As escritas mentais, gravadas na aparente estabilidade… Olha: é bom ter cuidado com elas. Camuflam o que não se tem coragem de dizer ou passar para o papel. Ficam borbulhando, escondidas na cabeça à espera de uma válvula que as deixe escapar para o palpável e visível. Qual a vantagem de brotar nessa realidade que nos prende à mesma imagem e nos mantém no mesmo formato? No fim, tudo se confunde.
Sumir na prateleira de refrigerante do supermercado ou vestir a pele de uma árvore e se transformar em natureza são só dois lados da mesma moeda. Ser verde para sempre, pode ser garantia de respirar ar puro e acordar devagar com o barulho dos pássaros. Isso se der para fugir do machado. Triste constatação. Saber-se mais um corpo de refrigerante, desejoso de açúcar, gás e corante não é menos triste.
Por outro lado, quem sabe se com essa garantia de invisibilidade não consigamos fugir para um rio e nesse rastro encontrar a possibilidade de um banho que nos dispa do colorido do consumo e nos vista com outra incolor correnteza.
O chinês Liu Bolin, conhecido como o Homem Invisível em suas performances, faz a cabeça pensar em tudo isso. Ele é de uma geração de artistas que luta contra as consequências da Revolução Cultural e do rápido desenvolvimento econômico nas décadas que se seguiram. Em locais e situações difíceis, Bolin escolhe desaparecer, se abster, como tantos de nós.
Quem sabe não consigamos encarar um Banquete das Diferenças, coreografado pelo Grupo G2 Cia. de Dança. Ali, só entra fantasiado do que nos assola. Entre máscaras sufocantes de lacres de latinhas, a tentativa de equilíbrio sobre copos é um caminho armado que se destaca e se descarta. E se dirige aos lixões. Tão simples: um passo, um copo. Lixo. Outro passo, outro copo. Lixo. Quantos por dia no trabalho? Que preguiça de levar a própria xícara, não*?
Na mesa, melhor algo menos prejudicial à saúde, acompanhado de pessoas que tenham vivas e latentes na cabeça as preocupações urgentes. Que, em vez da cara da riqueza (que expressão sem graça), tenham a cara da natureza. Que reciclem conteúdo e objetos. E ouçam as notas de instrumentos que precisam sair às ruas disfarçados para conseguir chamar atenção e dar outro ritmo e voz à cidade.
Gente que se ponha no lugar de sapos, macacos e camaleões. No mundo das “selfies”, desapareça, só para variar. Que vire outra coisa. E veja a arte do italiano Johannes Stötter não apenas como algo belo e bem feito. Afinal, o que resta após o desmanchar da forma é a caminhada para o que achamos ser evolução. Ou coisificação. Esse encolher-se ao patamar do valor material. O não vestir a pele do outro, a impossibilidade de colocar-se no lugar da carne alheia, habitada por um racional ou irracional. Essa é uma estrada para a qual é bom dar as costas e bem rápido. E não a passos de formiga.
*Se você mora em Curitiba, como eu, pode juntar os lacres de latas e entregar para o Movimento de Ação Voluntária que transforma esse lixo em cadeira de rodas para ajudar no caminho de quem precisa desse passo. O pessoal do movimento vai buscar os lacres na sua casa. É só ligar para eles (41) 9711 2793. Tem WhatsApp e tudo. Se você morar em prédio, avisa os vizinhos para reunir tudo de uma vez. Mas, não precisa consumir mais refrigerante com a desculpa de estar ajudando. Ah, e se você vive em outras cidades brasileiras, procure instituições que façam este trabalho também!
Fotos 1 e 2: Liu Bolin/ Fotos 3 e 4: Grupo de Dança G2/Foto 5: Festival de Genebra/Vídeo: Johannes Stötter