Não tenho vontade de escrever sobre borboletas. Prefiriria vê-las, quem dera, no concreto de cimento da cidade sem árvores e sem flores. Mal tenho ânimo para falar da beleza e colorido, dos voos sutis, da leveza interminável, da metáfora impalpável. Só queria mesmo vê-las.
Não essas de papel… Milhares presas ao teto da abadia da histórica cidade de Bath, na Inglaterra. Não as quatro mil de cerâmica presas ao chão no pátio do Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. Não é que não sejam dignas de apreciação. Não é que não carreguem arte e amor. Ou dor e crítica. Não é isso.
Simplesmente, queria ver as asas batendo soltas, contra um céu qualquer, a sabor de um vento ao léu. Queria vida, queria respiração. Células. Genes migrando para lá e para cá, a procura de refúgio. Na luta por casa, numa vontade de conhecer outros ares. Uma imigração compulsória. Uma ida fugida. Uma guerra que amedronta. A falta de opção que expulsa.
Percebe? As borboletas na abadia de Bath simulam voo para levantar todas essas questões. A instalação Imigração, de Anthony Head, essa escultura em grande escala de papel colorido, que mede dez metros e está suspensa a oito metros, é construída com borboletas diferentes. Cada uma com um código genético digital próprio, influenciado por mutações aleatórias.
O chegar e o mudar. E o mudar-se. E o viver em outro ambiente. E o submeter-se às regras locais. E a inserção. E as novas possibilidades. E a impossibilidades. “Não, não vão entender…”
E a fome do gosto que só se acha no país de origem. E a origem. E a raiz arrancada. E o fio esticado. E o cordão arrebentado. E o ninho ingrato vazio.
E a tentativa de se plantar em outro lugar. De cavar referência em outro solo.
De procurar rastros de voo, marcas aladas impregnadas no sutil volátil. Quem aterrissou no jardim do Museu Oscar Niemeyer (MON), na exposição Panapaná (Borboleta em guarani), na capital paranaense, para ver a revoada de borboletas, ficou se perguntando: mas é cerâmica mesmo?
Cerâmica que interpreta o papel do metal e do concreto. O peso das construções que arranham o céu e se esquecem de cuidar da terra que já não consegue mais filtrar inundação.
E aí coar água suja no bordado e renda trabalhados de sol a sol.
Procuro borboleta que empreste máscara para sobreviver no mundo de hipocrisia e desinteresse social.
Para sobreviver no mundo engravatado da elite.
Aquela elite que nunca sentiu na carne o que é encarnar história de opressão.
Asas cortadas durante o voo incerto.
Procuro borboleta que tenha ouvidos para receios e insatisfações.
Que voe nas asas da humanidade em união…
Para que o coração não se parta. Para que cada partida carregue na mala uma boa chegada.
Fotos: Instalação Imigração – divulgação Anthony Head e exposição Panapaná (artistas pela ordem das imagens: Gladimir Nascimento, Cristina Odebrecht, Nancy Akimoto, Miguel Sargenti, Elisa e Camila Maruyama, Giovana Casagrande, Amélia Born, Désiree Sessegolo, Yumi Murakami, Deise Elano Voidelo)