Se você pegar carona na viagem da luz da artista francesa Silvi Simon talvez perceba. A luz verde corre, corre, corre em círculos. Gira como a Terra. E, pode não parecer, mas caminha como a espiral. É que não há como ficar no mesmo lugar depois que se entra nessa corrida pela vida. Nem estagnar. É aproveitar que temos energia para clarear o cérebro e fazer a lição de casa. Nós, população, precisamos gastar menos energia e o país, Brasil, precisa andar mais rápido na mudança da matriz energética.
Muita hidrelétrica ainda projetada, muita construção na fila para pouca iniciativa que envolve modelos menos prejudiciais ao meio ambiente. Tanto se fala das áreas afetadas por lagos de barragens, tão claros são os prejuízos dessa fonte que de limpa não tem nada, já que uma usina instalada em região de floresta tropical amazônica transforma a vegetação alagada em gases de efeito estufa como dióxido de carbono e metano.
Até quando os entraves burocráticos e a falta de uma política de preços do setor elétrico vão continuar barrando a implantação de modelos mais sustentáveis que utilizem em conjunto energia solar, eólica e biomassa (não muito para não transformar o país em campo de cana-de-açúcar)?
E os lixões em que nos afundamos não poderiam fornecer gás metano de resíduos orgânicos para abastecer ônibus e automóveis ou caldeiras e turbinas?
Solução alternativa existe. Falta é coragem de mudar. Falta é cobrar das autoridades? Pensa nisso quando você estiver aí sentado no seu sofá comendo uma pipoquinha com o abajur ligado, na frente da televisão. Melhor. Posso pedir? Dá um passo adiante e esqueça um pouco a novela: assista ao vídeo da obra da Silvi Simon. Coisas diferentes sempre acabam nos fazendo saltar para outros patamares. Trazem um cheiro novo para o ar. Inspiram novas atitudes…
Olha só o que Silvi fez neste vídeo: estourou um monte de pipoca e colou (sim, colou!!!) uma ao lado da outra até formar uma tela. Branca e empipocada. A vantagem é que se você não gostar do filme, nem precisa jogar pipoca na tela… A obra para mim é um espelho que reflete e questiona o ato tradicional e a gana consumista. Eu sei… Pipoca combina mesmo com filme, futebol, cinema desde que nos conhecemos. Não dá para mudar isso. Mas, é muito, muito chato, aguentar aquele consumidor inveterado de pacotão de pipoca e refrigerante com o preço do olho da cara, sentado ao lado, mastigando e engolindo com fúria e fome.
Se for filme de Hollywood, que não precisa prestar atenção, e em que o cinema vira um circo, tudo bem… Mas, pega um filme silencioso, delicado e sem atrações fáceis…
Que vontade de voltar ao passado, para ouvir o barulho da filmadora antiga 16 mm, dessas que Silvi usa no seu cinema experimental. O bom é que em cinema experimental vai pouca gente. E geralmente a sala de cinema é pequena. Não é rentável vender pipoca…
Silvi nos empresta uma tela mais maleável que, se nos deforma e deixa patente a nossa imperfeição, nos torna mais maleáveis, nesta outra obra da artista.
Podemos, sim, ser mais maleáveis na busca por um mundo mais sustentável. Precisamos ser mais solúveis, mais misturáveis, mais transformáveis. Como os elementos químicos que Silvi usa diretamente no filme para fazer cinema sem filmar. A técnica chimigrammes e outras que conheci me trazem boas lembranças da viagem que fiz num inverno qualquer para visitar o laboratório Burstscratch, em Strasbourg, na França.
Silvi me recebeu, me inseriu num grupo e eu pude entender o quanto um trabalho pode ser delicado e minucioso. É mais do que paciência o que um filme experimental espera de quem o faz. É sim… O filme espera aquele segundo em que a mão vai tocá-lo, riscá-lo, pingá-lo. E ele se transforma. Aí já são dois filmes: o que vemos contra a luz e o que vemos reproduzido na câmera 16 mm. Um cinema em que o ator não tem quadro. A celebridade some. Algo se esvanece na fumaça de cada reação química.
A arte de Silvi nos leva à minúcia e ao silêncio. Eles são essenciais para apreciá-la. Ficamos cativos das asas de vidro que batem como sinos de vento. Estamos presos a essas esculturas penduradas que escapam de gaiolas invisíveis para libertar sombras de pássaros. Eles precisam ser libertados por inteiro. Precisam de uma natureza liberta para migrar sem restrições e amarras. Tanto eles, como nós, estamos riscando o mapa da história com grafite, diamante, tanto faz. No final é tudo carbono que saltou. O salto que realmente importa é o que marca a pegada ecológica para as futuras gerações.
Imagem: reprodução vídeo Silvi Simon