Relatório da Polícia Federal diz que importação das girafas pelo Bioparque é “maior caso de tráfico de animais silvestres da história do Brasil”

Relatório da Polícia Federal diz que importação das girafas pelo Bioparque é "maior caso de tráfico de animais silvestres da história do Brasil"

Nos últimos dias tornou-se público um relatório incluído no inquérito de investigação pela Polícia Federal – Delegacia de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico – sobre a importação de 18 girafas da África do Sul pelo Bioparque do Rio de Janeiro. O caso ganhou repercussão nacional após a morte de três delas durante uma fuga. E desde novembro, os 15 animais sobreviventes estão em recintos no Portobello Resort & Safari, em Mangaratiba, no litoral do estado, onde passam por um processo de “aclimatação”.

Segundo o relatório da PF, com data de 30 de junho, ao qual o Conexão Planeta também teve acesso, e é assinado pelo agente Fábio Eller de Oliveira, a análise de todos os dados obtidos ao longo dos últimos meses aponta que este é “maior caso de tráfico de animais silvestres da história do Brasil, onde o maior bem jurídico tutelado é a vida e o bem-estar animal, que foi e continua sendo violado, pois os animais arrancados de sua vida livre na natureza africana continuam aprisionados”.

Nas 5,4 mil páginas do documento são expostas informações que revelam diversas irregularidades, falta de transparência e incongruências tanto no processo de importação como no de manejo das girafas após a chegada ao Brasil (um laudo anterior da Polícia Federal já denunciava inúmeros problemas nos cuidados com os animais e alertava sobre bem-estar dos mesmos).

Um dos pontos levantados nesse novo relatório, por exemplo, é uso da logomarca de uma organização internacional, a Giraffe Conservation Foundation num documento anexado pelo Bioparque sobre o suposto programa de conservação. A fundação é citada como uma eventual parceira, todavia à PF, a instituição afirmou que “a informação é falsa e inexistente”.

“Não temos nenhuma ligação ou qualquer tipo de parceria com o Bioparque do Rio. Tampouco endossamos sua tentativa de levar girafas para o zoológico. Fomos contatados por alguém que representa o zoológico em outubro de 2019 e novamente em setembro de 2020 com a oferta de fornecer apoio financeiro para nosso trabalho de conservação de girafas na África. Nada veio dessas breves comunicações por e-mail e não recebemos nenhum financiamento do zoológico nem concordamos com qualquer forma de parceria”, disse por e-mail, Stephanie Fennessy, diretora da Giraffe Conservation Foundation.

No final de maio, no Brasil, diversas ONGs também repudiaram o uso de suas marcas no referido documento do Bioparque.

Comércio de animais dentro do Brasil

Ainda segundo a investigação feita pela Polícia Federal, a intenção inicial do Bioparque não era a importação apenas das 18 girafas, mas outros animais. Havia um pedido para a aquisição adicional de 15 zebras e 24 impalas, e obviamente não haveria espaço para que fossem acomodados todos no zoológico do Rio de Janeiro. Suspeita-se que o objetivo é que fossem revendidos para outras instituições do país.

“A quantidade significativa e incomum de animais estrangeiros vindos por meio aéreo desvela, em tese, a intenção de comércio irregular do BioParque”, afirma Oliveira.

Acusa-se ainda o servidor do Ibama, Hélio Bustamante de não ter vistoriado os recintos do Portobello Resort antes da chegada das girafas ao Brasil e mesmo assim ter permitido a importação das mesmas, que foram colocados em recintos menores do que aqueles determinados pela legislação ambiental brasileira.

Coloca-se dúvida também sobre o motivo da demora da comunicação sobre a morte das três girafas, só feita aos órgãos oficiais no dia 24 de dezembro de 2021, apesar de vários programas de televisão terem noticiado o fato cinco dias antes.

“A morte das três girafas teria ocorrido no dia 14/12/2021, conforme dados dos Laudos Necroscópicos e Histopatológicos e o Ofícios de Comunicação têm data de 24/01/2022, isto é, mais de 40 dias depois das mortes. Este fato e as datas, por si só, causam estranhamento, já que o ocorrido das mortes só foi comunicado após divulgação por canais televisivos. Notemos que o extenso lapso de tempo, desde a morte dos animais até a comunicação, pode ter prejudicado os próprios órgãos ambientais e a polícia de atuar em questões periciais e avaliação da rara e inédita ocorrência: a morte de três Girafas em apenas um dia. Vislumbramos que seria essencial e necessária a presença e vistoria no local, imediatamente após as mortes, do IBAMA, INEA e MAPA, além dos Peritos da PF. A conservação não deve andar de mãos dadas entre os órgãos e entes públicos e privados?”

Repatriação das girafas para a África

Ao finalizar sua análise, Fábio Eller de Oliveira destaca que a Delegacia de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico do Rio de Janeiro tentou encontrar algum lugar para onde as girafas pudessem ser transferidas. “Mas não existe local para a adequada alocação dos animais aqui no Brasil, porém existem santuários com vastas áreas em pleno funcionamento em diversas regiões da África”.

O perito da Polícia Federal finaliza o documento informando que “organizações internacionais com grande experiência de repatriação e transporte de grandes animais selvagens já realizaram contatos por e-mail se colocando à disposição para devolver as girafas para reservas protegidas no continente africano, garantindo que seu retorno é viável e possível, inclusive com planejamento prévio detalhado de toda a ação, se dispondo a arcar com os custos logísticos do retorno dos animais ao seu habitat de origem”.

O Conexão Planeta entrou em contato com a assessoria de imprensa do Bioparque do Rio, que encaminhou o seguinte posicionamento:

“O BioParque do Rio informa que a manifestação da perícia criminal contraria os laudos técnicos periciais elaborados pelo perito judicial e pelo Inea e as conclusões das inúmeras diligências realizadas pelas autoridades no local, todas atestando o bem-estar das girafas. Os animais estão sob os cuidados de uma equipe técnica especializada, com ampla experiência, dedicadas ao grupo de girafas. É importante reiterar que os animais sempre estiveram em ambiente seguro. Mesmo durante a quarentena e fase de aclimatação, as girafas tiveram acompanhamento clínico diário, nutricional individual, sessões de enriquecimento ambiental e condicionamento operante e, ainda, acesso regular ao solário como etapa para seguir em segurança para os recintos. Atualmente, os animais ocupam recintos com tamanhos superiores aos tamanhos mínimos fixados pela legislação. Cada grupo de 3 girafas estão em áreas de aproximadamente 900 metros quadrados. O BioParque do Rio reforça sua absoluta responsabilidade com o manejo de fauna e não há hipótese de ilegalidade”.

*Atualizado em 11/08/22 para incluir a nota enviada pelo Bioparque

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Foto: Rawpixel/Wikimedia Commons/domínio público

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.