Após 5 meses da chegada ao Brasil, girafas continuam confinadas e Bioparque omite informações e nega acesso a animais

Após 5 meses da chegada ao Brasil, girafas continuam confinadas e Bioparque omite informações e nega acesso a animais

No dia 11 de novembro do ano passado, 18 girafas importadas da África do Sul desembarcaram no Brasil. Os animais foram comprados pelo Bioparque do Rio de Janeiro, um dos empreendimentos turísticos do Grupo Cataratas. Após a chegada, elas foram levadas para recintos no Resort Safari Portobello, em Mangaratiba, no sul do estado, onde deveriam passar pelo período de quarentena.

A “compra” das girafas não teria sido conhecida por outras pessoas caso três delas não tivessem morrido e a notícia tenha sido publicada pela mídia. O caso repercutiu nacionalmente e foram denunciadas possíveis falhas no processo de importação dos animais. A morte deles se deu no dia 14 de dezembro, quando seis deles fugiram do espaço onde estavam tomando sol, quebrando cercas da propriedade. Durante a noite, foram recapturados, mas três acabaram falecendo (leia mais aqui).

necropsia revelou que a causa dos óbitos foi miopatia, provocada por estresse extremo. O laudo indicou ainda a presença de edemas e enfisemas pulmonares. Dois dos três animais apresentavam hematomas no peitoral e um deles tinha um coágulo na base do pescoço.

Diante da tragédia, Polícia Federal, Ministério Público Federal (MPF), Instituto Nacional do Meio Ambiente (Inea) e Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) se envolveram no caso.

O Bioparque lamentou o ocorrido, mas afirmou que a importação das girafas foi legal, faria parte de um “projeto de conservação ex-situ” e que elas teriam vindo de uma “reserva autorizada para manejo sustentável e desenvolvimento comunitário com essas espécies na África do Sul”, embora nos formulários de importação divulgados pelo Ibama apareça a letra “W”, de wild, selvagem, em inglês (o código, criado por convenção internacional, significa que o animal em questão vivia na natureza).

As 15 girafas sobreviventes permaneceram nos recintos do Resort Safari Portobello, onde segundo o Bioparque, estão passando por um processo de adaptação, realizado em quatro estágios técnicos:

1) Adaptação e quarentena no cambiamento
2) Acesso ao 1º estágio da área externa
3) Conforme a adaptação, recinto de manejo
4) Acesso à área do recinto de 44 mil m²

Entretanto, no último dia 11 de abril, completaram 5 meses da chegada das girafas ao Brasil. CINCO MESES! E até agora, os animais continuam no mesmo lugar.

Falta de transparência

Desde janeiro, o Conexão Planeta está em contato com a assessoria de imprensa do Bioparque. Ao longo desse tempo, fez vários questionamentos que nunca foram respondidos. A empresa não responde perguntas específicas, apenas divulga “notas de esclarecimento”. No dia 1o de março, enviamos, por mensagem, uma solicitação sobre a situação das girafas. Não houve retorno.

Esta semana, novamente, procuramos a assessoria de comunicação, e após insistirmos, alegando que iríamos informar em reportagem que o Bioparque se negava a dar informações, conseguimos um contato.

Indagamos sobre a duração do processo de adaptação das girafas. Se o primeiro estágio já completa 5 meses, há previsão de início da segunda fase? Os técnicos sabem estimar se este processo total durará mais de um ano? Qual seria o estágio que durará mais tempo?

Não houve resposta para tais questionamentos. O Bioparque se limita a informar que “Os animais estão bem, evoluindo positivamente a cada dia com o manejo, que inclui o condicionamento e enriquecimento ambiental, com vistas ao plano de transferência do cambiamento/solário para os recintos, até ocupar toda área de 44 mil m²”.

Após 5 meses da chegada ao Brasil, girafas continuam confinadas e Bioparque omite informações e nega acesso a animais

O espaço onde as girafas estão sendo mantidas
(Foto: reprodução reportagem Jornal Nacional)

Acesso aos animais está proibido

De acordo com organizações de proteção animal que também estão acompanhando o caso e antes conseguiram ver os animais em Mangaratiba, agora o acesso a eles está proibido. O Bioparque alega que isso foi uma “determinação dos órgãos competentes e que todo e qualquer acesso aos animais está restrito à equipe técnica responsável e aos órgãos de fiscalização, sendo vedado qualquer tipo de visitação”.

O Conexão Planeta pediu ao Bioparque cópia do documento com tal determinação e quem seriam exatamente os “órgãos competentes” citados, mas não teve resposta.

Procuramos então o Inea, que se limitou a dizer que “não é de [nossa] responsabilidade a gestão do Bioparque e sim do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)”. Enviamos e-mail à assessoria do Ibama e até agora não obtivemos retorno.

Girafas no recinto em Mangaratiba
(Foto: reprodução petição Ampara Silvestre)

MP quer passar o caso para Mangaratiba

No final de janeiro, a justiça determinou que as girafas sobreviventes fossem transferidas para baias maiores em até 48 horas. Na época, a juíza Neusa Regina Larsen de Alvarenga Leite, da 7ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro, estabeleceu que o Bioparque construísse recintos apropriados, conforme normas do Ibama – para duas girafas são necessários 600m2, além de enriquecimento ambiental, como vegetação abrigo -, e que essas obras ficassem prontas em 30 dias, sob pena de aplicação de multa diária no valor de R$ 5 mil se a ordem não fosse cumprida.

Em seu parecer, ela ressaltou ainda: “Trata-se de vida, cujo ser não pediu para ser tirado de seu habitat para ser colocado em condições inapropriadas e degradantes”.

Mas pelo que se sabe, a ordem da juíza Neusa Regina Leite nunca foi cumprida.

Além disso, um documento compartilhado pela Ampara Silvestre com o Conexão Planeta revela que a mesma magistrada emitiu um novo parecer, no final de março, afirmando que o caso deveria ser transferido para a esfera do Ministério Público de Mangaratiba e não mais fosse analisado no Rio de Janeiro, já que o Resort Safari Portobello está localizado lá.

“Passaram-se mais de 5 meses e continuamos sem respostas ou soluções para o caso das girafas retiradas da savana africana para uma vida em cativeiro no Brasil. Até o momento, não há provas ou testemunhos destes animais livres ou readaptados em recintos adequados – o que nos leva a crer que nada foi feito após enorme mobilização e denúncias. Fica evidente a falta de preparo e a inexistência de locais apropriados para que esses animais (sobre)vivam com o mínimo de bem-estar – lembrando que estamos falando da maior operação de importação de megafauna para o Brasil”, denunciou a Ampara Silvestre em suas redes sociais.

Documento mostra que juíza quer que o caso siga para a comarca de Mangaratiba

Foto de abertura: Andy Holmes on Unsplash

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.