Um dia comemos milho e peixe

Um dia comemos milho e peixe

Dessa vez o post não é escrito poético. Depois de conversar com a artista Maria Buenaventura Valencia fiquei sem vontade de fazer meu escrito. Parecia que tudo que eu dissesse a artista já teria dito melhor. Acho que é por isso que prefiro  deixar o escrito nascer sem, necessariamente, saber muito, muito, sobre o trabalho. Bem, como a proposta, em geral, não é fazer jornalismo, acho que estou desculpada. Perde-se de um lado, ganha-se de outro. É a vida…

Mas, continuando. Dessa vez, acabamos conversando porque me propus a traduzir o vídeo da exposição: Um dia comemos milho e peixe. As irmãs Julia (crítica e historiadora de arte) e Maria, lá em Bogotá, e eu, em Curitiba, formamos um grupo e elas revisaram a minha tradução.

Como o papo estava bom, acabei perguntando e perguntando. Esse jornalismo, viu. Só que daí pensei… Não queria publicar isso seco no Arte na Roda. Queria fazer uma arte qualquer já que o escrito não ia sair. Fiquei querendo uma foto com o tijolo marcado pela pata de um cachorro. A Maria não achou… Ela contou que não foi fácil fazer o vídeo. Veio a quarentena e fecharam com o que deu. Não deu tempo de por todas as fotos que queriam…

Um dia comemos milho e peixe

Como ela fala de estrelas, tomei a liberdade de encher o post com elas porque a minha vontade é de ver um céu bem estrelado desses que é difícil de encontrar na cidade… Ah! E também estou com vontade de experimentar a comida da Maria, lógico. Ou porque você acha que ela fez essa obra tão intimamente ligada à história e cultura alimentar dos povos originários do seu país?

Você tem que assistir o vídeo sobre a exposição para compreender melhor a entrevista.

Como você encontrou os tijolos-adobe que foram transformados em mesas?
É uma longa história.

Estou morrendo de vontade de saber. Hahaha (A Maria tinha me dito que estava morrendo de vontade de ver o post. Por isso a risada) Minha primeira ideia era fazer uma mesa de terra, toda com terra. Mas, naquele lugar escuro e úmido, não teria dado certo. Não secaria nunca. Então pensei em, eu mesma, fazer os tijolos de terra crua e secá-los. Fui com um amigo, para Ubaté, que é um lugar muito bonito na savana de Bogotá onde compramos queijo. A avó do meu amigo ia nos ensinar a fazer os adobes. Mas então meu amigo notou as casas caídas dos seus vizinhos.

Os vizinhos costumam pegar os tijolos daquelas casas caídas e constroem novas casas com eles. Então, nos demos conta que os adobes já estavam feitos, com toda a sua história e os traços da história da savana. Resolvemos tirá-los, com o tio do meu amigo e mais uns mestres no assunto e os trouxemos em um caminhão.

Um dia comemos milho e peixe

E o taxista das estrelas?
O taxista nem me lembro do seu rosto. Apenas aquelas palavras… Nunca mais nos vimos. Ele continuou falando sobre outras coisas, ele estava em seu mundo. Essa frase ficou comigo. Mas eu sabia que não compartilharíamos mais outras coisas. Existem outros motoristas de táxi que convidei para as exposições, com quem converso. Mas, com a maioria deles brigo de olho no taxímetro. Hahahahaha.

Ainda se come muito peixe capitão?
Agora você mal pode comer peixe capitão O peixe vive no rio Bogotá até a cidade de Suesca, mas mal sobrevive, com muito metal pesado em seus músculos (mercúrio e outros poluentes cancerígenos). Então veio a recomendação para não pescá-lo.

Eu comi duas vezes, pescado de outras lagoas, onde não há tantos poluentes, mas esses que estão em outras lagoas, você só pode comer um pouco e ocasionalmente, porque há que se cuidar da população. Todos aqueles que vivem perto de Bogotá, na lagoa de Fúquene ou em áreas úmidas são muito afetados pela contaminação. Bem, é um peixe que vive na lama e come outros animais, por isso recebe toda a contaminação.

Como você fez os mapas das espigas nos pratos? Para mim parecem estar num céu de grãos.
Pegava a espiga, tirava fotos para manter a ordem em mente. Pegava grão por grão, para colocá-los na mesma ordem. Coloquei uma bola de cera de abelha embaixo de cada um  e uma agulha de acupuntura, grudada na base. E assim a espiga foi reconstruída de acordo com sua ordem. Eu separei os grãos de trás ou da frente. Nós trabalhamos em cinco pessoas. Todos artistas, com mãos muito finas ou precisas.

