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Para quem é “à toa”

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Esse vai para quem mora na rua. Para quem faz que não se incomoda de ser xingado de “à toa”, vagabundo, preguiçoso. Para quem cansou de ser trabalhador ativo e ciente do papel na sociedade que valoriza quem trabalha, mas não oferece trabalho digno e remuneração justa.

Vai pra quem foi expulso de casa. Para quem não consegue resistir à ilusão da droga. Para quem não entra em acordo com a família. Para quem cansou. E encontrou liberdade sem teto. Essa liberdade fugidia, momentânea e travessa. Que aparenta eternidade, mas tropeça na realidade.

Sei que nunca é igual a história de cada um de vocês que acabou por escolher dormir na rua. Nunca é tão simples. Decisões que desembocam na calçada das praças e ruas falam de dor e sofrimento. Também acho que não é justo comparar realidades de forma superficial. Muito fácil julgar, sem saber. Empacotar tudo e concluir baseado nas próprias verdades.

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Quando assisti à apresentação da banda Ilumiara, aqui em Curitiba, fiquei pensando nas incongruências que envolvem o trabalhar.  O grupo está rodando o Brasil com o projeto Sonora Brasil – Cantos de Trabalho. Alexandre Gloor, Carlinhos Ferreira, Leandro César, Letícia Bertelli e Marcela Bertelli, cinco músicos da cidade de Belo Horizonte, fizeram a pesquisa das músicas utilizadas nas atividades laborais.

O repertório é formado por músicas recolhidas da tradição como o “Gavião”, que, conforme fiquei sabendo durante a contextualização dos cantos, feita pelo pessoal do Ilumiara, é cantada pelos trabalhadores do café. Diz a letra: “peneirou Gavião, peneirou…” O gavião que peneira  é o gavião que  abre as asas no dito popular. O trabalhador que peneira  é o trabalhador que separa o grão. Os dois vêm se encontrar nesse mergulho poético e duro, que é o ofício de viver.

O Ilumiara também trouxe cantos entoados por trabalhadores negros na extração de metais, em Diamantina, cantigas de ninar, canto de lavadeiras. É uma força reunida nesses cantos de trabalho… Dão ritmo, ânimo, vontade.  Tem união. Tão imbricados que fica difícil saber quem dá ritmo a quem, quem surgiu antes…

Quando vejo a beleza dessas canções e desses ofícios não posso dizer que se apaziguam em mim a raiva e a tristeza de saber o quanto é injusta a divisão do trabalho, das horas, dos ganhos. Posso dizer, sim, que me faz ter vontade de lutar pelo resgate do ofício que trabalha a terra segundo padrões menos hegemônicos e totalitários.  Mais valorização da agricultura familiar e menos agronegócio e monocultura.

Mais ofício libertador e menos trabalho opressor e mal remunerado…. Isso para que, pelo menos, haja argumento para tirar os moradores de rua que não se adéquam ao que o sistema econômico impõe.

Aos desajustados do planeta, tem gente oferecendo arte, em vez de crítica e imposição. No mês passado, 105 câmeras fotográficas foram entregues a pessoas desabrigadas ou que lutam para resolver o problema da falta de moradia, em Londres.

O resultado foram 5.000 fotos. Vinte foram selecionadas para uma exposição e treze vão fazer parte de um calendário de 2017 com o nome de “My London”. É a quarta vez que a Café Arte toma essa iniciativa. No ano passado, 6.000 calendários foram vendidos.

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A foto da capa é de Saffron Saidi. “Eu não acreditei que tinha encontrado outro Banksy!”, animou-se Saidi ao encontrar essa obra do famoso grafiteiro. Ela pediu a um homem que trabalhava em um bar perto do muro para segurar a coleira do seu cão. Saidi diz que atividades de arte e de saúde mental são sua tábua de salvação.

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A luz batendo nessa escultura chamou a atenção de Alana Del Valle. “Gostei também do ônibus porque é um ícone de Londres. E a Catedral Saint Paul.” Quando era criança, Alana e sua mãe fugiram da violência doméstica. Ela tem vivido na rua durante toda sua vida, mas agora resolveu alugar um apartamento: “a fotografia me ajudou a olhar para o meu ambiente de casa de forma diferente”.

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A sem teto Beatrice (que preferiu não dar seu sobrenome) ganhou um prêmio com essa foto. “Era um dia muito quente. Gostei do azul do céu e do branco da parede. Olhei em volta e vi o regador vermelho. Perfeito, mas ainda faltava alguma coisa. Aí levantei a mão e o gesto produziu uma sombra forte na parede.”

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Laz Ozerden tirou essa foto perto das estações de Highbury e Islington. “Para mim, essa foto quer dizer: eu não sou nada e eu sou tudo”. Ozerden veio da Hungria para Londres, em 2004. Por causa do alcoolismo, foi hospitalizado por seis meses, em 2012. Agora está deixando essa história para trás graças a um serviço de recuperação e refúgio para sem-tetos. Ele está estudando para se tornar um assistente social.

Sentir-se útil e valorizado pode fazer milagres. Mas, difícil para quem vive nessa berlinda de tristeza e escanteio é ter que aceitar ofertas que fazem parte de um processo de utilitarismo que abusa, enfraquece, desumaniza e só colabora com essa roda viva.  Roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda peão… É peão, só resta cantar para aliviar essa lida.

Com informações da reportagem da Deutsche Welle.

Fotos: divulgação Café Arte

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