Morreu, neste sábado, 8 de julho, mais uma das 18 girafas importadas da África do Sul (tiradas da vida selvagem) pelo Bioparque do Rio de Janeiro em novembro de 2021.
A notícia foi divulgada pelo zoológico, que revelou que, durante exames de rotina os veterinários que as acompanham identificaram a presença de uma bactéria (parasita Haemoncus sp) em seis animais, mas um deles resistiu ao medicamento e veio a óbito.
A Polícia Federal se dirigiu ao Resort Safari Portobello, em Mangaratiba, no Rio de Janeiro, onde vivem as girafas desde que chegaram ao Brasil, para acompanhar a perícia do animal.
Leia, a seguir, a íntegra do comunicado sobre a morte da girafa divulgado em suas redes sociais, como o Instagram, pelo Bioparque:
“É com pesar que o BioParque do Rio comunica o falecimento de uma das girafas que faz parte do seu plantel, na manhã deste sábado, 8 de julho.
Os animais passam regularmente por exames de medicina preventiva, realizados por um corpo técnico formado por biólogos e médicos veterinários.
Durante os exames de rotina, a equipe identificou o parasita Haemoncus sp em seis animais. O comitê técnico, formado por seis médicos veterinários, imediatamente iniciou protocolo medicamentoso, colocando os animais em recinto isolado e sob observação intensiva.
Cinco animais responderam rapidamente ao tratamento. Todavia, um deles apresentou resistência ao medicamento.
Durante a última semana a equipe técnica iniciou outros protocolos de tratamentos. No entanto, infelizmente, houve deterioração súbita do estado clínico do animal ao longo desta madrugada, levando-o a óbito.
A causa da morte será confirmada após a necropsia do corpo, que será realizada com o acompanhamento dos órgãos competentes”.
Uma sequência de crimes
Esta é a quarta girafa que morre no local onde elas permanecem desde novembro de 2021 para iniciar a ‘quarentena’. Esse é o procedimento normal adotado com animais selvagens para que se tenha certeza de que estão bem de saúde e não oferecem risco de contaminação de doenças zoonóticas para outros bichos.
Certamente a intenção também era ‘domá-las’, para que se adaptassem às novas condições (de cativeiro) e pudessem viver no Bioparque.
Quase um mês depois de sua chegada ao resort, em 14 de dezembro, numa tentativa dos veterinários de tirá-las do galpão fechado e levá-las para tomar sol, seis fugiram, quebrando cercas da propriedade. Todas foram capturadas, mas três morreram em seguida.
Sem revelar o motivo das mortes, o zoológico declarou que não havia maus tratos no tratamento das girafas e que elas estavam “em processo de adaptação, em um ambiente preparado para suas necessidades e licenciado pelos órgãos competentes, garantindo o bem-estar animal”.
Em janeiro de 2022, a Polícia Federal abriu investigação para apurar importação e morte das girafas. Em 14/1, o ambientalista Márcio Augelli denunciou ao Ibama, que os animais estavam confinados em galpão de pequenas baias de 40 metros, com três girafas em cada, e que, testemunhas com acesso ao local (que não quiseram se identificar) alegaram que “os animais viviam em ambiente insalubre, com fezes e urina espalhados pelo chão, sem luz do sol e sem local para circularem, o que caracterizaria maus-tratos”.
E, atendendo a uma Ação Civil das organizações Ampara Silvestre, Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal e ANDA – Agência de Notícias de Direitos Animais, a juíza Neusa Regina Larsen de Alvarenga Leite, da 7ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro, determinou que as 15 girafas fossem transferidas para baias maiores e com condições melhores das oferecidas até então.
Em fevereiro de 2022, o Ministério Público Federal foi além e recomendou devolução imediatas das girafas à África do Sul e à vida livre.
Logo em seguida, foram divulgados os resultados da necrópsia realizada pelos veterinários do BioParque e do Portobello Safari. O laudo foi entregue ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea) dando conta de que elas morreram por miopatia causada por estresse extremo, após sofrerem edemas e enfisemas pulmonares; duas delas apresentavam hematomas no peito e uma tinha um coágulo na base do pescoço.
Nos meses subsequentes, as girafas continuavam habitando os mesmos recintos e o Bioparque negava informações e acesso como a entrada dos integrantes da Comissão de Defesa e Proteção do Meio Ambiente da Assembleia do RJ.
Além disso, laudo da Polícia Federal apontou diversas irregularidades no manejo das girafas e fez alerta sobre o bem-estar dos animais.
Em agosto, o órgão divulgou relatório no qual declarou que a importação das girafas pelo Bioparque é “o maior caso de tráfico de animais silvestres da história do Brasil”.
No mesmo mês, a Justiça Federal anulou a importação das girafas trazidas da África do Sul pelo Bioparque do Rio, o que impede que o zoológico venda, exponha ou tome qualquer decisão sobre o futuro das girafas.
Em novembro de 2022, a Delegacia de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico da Polícia Federal (PF) anunciou que concluiu a investigação sobre o caso da importação de girafas e quatro pessoas foram indiciadas por crimes de maus-tratos e falhas no processo de importação das girafas pelo zoológico.
A denúncia foi aceita pela Justiça, em março. E, no mesmo mês, funcionários do Ibama e do Inea também foram denunciados por elaborar documentos falsos de importação e adequação do cativeiro.
Condenadas ao cativeiro e à morte
Hoje, segundo o Inea, que tem acompanhado todas as intervenções do caso, as girafas vivem em recintos maiores – de 650 m2 a 990 m2 –, separadas em cinco espaços, divididas em grupos de três, com acesso livre a uma área externa (foto abaixo), na qual encontram água e comida.
Sempre que questionado, o Bioparque do Rio declara que cuida bem dos animais, segue protocolos de segurança e procedimentos que garantem seu bem-estar. E ainda nega que tenham sido tirados da natureza: “Documentos oficiais emitidos pelo governo da África do Sul atestam que os animais viviam em fazenda de manejo sustentável, aprovada pelos órgãos oficiais do país”, contou à Folha.
E qual será a solução possível para este caso, já que devolvê-las à sua origem parece impossível? Levá-las para um ou mais santuários no Brasil? O Ibama, órgão responsável por fiscalizar as girafas, diz que está avaliando uma solução para as 14 que resistem.
Em conversa com a ambientalista Isabelle de Loys – bastante engajada no caso das girafas -, no Instagram, Márcio Augelli declarou que, de acordo com veterinário especializado em animais silvestres, que viu as girafas (e que não quer se identificar), elas vivem muito próximas de bois e outros animais de produção, que também estão no Resort Safari Portobello, o que inviabilizaria sua transferência para santuários.
Talvez devido a essa convivência ou aproximação, as girafas tenham sido contaminadas com o parasita Haemoncus sp, comum em ovinos e caprinos. E será que foram apenas seis, as contaminadas?
Segundo Augelli, há dois zoológicos interessados nas girafas – elas certamente foram trazidas para comércio, porque o Bioparque do Rio nunca tem condições de abrigar 18 girafas -, mas, como um deles recebeu um macho recentemente, seria preciso verificar se as girafas abrigadas no resort são da mesma espécie.
Ou seja, por irresponsabilidade e ganância, certamente as 15 girafas restantes estão condenadas a morrer ou a viver confinadas em zoológicos.
Foto (destaque): Polícia Federal