Usar acupuntura. Uma vontade de cura. Não delas, especificamente, mas desse milho transgênico que nós comemos. Por que você escolheu as espigas incompletas?
Incompletas existem apenas cerca de quatro. Mas a pessoa que fez o vídeo   colocou somente essas como exemplo… hahaha. A regra era: colocar todos os grãos. Os feios, os danificados, bonitos ou não… Deixar os espaços se houvesse grãos ausentes.

Fala um pouco sobre a mudança genética para deixar o milho dentro do padrão exigido pelas máquinas agrícolas…
O cultivador de milho com quem trabalho, se chama Fabriciano Ortiz, guardião de sementes. Ele me disse que hoje apenas duas pessoas semeiam em sua vila. Antes toda a vila plantava. Hoje apenas sua família e um vizinho. A semeadura não é mais um negócio para agricultores com sementes nativas. Eles não podem vender seus produtos, porque não podem competir com os preços do milho importado dos Estados Unidos, que é modificado e também possui um subsídio, ou seja, possui preços baixos ficticiamente.

Regras do agropop
Eles não podem ser semeados com uma máquina. Um engenheiro de uma multinacional me explicou que a máquina exige que todos os grãos tenham o mesmo tamanho e formato, caso contrário, da problema na máquina. Então, o mercado também exige uniformidade. As sementes geneticamente modificadas atendem aos padrões de uniformidade, garantindo que o grão sempre atinja mesma forma, tanto para o plantio quanto para o mercado. Eles são plantados tendo as máquinas em mente, basicamente. Além da questão da resistência a venenos.

Essa uniformidade é, totalmente, o oposto à vida, à evolução, à natureza. O que garante vida é diversidade. Mas a diversidade custa. Porque você precisa de pessoas, não de máquinas. Portanto, nosso sistema econômico é inútil. Precisamos sim,  é “salvar pessoas”, basicamente.

No final de tudo, criei a proposta de apresentação para divulgação da exposição no Brasil (se um dia chegar aqui). O material, foi baseado no planejamento estratégico da equipe de marketing… hahaha. Risada para deixar claro que é ironia. Porque, sei lá, né? E o medo que alguém acredite?

Ia terminar o post, mas houve um desdobramento. No meio tempo em que aguardava a Laura Imery (que fez o vídeo) me dizer se já tinham subido as legendas, recebo um vídeo sobre a morte de um indígena. Mais um vítima desse genocídio. Quem me enviou foi o Angelo Esmanhotto – com quem faço o Livro de Esboço no meu outro blog com pegada mais musical, o PARA DE GRITAR ISSO SEU IRRESPONSÁVEL. O link que eu resgatei é de uma entrevista que ele deu para o programa GENTE.COM (aliás, foi na época em que eu era editora-chefe do programa, apresentado pela Mira Graçano).

Pois bem. Recebi o vídeo sobre o indígena

assassinato e escrevi um post indignado no PARA DE GRITAR ISSO SEU IRRESPONSÁVEL. E, claro, aproveitei para divulgar nomes de músicos indígenas brasileiros. Como eu tinha feito novos contatos na Colômbia, resolvi perguntar se o pessoal conhecia músicos indígenas. Aí surgiu mais um post com as dicas de lá. Ah! Não falei que os posts têm dicas de duas rádios indígenas.

Um escrito poético no meu outro blog (sim, tem mais um), o CAIXA CAIXOTE CAIXÃO, veio como consequência. Falamos aqui sobre a milenar cultura alimentar indígena, escrevi sobre o genocídio, apresentei dicas de músicas. Queria falar de arte visual feita por indígenas. Nasceu Tartarugamente, inspirado em obras de três artistas junto com um videozinho que tinha feito numa viagem para São Paulo.

Boa leitura nesse abril, maio, junho, julho… Dos indígenas.
Lá no grupo de dicas culturais do face estou publicando diariamente um post para divulgar artistas indígenas.

*Com o coronavírus, a exposição Alguna vez comimos maiz y pescado, que estava em cartaz na Galeria Santa Fé, em Bogotá, na Colômbia, está fechada e ainda sem data definida para seu término.

Fotos desse post: site Premio Luis Caballero

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Karen Monteiro

Com arte, tá tudo bem. Se as exposições, peças de teatro, shows, filmes, livros servirem de gancho para falar de questões sociais e ambientais, tanto melhor. Jornalista, tradutora, cronista e assessora de imprensa, já colaborou com reportagens para grandes jornais, revistas e TVs.