual a relação do IPÊ com a iniciativa privada?

Tem uma historinha que gosto de contar. O Juscelino Martins, do Grupo Martins, foi o primeiro empresário a acreditar no IPÊ. Ele era colega do Cláudio no conselho do Funbio – Fundo Brasileiro para a Biodiversidade e, quando soube do trabalho da pesquisadora Patrícia Medici com as antas, nos convidou para ir à fazenda dele porque tem criação de animais silvestres, incluindo antas.

Lá, Martins me perguntou qual o percentual de nosso orçamento vinha do setor privado e respondi que era zero. Depois do jantar, me pediu para mostrar quais eram nossos sonhos. Nos apoiou na compra de um barco escola no Rio Negro, no Amazonas, e o próprio Grupo Martins e o banco deles, (Tribanco), viraram nossos parceiros.

Além disso, nos abriu muitas portas, como a parceria com as Havaianas, que já tem quase 20 anos, além de muitas outras, sempre focadas na biodiversidade brasileira. Acreditamos que essas parcerias são fundamentais porque parcerias com governos são muito importantes, mas a cada quatro anos pode mudar tudo.

Nosso Conselho também é chave para o nosso fortalecimento, porque cada vez mais nos ajuda a enfrentar desafios e a abrir novas portas, por vezes bem promissoras. 

Conte sobre a relação amalgamada entre você e Claudio na construção de uma organização e na defesa de uma causa

Na criação do IPÊ, Claudio entrou com a parte científica ecológica e eu com a parte educacional, de valores. Juntamos o intuitivo com o racional desde o início e acabamos construindo uma instituição com esse equilíbrio.

Isso nos levou a explorar mecanismos científicos para o que era só intuitivo, a partir do meu mestrado em educação ambiental, o qual tinha grupo de controle, grupo experimental, análise estatística. Não dava mais para dizer que aquilo não era ciência.

Agora, trabalhar juntos tem altos e baixos, nem sempre é um mar de rosas. Estamos juntos há 51 anos, é uma relação de vida. Conversamos muito sobre o futuro, o futuro da humanidade, o que a gente pode fazer. São conversas que nos levam a procurar soluções. Não vamos mudar o mundo, vamos mudar o que podemos.

O Claudio tem uma grande facilidade em criar projetos e vou atrás, porque são ideias muito boas. Ele diz que eu faço o mesmo com ele. Então, é um tipo de casamento que funciona muito bem, porque a gente se alimenta de boas ideias.

Agora, tem um desgaste de estarmos focados na mesma coisa o tempo todo. Por exemplo, apesar de terem muito orgulho de nós, nenhum dos nossos filhos nos seguiu, trabalham com outras coisas. Acho que meio ambiente foi uma overdose.

Alguma vez pensou em desistir?

Várias vezes pensei em parar, principalmente nos primeiros anos, antes de termos o IPÊ, quando não tínhamos estrutura: o Claudio ganhava muito pouco e eu não tinha nenhuma remuneração. Era uma coisa de paixão, mas em momento algum da minha vida, os filhos deixaram de ser prioridade.

Quando fomos para o Morro do Diabo, só iniciei minha atuação quando consegui ter uma boa casa para a família, um ninho feito, o que demorou um pouco.

Entendo a dificuldade das mulheres no campo profissional, porque muitas não têm a liberdade que eu tive. No IPÊ, hoje temos mais mulheres em todas as frentes, desde o Conselho, na coordenação de projetos e staff de modo geral. Temos um equilíbrio e ele aconteceu de forma natural.

Como você descreveria os 30 anos do IPÊ?

Não fizemos o IPÊ pensando que fosse ter o sucesso que tem hoje. A meta era fazer um trabalho bem-feito e focar no incentivo para o crescimento da equipe. E conseguimos.

Veja o Laury Cullen Jr., responsável pelo maior corredor já reflorestado no Brasil, no Pontal do Paranapanema, e a Patrícia Medici e seu reconhecido trabalho com as antas, ambos ganhadores do Whitley Gold Award, assim como o Claudio e a Gabriela Rezende, atual coordenadora do Programa de Conservação do Mico-Leão-Preto (3ª geração de coordenação), também ganhadores do mesmo prêmio.

(Patrícia Médici e Gabriela Rezende receberam o prêmio em abril de 2020, como o Conexão Planeta contou aqui)

Tanto o Eduardo Ditt, que hoje é o nosso diretor geral, quanto a Cristiana Martins, coordenadora da Escas, foram pesquisadores do IPÊ antes de irem para a área administrativa da instituição. Todos começaram como estagiários (e Gabriela como estudante de mestrado da Escas).

Hoje, somos mais de 100 pessoas e temos projetos em quatro biomas: Mata Atlântica, Amazônia, Pantanal e Cerrado. Apenas o Lira – Legado Integrado da Região Amazônica, no qual trabalhamos com parceiros em unidades de conservação, atua em uma área equivalente a duas ‘Alemanhas’ e é capitaneado pela Fabiana Prado, também estagiária que deu início ao IPÊ.

O importante nestes 30 anos é pensarmos em que legado estamos deixando e acredito que a equipe do IPÊ é forte o suficiente para dar contribuições em qualquer lugar do mundo. É muito boa a sensação de ver notícias interessantes sobre o que as pessoas estão fazendo no IPÊ.

A mais recente foi que a Nasa reconheceu o esverdeamento do Pontal do Paranapanema. E começamos apenas querendo salvar o mico-leão-preto!
___________

Edição: Mônica Nunes

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Foto: Instituto Ipê/Divulgação

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