Seis meses. 180 dias. Este é o tempo que as 15 girafas “importadas” da África do Sul pelo Bioparque do Rio de Janeiro já estão no Brasil (eram 18, mas três morreram durante uma fuga), vivendo em baias de metal, chamados tecnicamente de “recintos”. São três girafas dividindo um espaço de 31 metros quadrados, quando pela normativa do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) seriam necessários 600m2 para dois animais, além de enriquecimento ambiental, como vegetação abrigo.
As girafas (Giraffa Camelopardalis) são os mamíferos terrestres mais altos da Terra. Os machos podem ter até 5 metros de altura e pesar mais de 1 tonelada. Em seu habitat natural, na África, passa mais de doze horas por dia pastando, de preferência ao anoitecer ou ao amanhecer. Mas desde novembro, 15 desses animais estão confinados nesses recintos do Resort Safari Portobello, em Mangaratiba, no sul do estado.
Em janeiro, quando o caso ganhou repercussão nacional, a justiça determinou que as girafas sobreviventes fossem transferidas para baias maiores em até 48 horas. Na época, a juíza Neusa Regina Larsen de Alvarenga Leite, da 7ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro, mandou o Bioparque construir recintos apropriados, conforme as normas do Ibama, e que essas obras ficassem prontas em 30 dias, sob pena de aplicação de multa diária no valor de R$ 5 mil se a ordem não fosse cumprida.
Segundo o Bioparque, as girafas estão “muito bem” e passando por um processo de “aclimatação” que não tem prazo definido para acabar. Na verdade, aclimatação significa domesticação para que esses animais de vida selvagem possam a partir de agora viver em zoológicos.
Ainda segundo o Grupo Cataratas, que não é proprietário somente do Bioparque Rio, mas administra também o Parque das Cataratas, em Foz do Iguaçu, o Centro de Visitantes Paineiras, aos pés do Cristo Redentor, o AquaRio, o Marco das Três Fronteiras e toda a área de visitação pública do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, as girafas teriam sido adquiridas com o objetivo de desenvolver um “programa para o manejo ex-situ da espécie no Brasil”. O termo ex-situ é usado para projetos realizados fora do habitat original.
Protestos em Mangaratiba e nas redes sociais
Na quarta-feira (11/05), o jornalista da Rede Globo André Trigueiro teve o acesso permitido para chegar próximo aos recintos das girafas em Mangaratiba, pois até então, o Bioparque estava negando o acesso aos animais, alegando que a medida era uma “determinação dos órgãos competentes e que todo e qualquer acesso aos animais está restrito à equipe técnica responsável e aos órgãos de fiscalização, sendo vedado qualquer tipo de visitação” – no mês passado, o Conexão Planeta pediu ao Bioparque cópia do documento com tal determinação e quem seriam exatamente os “órgãos competentes” citados, mas não teve resposta.
Trigueiro não chegou perto dos animais, mas constatou que eles continuam fechados nos recintos, apesar do Bioparque afirmar que ele saem para um banho de sol, duas vezes por dia, numa área restrita.
Imagens mostram animais dentro das baias, comendo em recipientes plásticos
Na entrada do Resort Safari Portobello, manifestantes protestaram também contra a situação das girafas e pediram para ver os animais, mas não obtiveram sucesso. Entre os presentes ali para protestar estava a atriz Paula Burlamaqui, que é uma ativista pelo direito dos animais.
Nas redes sociais, várias celebridades e figuras públicas têm protestado também contra o descaso da justiça e a inação do Ibama. Os artistas Mateus Solano, Maitê Proença e a ativista Luisa Mell compartilharam vídeos indignados com seus seguidores.
Além disso, foi criado um perfil no Instagram que luta pela liberdade das girafas: o @liberdade_para_as_girafas.
Empurra-empurra na justiça
No final de março, a juíza Neusa Regina Leite emitiu um parecer afirmando que o caso deveria ser transferido para a esfera do Ministério Público de Mangaratiba e não mais fosse analisado no Rio de Janeiro, já que o Resort Safari Portobello está localizado lá.
Todavia, o MP de Mangaratiba recusou a transferência. Com isso, nesse momento não há juiz designado para analisar o processo.
Esta semana, o Ministério Público Federal pediu que o Instituto Nacional do Meio Ambiente (Inea) faça uma nova vistoria no local. O órgão já esteve seis vezes lá e diz que tudo correndo conforme o esperado.
Leia também:
Após 5 meses da chegada ao Brasil, girafas continuam confinadas e Bioparque omite informações e nega acesso a animais
Necropsia aponta que as três girafas do Bioparque morreram por miopatia, causada por estresse extremo
Ministério Público Federal recomenda devolução imediata de girafas importadas pelo Bioparque à África do Sul e à vida livre
Documentos de importação revelam que girafas trazidas pelo Bioparque foram retiradas da vida selvagem e adquiridas de empresa na África que comercializa animais
Fotos: reprodução vídeo Rede Globo