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Proposta para incentivar comércio internacional de araras brasileiras em risco de extinção será discutida na Suíça

Proposta para incentivar comércio internacional de araras brasileiras em risco de extinção será discutida em reunião na Suíça

A ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) e arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) são duas espécies de araras endêmicas do Brasil, ou seja, que só existem em nosso país e em nenhum outro lugar do mundo. A primeira foi levada à extinção na natureza por causa do tráfico de aves silvestres e da segunda existem atualmente apenas pouco mais de 2 mil indivíduos em vida livre, nas regiões do Raso da Catarina e do Boqueirão da Onça, na Caatinga baiana.

Apesar do programa em andamento de reintrodução da ararinha-azul e do nascimento dos primeiros filhotes no Refúgio de Vida Silvestre, em Curaçá, a espécie ainda continua considerada extinta na vida selvagem. Já a arara-azul-de-lear está na categoria “em perigo de extinção”, segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Todavia, para surpresa e susto de muitas organizações e especialistas envolvidos no trabalho de proteção dessas espécies, uma proposta para incentivar o comércio internacional das duas espécies está na pauta da próxima reunião da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Silvestres Ameaçadas de Extinção (CITES), que acontecerá em Genebra, na Suíça, entre os dias 6 e 10 de novembro.

A descoberta sobre a discussão da proposta veio à tona através de uma denúncia feita pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), que teve acesso ao documento da CITES, do qual o Brasil é um dos signatários.

A recomendação para o estímulo à comercialização das araras brasileiras, como “forma de financiar o trabalho de conservação”, se deu após uma visita de representantes da CITES à sede da Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP), na Alemanha. O criadouro particular alemão é parceiro do governo brasileiro no programa de reprodução em cativeiro da ararinha-azul e é quem construiu e financia a manutenção do refúgio de Curaçá (leia mais aqui).

Na documento da CITES, é mencionado, inclusive, a comercialização já realizada pela ACTP de 26 ararinhas-azuis e quatro araras-azuis-de-lear, pertencentes ao plantel da Alemanha, com um zoológico da Índia, que ainda está em construção.

Todavia, para a CITES, os “significativos valores” envolvidos na transação, que não foram divulgados, não configurariam “comércio”, já que serão aplicados em projetos de conservação.

“É inacreditável que um país como o Brasil seja tão irresponsável com as suas espécies ameaçadas a ponto de abrir mão da sua soberania ao entregar, para uma organização estrangeira altamente suspeita e liderada por uma pessoa com um conhecido passado criminoso a gestão sobre a recuperação de espécies extremamente ameaçadas, como a ararinha-azul e a arara-azul-de-lear”, diz Dener Giovanini, coordenador geral da Renctas.

Giovanini se refere às denúncias feitas em 2018 pelo jornal britânico The Guardian, que levantou uma série de fatos sobre Martin Guth, proprietário da ACTP. De acordo com a reportagem, o alemão, preso durante cinco anos por crimes de extorsão e sequestro, poderia ter envolvimento com o tráfico ilegal de aves.

“Todos as araras que existem atualmente no exterior são fruto de roubos do passado. São animais que pertenciam à União, ao Brasil”, lembra o coordenador da Renctas.

Ele questiona ainda a recomendação da CITES de que as aves que poderiam ser vendidas são aquelas mais velhas, não apropriadas para a reprodução ou “excedentes”.

“Quem é que vai definir quais são as araras excedentes”, pergunta.

Filhote de ararinha-azul nascido no refúgio em Curaçá, construído e mantido com dinheiro da ACTP
(Foto: divulgação ICMBio / ACTP)

Ação no Ministério Público Federal para barrar proposta

Para tentar impedir que a proposta seja analisada ou aprovada na CITES, a Renctas enviou um documento para os membros da entidade e da Comissão Europeia, alertando sobre a questão, e também entrou com uma representação no Ministério Público Federal pedindo que o órgão intervenha junto aos Ministérios do Meio Ambiente e das Relações Exteriores, “para que as autoridades brasileiras que irão participar do encontro em Genebra, assumam o compromisso de rechaçar a proposta de comercialização das espécies
ameaçadas do Brasil”.

O Conexão Planeta entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério do Meio Ambiente. Perguntamos sobre a posição do governo brasileiro em relação à transferência das ararinhas-azuis para a Índia e também sobre a proposta a ser discutida na CITES. Em nota, o MMA afirmou que o Ibama e ICMBio não foram consultados sobre o envio das araras brasileiras ao zoológico da Índia e que esses órgãos são completamente contra a comercialização das espécies (leia mais aqui).

Proposta para incentivar comércio internacional de araras brasileiras em risco de extinção será discutida em reunião na Suíça

Trecho do documento que menciona que tipos de aves deveriam ser comercializadas
(Fonte: Renctas)

Entidades e especialistas se opõem à comercialização das araras

Para aqueles que defendem a proposta de comercializar algumas espécies de animais, além da alegação de poder obter recursos para projetos de conservação – como no caso das araras em questão -, existe a crença de que a venda legal deles poderia combater o tráfico ilegal.

Entretanto, para organizações que trabalham nessa área, isso não aconteceria.

