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Um orelhão de elefante

orelhão de elefante

E hoje na hora do almoço tinha fila no orelhão. Não, este não é um texto do século passado, lá de 1980, 90. Nessa minha fase saudosista, uma fila no orelhão a duas quadras de casa é pedido para um post urgente. O outro, o aparelho que ficava a uma quadra daqui, foi retirado, roubado, afanado…  Metal, sei lá qual, fio de sei lá que elemento químico, devem ter sido atração de sobra para quem precisa fazer um dinheirinho a fim de suprir necessidades básicas ou um prazer rápido.

O orelhão era praticamente meu porque só vi eu mesma usando nos últimos meses – só liguei uma vez no período -, mas costumo passar sempre ali para tomar o meu ônibus amarelo. Aquele que só passa a cada meia hora. E, viu… É tudo meu: orelhão, ônibus… Meu e de quem mais pagar imposto. É nosso. É nosso. Bem… Eu ia dizendo. Sobrou o orelhão em si, com a marca da companhia que comprou a empresa telefônica pública há algumas décadas.

O orelhão é grande. Eu acho. É daqueles do tamanho da orelha de amigo que sabe quando o outro precisa ser ouvido. Orelhão de elefante pesado que não voa porque não quero aqui ficar me lembrando de desenho cujo conteúdo já deu.

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Prefiro falar dos bramidos dos elefantes que “representam os sons mais frequentemente produzidos por esses animais. Esses sons, de baixíssima frequência, foram denominados de bramidos estomacais, pois se acreditava que eles eram originados no trato digestivo! Esses sons atraíram muito interesse e foram pesquisados, principalmente, por dois motivos. Primeiro, porque seus componentes mais baixos se situam a uma ou duas oitavas abaixo do limite da audição humana. E, em segundo lugar, como esses sons percorrem distâncias maiores do que sons de frequências mais elevadas, os elefantes usam os mais poderosos desses chamados para se comunicarem a longas distâncias”. Esse parágrafo foi retirado da A Comunicação Acústica dos Elefantes, do Santuário de Elefantes Brasil, que resgata elefantes cativos. Vale a pena ler na íntegra. Outro trecho do texto:

“Estudos recentes mostraram que os bramidos dos elefantes também são transmitidos através do solo, ou sismicamente. Se algum dia descobrirmos que os elefantes não podem ouvir sons tão baixos quanto 5Hz, então poderemos concluir que eles os recebem com a ajuda de seus sensíveis pés”.

O que ouvirão eles dos terremotos, maremotos, roncos de motos… Aquelas com escapamentos abertos ou, quem sabe, das brigas de desafetos, ou dos seus próprios fetos. Mistérios sérios ou meros leros como esse que ouvi hoje na fila do meu outro orelhão. O que não levaram. Combinamos, nós que utilizamos o orelhão – ainda que, de vez em quando, de lutarmos pela manutenção e revitalização deles no nosso bairro.

Uma das garotas estava usando para não gastar os créditos do celular com ligação pra fixo. Muito justo porque eta ligação cara! Eu, de minha parte, precisei ligar porque não tenho fixo em casa, como você já deve ter deduzido, e, claro, meu celular sumiu – não sei até agora se está na bolsa da minha mãe, caído no carro do meu companheiro de trabalho frila ou perdido aqui em casa mesmo.

O fato é que gostei de ficar na fila do orelhão. Como o fixo da minha mãe não atendia, presumi que o meu orelhão não estivesse funcionando e liguei para o próximo fixo da lista que a minha memória ainda guarda. Conversei com a comadre, expliquei a situação, perguntei da família e disse que precisava desligar porque tinha fila no orelhão. Ela riu, não vou dizer com tom incrédulo, porque de mim ela espera qualquer coisa. Só me disse: está se sentindo em casa, né?  Ela que, tantas vezes é um orelhão, depósito de confissões. Ou eu que tantas vezes também viro orelhão confidente. Somos todos ouvidos.

Ou como diz a artista catarinense Maria Raquel da Silva Stolf em sua obra tão linda: SOU TODA OUVIDOS.

Conheci Raquel numa palestra uns cinco anos atrás (?). Ela me deu aquele monte de papeizinhos mais finos que sulfite, com uma transparência que só a audição tem. Eles vieram escritos com essas coisas que você vai ler aí nas imagens.

Guardei esses papeis durante anos. Tentei deixar em lugares que aparecessem. Cada hora num canto. Em cima da mesa, do aparador, do braço do sofá, da escrivaninha… Só que os papeizinhos foram sumindo. Achei bom, achei ruim, achei normal, fiquei com raiva. Mas, a obra estava cumprindo sua função.

E agora Raquel, chegou a hora de me desapegar totalmente. Tinha o último deles até uma semana atrás. Confesso que já nem me lembro qual. Todos fizeram tão parte do meu cotidiano que acho que eram todos. Fiz uma arrumação e faxina geral aqui em casa. Amigos, mãe, irmão… Todos me ajudaram. E nesse entra e sai, nessa confusão de limpar, jogar, renovar, ver o que falta, o que sobra, o último SOU TODA OUVIDOS se perdeu. Ou deve, quem sabe – minha vã esperança -,  estar no último monte de papelada (pequeno) que ainda falta arrumar.

Mas, não criemos muita expectativa. Vamos ficar com o adeus, com o eco do que só os elefantes ouvem, do que está na entrelinha da frequência, com o que a gente prefere ou deixa de ouvir.  É bom não querer ouvir certas coisas com meus ouvidos todos espalhados pelo corpo. É bom pele e poros já entenderem outra língua, já ouvirem outros tons. Áudios, cheiros, texturas e imagens vão se misturando na sensação de ter vãos mais espaçosos para me descobrir e descobrir o outro. E essa sensação vou querendo, assim, que permaneça, com ou sem sumiço dos papeizinhos.

Foto: domínio público/pixabay

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