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Prudência, casório e caldo de galinha…

caldo de galinha

Francesca era uma moça em idade de casar. Tinha algumas posses naquelas montanhas dos Pirineus, no fim do século XIX. Gado, galinhas, uma terra de plantio.

Martin também tinha posses; era de uma das famílias andorranas mais abastadas naquele tempo. Também tinha gado, terras, mais do que Francesca. A casa dele era uma das mais prósperas da região, no inverno e no verão. Iam se casar.

Quando acontecimentos assim eram marcados, uma modista vinha de longe e passava uma temporada na casa da noiva, costurando roupas para toda a família, principalmente para as meninas.

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Conforme o costume, padre e famílias, juntos, faziam um apanhado de todos os bens que os dois enamorados levariam com eles. Os noivos concordavam e se comprometiam a usar tudo que tinham e que viriam a ter para dar conforto e saúde às famílias a que se agregassem e aos filhos que gerassem. O costume é que a noiva fosse morar na casa do noivo.

Lá, então, algumas gerações conviveriam. Os avós, os filhos, os netos. Se a casa era abastada e, portanto, gerava e oferecia trabalho, ali também se hospedavam criados contratados para a lida no campo, para plantar, colher, manter a casa aquecida, cuidar do gado. Os meses de verão eram os de maior trabalho. Faziam queijo, linguiça, farinha. Guardavam a farinha, conservavam queijos e embutidos para os meses rigorosos do inverno.

Aí, gastavam muito tempo na cozinha, o lugar mais quente, onde conversavam, conversavam, conversavam.

E o casamento, então, ia acontecer.

Francesca, linda, feliz, ia hoje para a casa,  para a cerimônia, para a festa e para o quarto.

Teria filhos, trabalharia fazendo pão, cuidando do campo, do gado, costuraria os rasgos das roupas do marido, do sogro, rezaria as orações, dançaria nos bailes no salão da própria casa.

A noiva montou uma mula. Outra mula levava os baús do enxoval caprichado: roupas de cama bordadas a muitas mãos femininas, toalhas, vestes para o trabalho e para as festas da paróquia.

Os avós dela entregaram, então, o presente que era o símbolo de uma boa e prazerosa noite de núpcias: duas galinhas vivas. Elas virariam caldo que os noivos deveriam tomar na noite do casamento.

Todos riam, maliciosamente, genuinamente e felicitavam.

Naquela noite, teve festa. Os convidados acompanharam marido e mulher até o novo quarto da velha casa preparado para o casal. As portas se fecharam. Os convidados se retiraram. O caldo foi consumido.

E a vida nos altos Pirineus seguiu.

Este texto acima foi inspirado num extrato de história sobre a família moradora do hoje Museu Casa Rull, em Andorra, onde estive de férias recentemente (sobre esquiar, nem vou contar!).

A tal família era próspera, proprietária de terras. A casa está preservada, como se os moradores tivessem acabado de sair. Para visitantes curiosos conhecerem como era a vida dos andorranos aos finais do século XIX, começo do século XX.

Me interessou o caldo de galinha. Em algumas culturas, caldo de galinha era – talvez ainda seja –  tão tradicional quanto jogar arroz nos noivos. Prosperidade, fartura, vitalidade. Comida, sempre comida permeando os hábitos. O que o caldo de galinha significa – e tinha que ser galinha e não frango – é rigor, vigor, saúde, restauração. E tinha que ser galinha porque o único galo a cantar naquele terreiro a partir de então era o noivo…

Mas, nós, este povo da cozinha quentinha, idolatramos mesmo os caldos. Porque eles são básicos para dar sabor e saúde a algumas receitas. Mirem-se na sabedoria popular: não é por acaso que canja de galinha cura ressaca; que os convalescentes até peçam uma sopinha onde o calor do caldo é puro acalanto.

Veja que simples: volte para o fogo uma porção do caldo. Deixe dar uma reduzidinha, ferver um tanto. Salgue, jogue gotas de molho de pimenta e salsinha picadinha. Parece um abraço. Ah, como a gente precisa disto de vez em quando.

Caldo de carne, de peixe, de galinha/frango.