“A ararinha-azul foi extinta na natureza não apenas por perda e degradação de habitat, mas pela demanda de criadores comerciais e hobbistas, zoológicos, “pessoas de bem”, dentre outros. A falha em diferenciar claramente transações com algum caráter comercial de trocas de animais entre instituições que de fato visam à conservação das espécies, e a falha em garantir a rastreabilidade e legalidade dos animais acaba levando ao comércio de espécies altamente ameaçadas e à “legitimização” de filhotes cujos parentais são fruto de tráfico, ou seja, foram roubados da natureza”, diz a bióloga Juliana Machado Ferreira, diretora executiva da Freeland Brasil. “Não há desculpa do ponto de vista da conservação para permitir essa porta escancarada para o tráfico de animais que pode, mais uma vez, levar esta e outras espécies à extinção”.

Em outro documento ao qual o Conexão Planeta teve acesso hoje, integrantes e instituições participantes do Programa de Manejo Integrado da arara-azul-de-lear repudiam a proposta de comercialização das araras brasileiras e pedem uma reunião urgente com representantes do governo.

Eles mencionam ainda os casos de apreensão de aves da espécie em julho, encontradas no Suriname, e posteriormente roubadas novamente pelo tráfico antes de serem repatriadas para o Brasil, e ainda, outras levadas para Bangladesh.

Segue abaixo alguns trechos do texto:

“O Criadouro Fazenda Cachoeira (Criadouro Científico para Fins de Conservação), o Programa de Resgate da Arara-azul-de-lear e a Loro Vet Consultoria Veterinária, todas Instituições que atuam há anos na conservação de espécies da avifauna (incluindo a arara-azul-de-lear), se posicionam contrários a qualquer tipo de possibilidade ou projeto de comercialização da arara-azul-de-lear, bem como da ararinha-azul...

Solicita-se à competente Coordenadora do CEMAVE Priscilla Prudente do Amaral uma reunião extraordinária, nos próximos dias, do grupo do Programa de Manejo Integrado da Arara-azul-de-lear, para a elaboração de um documento assinado pelos participantes, para reforçar o compromisso de sermos contrários à comercialização, independentemente de qual seja a sua finalidade, da espécie sendo esse enviado à CITES e como força também aos órgãos ambientais brasileiros, que acredita-se também serem contrários à comercialização dessa espécie.

O Programa de Manejo Integrado da Arara-azul-de-lear é um programa de referência, pelos resultados e objetivos atingidos, transparência e eficiência, bom relacionamento e relevância na conservação da espécie, além de sua excelente coordenação e gestão. Novamente, é hora de confirmar todos os objetivos de conservação e dedicação à espécie...

Além disso, solicita-se as seguintes informações: se os órgãos ambientais brasileiros foram informados sobre a transferência de exemplares das espécies de araras-azuis para a Índia em 2023? Qual o posicionamento dos órgãos ambientais responsáveis sobre esses fatos noticiados?

Assinam em conjunto esse e-mail e posicionamento contra a possibilidade de comercialização da arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) e da ararinha-azul (Cyanopsitta spixii).

MARCUS VINÍCIUS ROMERO MARQUES
Pós-Doutorado, Doutor e Mestre em Ciência Animal, Médico Veterinário
Loro Vet Consultoria Veterinária
Diretor Científico do Criadouro Científico para Fins de Conservação Fazenda Cachoeira
Programa de Resgate da Arara-azul-de-lear
Professor UCs Saúde Única; Profissão e Sociedade; Meio Ambiente e Medicina de Animais Silvestres; Agravos e Imunidade em Saúde Animal – UNA Linha Verde

MARIA CRISTINA CIOGLIA DIAS GONTIJO
Proprietária do Criadouro Científico para Fins de Conservação Fazenda Cachoeira

PLINIO FERREIRA MANTOVANI
Mestre em Ciência Animal, Médico Veterinário
SÍNTESE Serviços Veterinários
Coordenador do Programa de Resgate da Arara-azul-de-lear
Coordenador e Professor e da Pós-Graduação em Cirurgia de Pets Não Convencionais da FAMESP
Pesquisador associado ao Zoo Praha e Wuppertal Zoo

ROGERIO VENÂNCIO DONATTI
Mestre em Ciência Animal, Médico Veterinário
Loro Vet Consultoria Veterinária
Responsável Técnico do Criadouro Científico para Fins de Conservação Fazenda Cachoeira
Programa de Resgate da Arara-azul-de-lear
Professor UCs Meio Ambiente e Medicina de Animais Silvestres; Práticas Veterinárias – Medicina e Meio Ambiente; Profissão e Sociedade – UNA Linha Verde – UNA Contagem – UniBH

*Texto atualizado em 31/10/23 para incluir a fala da bióloga Juliana Ferreira, diretora da Freeland Brasil e em 03/11 com a posição do Ministério do Meio Ambiente sobre o assunto

Foto de abertura: João Quental, CC BY 2.0 via Wikimedia Commons

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Gerson
Gerson
5 meses atrás

Tem mesmo que parar com esse TRAFICO de animais, isso e um absurdo !

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