
Economia solidária, negócios sociais, negócios com impactos social e ambiental positivos, novas formas de fazer a roda girar. Comprar direto dos pequenos produtores, valorizar a agricultura familiar, dar suporte a negócios que incluem as comunidades amazônicas.
Tudo isso é um pouco da energia que me motiva nessa vida, e quem me lê aqui, no Conexão Planeta, sabe bem disso.
Vou aproveitar este texto da semana pra compartilhar que estou vendo, dia após dia, tudo isso se ampliar consideravelmente em meio à pandemia. Antes que você me chame de Polyana (aquela menina que vê um mundo muito bonito e positivo além da conta), te digo que tenho percebido, mesmo, uma ampliação desse movimento. E torço para que essa ampliação tenha vindo para ficar.
Quem pode comprar de pequenos produtores familiares, por meio de cestas ou sistemas delivery, está fazendo isso agora. E tendo boas surpresas. Além de se alimentar de modo mais saudável, ajuda as comunidades produtoras a se manterem economicamente sustentáveis.
Consumo semanalmente uma cesta de produtos orgânicos cultivados por agricultores familiares do extremo sul do município de São Paulo. Acompanho muitas outras iniciativas, e elas se multiplicam. Esta semana mesmo descobri o Pertim, coletivo que arrecada fundos para comprar alimentos de quem produz e entregar a quem não tem. Trazendo ‘o longe pra bem pertinho’, como eles dizem. E, assim, ajudam as duas pontas.
O Pertim vende e divulga nesse momento as cestas Robin Hood e, a partir das vendas dessas cestas, doam outras para comunidades em situação de vulnerabilidade na Brasilândia, zona norte de São Paulo, região com ocorrência massiva de COVID-19.
E muitas outras iniciativas vemos por aí, como chefs e restaurantes se mobilizando para produzir e distribuir marmitas solidárias – como a Solidariedade Vegan, divulgada aqui, no site -, comunidades promovendo financiamentos coletivos para cuidar das quebradas – como a campanha [sp] Auri Verde, que busca apoiar famílias no Grajaú, extremo sul da capital paulista. E ações como as da Fundação Banco do Brasil, que comprou a produção de pequenos produtores do cinturão verde de São Paulo, que estava sem compradores – cerca de uma tonelada – para distribuir a famílias carentes em Mogi das Cruzes.
Máscaras caseiras em rede
A produção de máscaras caseiras tem mobilizado costureiras e empreendimentos solidários pelo Brasil. Em São Paulo, a Rede Design Possível mobiliza grupos produtivos localizados nas periferias da cidade, gerando renda para as mulheres e ampliando o número de máscaras disponíveis para a população.
Comprei recentemente máscaras para uso pessoal de uma empreendedora do Bazar Clara Luz, que a cada máscara comprada doa outra para organizações da sociedade civil. Você pode levar para doar a alguma ONG que conheça ou solicitar que ela mesma faça isso.
Neste blog, divulguei a campanha Costurando Solidariedade, que visava arrecadar recursos para um fundo de emergência para ajudar uma rede de empreendedoras sociais que trabalham com costura a passarem pelo período de quarentena. A campanha bateu a meta de R$ 15 mil e continua recebendo doações.
Em Belo Horizonte, a iniciativa Um Milhão de Máscaras uniu profissionais da moda e da costura, empresas e outros parceiros na produção de máscaras a serem doados para hospitais e entidades filantrópicas na região metropolitana.
A Prefeitura de Maceió (Alagoas), criou o Projeto Minha Máscara, mapeando artesãos e costureiras da economia solidária, que estão produzindo máscaras em acordo com as orientações do Ministério da Saúde, para facilitar o acesso da população a essa proteção e, também, para dar visibilidade aos empreendedores.
Pelo país, se multiplicam casos como esses.
Amazônia
Já escrevi, aqui também, sobre duas campanhas de financiamento coletivo promovidas por negócios sociais amazônicos – a Taberna da Amazônia e a Tucum. E, hoje, trago mais uma, com a qual me envolvi bastante, de modo voluntário, também promovida por um negócio conhecido – a Da Tribu, que produz moda sustentável e que respeita os saberes da floresta. E, ao mesmo tempo, promove a sociobiodiversidade a partir das parcerias com famílias de comunidades ribeirinhas que vivem nos arredores insulares de Belém.