Não vivo sem eles. Há muito, mas muito tempo mesmo, só uso caldos feitos por mim, temperadinhos. Faço um tanto, congelo e… tenho sempre à mão o segredinho para tirar da manga uma sopinha de última hora, ou deixar irretocável o risoto de abóbora ou de alcachofra…

Outro dia, com o caldo de frango, fiz uma sopa de fubá com couve e ovo e surpreendi o paladar de meus meninos e minhas norinhas. Tão comum lá em Minas, tão rara por aqui.

Opa, não vamos nos desviar do foco. Vamos à receita do caldo de galinha. Esta da sopa de fubá eu conto depois.

RECEITA DE CALDO DE GALINHA/FRANGO

INGREDIENTES

1 frango inteiro, prefira o resfriado (quanto mais fresco, melhor)
4 litros de água
1 cabeça de alho
100 gramas de alho poró
100 gramas de salsão (imprescindível)
300 gramas de cebola
um bouquet garni
barbante de cozinha

MODO DE PREPARO

Você vai precisar de uma panela ou caldeirão fundo, onde o frango inteiro possa ser mergulhado. Retire os miúdos, limpe a ave com um papel toalha. Feche bem o frango, amarrando asas e patas com o barbante, para que ele não se desmanche no cozimento. Esta técnica é chamada “brider”. Na verdade é bem complicada e leva tempo para fazer direitinho. Então, não se preocupe com isto agora. Vamos, num primeiro momento, fechar o frango e  amarrá-lo pendurado na alça do caldeirão, de modo que fique simples para retirá-lo após o cozimento.

Cubra o frango com a água. Deixe entrar em ebulição e retire, com uma escumadeira, aquela primeira espuma que subir. Descarte.

Entre, agora, com o que vai dar um sabor característico ao caldo de frango: a guarnição aromática.

Use o alho, o alho poró, o salsão, a cebola e o bouquet garni.

Olha como fazer um chiquérrimo bouquet garnni fresquinho: peque um pedaço do caule verde do alho poró (ele parece uma barquinha) e coloque dentro uma folha de louro, ramos de tomilho e talos de salsinha (taí uma coisa que a gente não joga fora na cozinha, viu?). Amarre firme, com barbante, que nem um presentinho. Pronto. Vai dar sabor e perfume pro seu cozido.

O frango fica neste banho de aromas por 2 horas, cozinhando em fogo baixo. Depois disto, desligue o fogo e espere esfriar. Retire o frango. Reserve.

Coe o caldo. Separe em porções na quantidade preferida e congele. Um pote maior para um risoto, pote menor para usar numa sopa e até mesmo porções miúdas, em forminhas de gelo.

Perceberam que não vai sal neste caldo? É um caldo básico mesmo; o sal vai ser acrescentado na hora da futura preparação.

O frango, nosso principal ingrediente, está cozido – e bem cozido. Deve ser aproveitado em outras receitas: tortas, sopas, o que sua criatividade inventar.

Como vou sugerir bebida para o caldo de galinha? Fique abstêmio hoje, enquanto o caldo restaura suas forças. Se, com o caldo, fizer um risoto absurdamente bom, aí, tome um vinho tinto.

Agora, boa música… e tem que ser de conquista, de casório, de cuidados… Vamos de “Te faço um Cafuné”, do Dominguinhos, revisitada recentemente por Mariana Aydar. Escolha o intérprete.

Ah, claro… aos noivos, desejamos felicidades!

Foto: Jenny Hill on Unsplash

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Mouzar Benedito
Mouzar Benedito
6 anos atrás

Oi, Cássia… Peguei seu autógrafo no livro “O diabo na casa do terço”, faz umas duas horas, na Livraria da Vila. Logo nos primeiros textos fiquei com vontade de comentar que estou gostando muito, e você me matou uma curiosidade que havia esquecido há tempos: de vez em quando, o nome “Juca Bedão” me batia na memória e eu não me lembrava porquê. Aí li os causos sobre ele e me lembrei que meu avô, João Ourives, que morava em Bom Jesus da Penha, falava dele, acho que eram causos de assassinatos mesmo. Então, ele foi matar e morrer em Guaranésia…
Meus parabéns pelo lançamento. Fazia tempo que eu não via a Livraria da Vila tão cheia. Conversei um pouco com seu marido também. Como morador da região, tenho muitos “batrícios” na família. Sou “Silva”, mas tenho muitos parentes Saad, Nassar, Tame…
Ah… Parabéns pela excelente qualidade da publicação, seja pela delícia dos seus textos quanto pela diagramação, fotos, detalhes das anotações da venda.

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