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Palmas para que te quero

Perdi o dia do acontecimento. Ou teria sido o final de semana? Só pode ter sido num sábado ou domingo para conseguir reunir tantas mãos, mãozinhas, mãozonas. Tenho pra mim que as palmas gravadas no muro do prédio cuja lateral dá para a nossa pracinha Guanabara são das crianças, criancinhas, criançonas que devem frequentar o clube dos escoteiros, também ali na pracinha. Nem é um pracinha, assim tão pequenininha. É um tamanho bom. Os atletas, candidatos a atletas ou aqueles que simplesmente fazem uma caminhada para evitar a subida do famigerado colesterol vivem rodando ali na pista. Eu, de minha parte, prefiro caminhar com troca de cenário e ir até o centro a pé. Mas, algumas vezes, me aventuro a girar por ali. Só que acabo dando minhas escapadas pela tangente e “zupt”, saio pela lomba – como diz uma amiga gaúcha que me faz esquecer meu vocabulário padrão.

Rua com subida, morro… Me lembrei. É que lomba resume muito melhor tudo que está envolvido no significado do significante, falando um pouco difícil só para ninguém esquecer que esse é um texto afinal sobre arte. Tendo demonstrado o meu conteúdo e conhecimento, continuemos subindo, subindo, junto com a frequência cardíaca…  E, não cuida para ver. Ui, ai, a lombar. E para para tomar um ar. E se imagina num mar. E cai na real da ducha a gelar, ui, ai, quem para rimar? Lógico, a lombar. Não, a minha não tem doído. Não, não acho que esteja com fixação na lombar. É só poesia enche linguiça. E enguiça. E transita. E se explica. E se agita.

Na movimentação vai manchando o muro com a marca ancestral. Faz o que fazíamos nas cavernas. O nosso registro, a nossa patente, para deixar claro que, sim, fomos nós que acenamos. Alvejamos. Imploramos. Pedimos. Pegamos. Pagamos. E caro pelos nossos desejos supérfluos.

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Inseri toscamente as mãozinhas nas etiquetas da obra do artista ilustrador Renato Faccini porque ela está há anos em casa e me senti no direito. Desculpa pela intromissão Renato, mas é por um bom motivo. E é só essa. As próximas fotos são a sua pintura do jeito que ela veio da praça. Foi lá na Praça Tiradentes que vocês, 24 ilustradores, ficaram em roda, formando um relógio. Iam chegando a cada uma hora. Era isso? E iam pintando as portas que foram leiloadas para reverter o dinheiro às instituições de caridade. Lembra Renato? Foi muito bom ver o tempo passar assim… Vocês, a gente, lá na Virada Cultural de Curitiba, a Virada, aquela que não existe mais porque economizar em cultura é palavra de ordem nessa administração.

Passou a raiva de mim por ter colocado as mãozinhas na sua overdose de etiquetas penduradas na sua mulher que cresce verde a partir de profundas raízes, mas não consegue se livrar do peso consumista? Cardíaco, coronário. As suas bolas vermelha e branca me remetem aos chacras de energia que em vão tentamos fazer girar no sentido certo. Em vão? Não, não pode ser que a continuidade disso seja o bloqueio, a paralisação do fluxo que faz corpo, coração, mente, a terra girarem, caminharem. Consumidos, assoberbados, abarrotados, engolidos por plástico, embalagens lindas e coloridas, papel a granel. Tudo coberto pelo véu opaco e sem graça da mais valia.

Tenho medo que as mãozinhas cresçam e corram para agarrar mais e mais etiquetas.

Que prefiram as lojas da moda do que tocar com os dedos texturas mais naturais. Outras digitais que crescem no mundo fazendo fotossíntese, fazendo respirar. Adoro a celulose com raiz, sem cortes. A estamos perdendo, loosers. Sempre de celu na mão. Lar?  Só se for no falar, falar, falar, ainda que seja no modo mensagem escrita. Falar em silêncio. Comunicação cada vez mais… Mais… Muda. Mas, tá bom, não vou ficar aqui só criticando a modernidade tecnológica que privilegia conexões virtuais para não ter que sentir os ais. E aí? E daí? É por aí?

Me dá folhas – só as que caíram e não foram derrabadas – para escrever. Para acompanhar uma garapa que adoce esse silêncio em modo avião. Ou me dá um voo para fugir daqui. Na impossibilidade, vai o caldo de cana mesmo – como é chamado aqui na nossa Curitiba – que faz a Dona Silvana e o seu José lucrarem menos porque sul é sul. Tem dia frio, sem sol, até no verão. Mas, eles não desistem. Estão há onze anos na Praça Guanabara. Mas, só se desabalam lá da Vila Verde, na CIC, quando o dia promete. Começaram no caldo por falta de emprego. “A coisa ainda tá feia lá na Vila”, reclama Dona Silvana. Muita gente desempregada, sem dinheiro para consumir o básico, já pondo o dedo na ferida. O básico. E quem tem um pouco mais quer consumir o que vê na novela ou quer copiar o patrão.

Como fica, diante disso, o meu discurso para dizer não ao consumismo? Como privar de experimentar quem agora pode? Ou o buraco é mais embaixo? Os valores é que estão deturpados? O nível de consumo irresponsável de quem tem muito, a forma de comprar, as exigências, as prioridades ditam regras. Com dedo (com a mão inteira) de mau exemplo midiático. Desse jeito,  quem não vai querer correr atrás do último modelo, seja do carro, do celular, da geladeira, da televisão fabricados para serem atualizados e trocados rapidinho, virando montanha de lixão, uma lomba a ser escalada por quem procura a sobrevivência no resto.

Palmas. Muito bem! Quero fugir mesmo. Será que adianta? Pernas para que te quero. Salto sobre qualquer mero dejeto. Mais afeto. Que as mãos se encontrem na ciranda sem muros para não solidificar a solidão e plasmar menos sofreguidão. Sem direção. Não.

 

Fotos: acervo pessoal

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