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Cacauaré: quatro mulheres estruturam a cadeia do cacau de várzea em Mocajuba, no Pará

O cacau selvagem nativo de várzea na Amazônia paraense, mais especificamente de Mocajuba, na região do Baixo Tocantins, é o ingrediente que move a Cacauaré, empresa familiar que produz, além de chocolates de sabor único, nibs, doces, geleias, xaropes e outros produtos do cacau, resgatando a produção tradicional da região.

À frente do negócio estão quatro mulheres, mãe e filhas, que incentivam uma abordagem coletiva envolvendo produtores da região, em sua maioria também mulheres.

Unindo a força da tradição dos saberes ribeirinhos com a inovação da produção de amêndoas de cacau voltada ao mercado de chocolates finos, o ritual inclui desde o manejo do fruto ao produto final. Colheita, fermentação, secagem e armazenamento são processos realizados no local.

A professora Nilce Maia, conhecida como Preta Maia, iniciou em 2021 o projeto. Ela e as filhas Noanny, Naianny e Neilanny, a partir do falecimento do pai pela covid-19, e com a ajuda do chocolatier e estudioso da cultura do cacau na Amazônia, Cesar De Mendes (sobre o qual já escrevi aqui, no Conexão Planeta), desenvolveram e incrementaram a produção e hoje promovem impacto social positivo na região.

Preta Maia beneficiando amêndoas de cacau / Foto: Cacauaré/divulgação

Colhidas e processadas na ilha do Tauaré, rica na oferta de cacau de várzea e em outras espécies amazônicas, as amêndoas do cacau exalam ricos aromas e sabores. O produto, além de saboroso, orgânico e saudável, contribui para manter a floresta em pé.

Noanny destaca a importância do trabalho coletivo para os produtores de cacau da região.

“A mesma dificuldade que a gente enfrenta, de às vezes não ter para quem vender toda a produção de cacau, os produtores todos enfrentam. Começamos como uma marca de cacau, mas logo precisamos incluir outros produtos além da castanha para dar vazão à produção. Desenvolvemos produtos próprios, transformamos o cacau em geleia, doce, cachaça, brigadeiro, nibs, enfim. Fomos entendendo outros mercados em que tínhamos possiblidade de atuar para além do cacau para produção de chocolate fino”, diz Noanny.

Assim, a cadeia do cacau na região vai se estruturando por meio de um coletivo de produtores. “Se eu não tenho um produto, mas outra pessoa tem, eu indico essa pessoa como fornecedora. Resolvemos trabalhar com comunidade, no formato coletivo, articulando uma rede. Porque assim a gente consegue ampliar o impacto”.

Além disso, a turma está em processo de promover e dinamizar expedições na região, de modo a valorizar a cultura ribeirinha e cacaueira. E em breve abrirá um café com uma loja colaborativa de produtores de várzea, bem nos moldes de um armazém de beira de rio.  

Unindo inovação e tradição

A cacauicultura é histórica em Mocajuba, desde a época colonial, passada de geração a geração.

César De Mendes conta que Mocajuba foi um dos primeiros marcos da exportação do cacau para a Europa, ainda no século XVIII.

A família Maia tem tradição no contato e cultivo do cacau. É Naianny quem se lembra do doce da avó, do perfume do cacau pela casa:

“Quando a gente decidiu avançar em outros produtos além da amêndoa de cacau, eu tinha memória de doces e de geleias feitos pela minha avó, coisas que a gente não encontrava com facilidade, que só os antigos sabiam fazer. Eram receitas de família, de vovó mesmo”, lembra.

“Começamos então a resgatar essa cultura dos doces de cacau feitos na região. Antigamente, os homens tiravam e secavam a amêndoa de cacau para vender, e o que sobrava ia para as mulheres fazerem doces, xaropes e geleias. Resgatamos isso e começamos a introduzir os doces originais ali da região tocantina nos eventos de que participamos. Esses doces acionam as memórias afetivas das pessoas”, destaca Naianny.

Foto: Cacauaré/divulgação

Afetiva é também a origem do nome Cacauaré, que era como elas chamavam uma bebida que misturava cacau e cachaça, sorvida na companhia do pai.

No processo de valorização da tradição do cacau de várzea nativo da região, as irmãs se depararam ainda com uma descoberta da pesquisadora Luciana Ferreira Centeno, chocolatier e professora do curso de gastronomia da Unama – Universidade do Amazonas. Em meio a pesquisas para elaborar um livro sobre cacau de origem no Pará, a pesquisadora encontrou registro de dados sobre as primeiras vendas de cacau no estado, e o avô de Naianny e das irmãs está entre os pioneiros.

O resgate e a valorização da cultura cacaueira de várzea na região de Mocajuba estão impulsionando também um movimento de estudar esse cacau e essas tradições.

“Além da Unama, outras universidades estão fazendo levantamentos sobre esse cacau de várzea, porque não havia nenhum estudo científico sobre ele. Estamos vendo artigos publicados, e nossa área é referência para estudos. Isso vai promover uma valorização ainda maior desse cacau”, analisa Naianny.

“A gente via nossos avós agricultores, nossa mãe ribeirinha, e vivíamos até 2020 como classe média regular no Brasil. Nunca pensávamos em uma teoria da mudança, em modelo de impacto que isso poderia gerar, ainda que gostássemos de viver esses propósitos e valores. Não imaginávamos que fossemos vestir a camisa e avançar nesse sentido”, conta Noanny.

Hoje, percebendo a Cacauaré como um negócio de impacto positivo, ela diz que o perfil empreendedor é natural para o grupo familiar e que, ao se deparar com a riqueza da cultura do cacau de várzea nativo, uma cadeia promissora em desenvolvimento, e com a possibilidades de gerar recursos, vendo a dificuldade dos produtores de escoar o cacau e inspirada pela beleza de Mocajuba, não pensou duas vezes:

“Temos que plantar, agitar. Temos um resgate que precisa ser feito, de coisas e saberes que estão se perdendo”.
___________

Edição: Mônica Nunes

Fotos: Cacauaré/divulgação

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