Quando a gente pensa em acessórios em meio a tudo o que está acontecendo, parece algo fora do esquadro. Só que não. A produção de acessórios da Da Tribu gera renda para famílias da ilha de Cotijuba, na Amazônia paraense. As vendas, nem precisaria dizer, despencaram. E a forma encontrada para garantir sustentabilidade econômica para a comunidade foi um financiamento coletivo com recompensas lindas, a campanha Tu pontes, nós ponteios.
Como este caso, os outros exemplos que já divulguei, são importantes por isso. Na verdade, sua compra está mobilizando recursos que movimentam uma cadeia que preserva a floresta e valoriza o saber de suas comunidades.
Me parece cada vez maior o envolvimento de pessoas nessa roda.
Repensar o consumo, as escolhas e ter acesso, para facilitar essas escolhas, a toda a história por trás dos produtos. Entender a cadeia que eles mobilizam e como o dinheiro pode ser uma potência para mudar mundos. Incentivar causas, projetos, ações, pessoas. Propósito é a palavra. E coletivo também.
Como disse Eduardo Galeano, este mundo em que vivemos está grávido de outro. Na barriga desse mundo infame existe um outro esperando. É um mundo diferente e de parto complicado, mas que está visivelmente latente em toda essa movimentação que se expande neste momento da pandemia do coronavírus.
Foto: Guillaume Bourdages/Unsplash
“Este mundo está grávido de outro” é a definição mais exata desta pandemia. Realmente está. E, quem não for Polyana nessa hora, dança, porque o bicho pega se a gente não domesticá-lo, he, he. Se “existe algo estranho no ar”, como já disse alguém, cala-te boca, é isso: a gente reconhecendo que precisa menos do que achava que precisava porque descobrindo que não vale tanto quanto achava que merecia. Inocentes, hoje vivenciamos o cárcere dos réus, porque “livres”, antes da pandemia, nos julgávamos vítimas, apesar de algozes, muitas vezes. O medo nos tem ensinado a ter coragem e o luto na casa alheia nos evidencia a fragilidade do próprio teto. Valores verdadeiros estão sendo misturados com os de mentira para que seja extraída a fórmula de viver que crianças conhecem à beça, mas adultos esqueceram, isto é, sem desperdício, no desapego da essência apenas. Sem espaço para correr lá fora, somos impelidos a caminhar para dentro, em ruas solitárias do nosso próprio bairro esquecido, onde podemos dispensar as máscaras, para ser exatamente como somos. Todo poder fictício que achávamos possuir, a morte tem ensinado que era transitório, sempre que testemunhamos pessoas “poderosas” serem levados por ela, sem ao menos o celular, contra a vontade e à contra gosto. A gente achava que o supérfluo era imprescindível, na voracidade de acumular pessoas e coisas. Hoje estamos sendo compelidos a filtrar o excedente para valorizar o importante, limpando a ganga da pedra para que ela se torne preciosa. Alguns já perceberam sutilmente, lições valiosas nesse confinamento, que lugares para onde iam e companhias que desfrutavam, na verdade, não precisavam tanto assim, nem deles, nem delas. Observamos o tempo escoando devagar, porque antes não tínhamos tempo para nada, nem para o grande amor da nossa vida, para o cão fiel, paciente, à nossa espera ou para o vovô que não deu tempo de esperar tanto pelo nosso carinho, por isso foi embora para sempre. Nem para rezar, tínhamos tempo, apressados demais para ouvir Deus no silêncio absoluto e sagrado Dele, azar o nosso. Hoje, a prudência nos corrige os arroubos excepcionais de quem sonha voar mas não tem asas e intenta mergulhar em águas profundas mas só encontra lágrimas. Hoje começamos a entender que não basta pedir para alcançar a felicidade, indispensável é o mérito para possuí-la. Começamos a valorizar o aperto de mão, já que não podemos aperta-la em outra mão sem o medo de “passar” ou “contrair”. Sonhamos carregar nosso filho pequeno nos braços, porque ele não compreende nossa recusa e rejeição, em favor da saúde dele. Antes da pandemia estávamos correndo tanto, tanto, que não enxergávamos nenhuma flor na paisagem, nem mesmo a paisagem a gente via, cegos demais. Se existe algo bom nesse caos da pandemia é isso: ENFIM SÓS.