
Este Dia Internacional dos Povos Indígenas – 9 de agosto de 2021 – ficará marcado por uma ação contundente dos povos indígenas contra Bolsonaro: uma denúncia protocolada no Tribunal Penal Internacional (TPI), de Haia, Holanda por crimes contra a humanidade e genocídio.
Liderada pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros) – que representa entidades como a Apoinme (Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo), o Conselho do Povo Terena e a COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) -, esta é a terceira denúncia que trata de questões indígenas feita nessa corte. Uma delas, de novembro de 2019, segue em avaliação.
No documento, a APIB solicita que a procuradoria do TPI examine os crimes praticados contra os povos indígenas pelo presidente brasileiro, desde o início do seu mandato, em janeiro de 2019, e com especial atenção no período da pandemia da Covid-19.
Como o TPI não julga estados, mas seus governantes, neste novo documento os indígenas responsabilizam Bolsonaro – direta, completa e detalhadamente – sobre os crimes expostos.
Esta é a primeira vez que os povos indígenas vão direto ao tribunal internacional, apoiados por advogados indígenas, para se defenderem do presidente. Mas devido à complexidade exigida para a produção do documento, os representantes da APIB contaram com o apoio e a orientação do Coletivo Advocacia em Direitos Humanos – CADHu e da Comissão Arns, responsáveis pela denúncia que Haia analisa, como contamos aqui. Falo de todas as denúncias no final deste texto.

A construção de uma ‘nação sem indígenas’
Com base nos precedentes da Corte Internacional, a APIB reivindica uma investigação por crimes contra a humanidade (art. 7. b, h. k Estatuto de Roma – extermínio, perseguição e outros atos desumanos) e genocídio, com base no Estatuto de Roma, a saber, respectivamente: art. 7. b, h. k – extermínio, perseguição e outros atos desumanos e art. 6. B e c – causar severos danos físicos e mentais e deliberadamente infligir condições com vistas à destruição dos povos indígenas.
O documento entregue é composto por denúncias de lideranças e organizações indígenas, documentos oficiais, pesquisas acadêmicas e notas técnicas, que comprovam “o planejamento e a execução de uma política anti-indígena explícita, sistemática e intencional” liderados por Bolsonaro.
“Acreditamos que estão em curso, no Brasil, atos que se configuram como crimes contra a humanidade, genocídio e ecocídio. E, dada a incapacidade do atual sistema de Justiça do país de investigar, processar e julgar essas condutas, agora denunciamos esses atos junto à comunidade internacional, mobilizando o Tribunal Penal Internacional”, destaca Eloy Terena, coordenador jurídico da organização e um dos oito advogados indígenas que assinam o comunicado.
Para a organização, os constantes ataques às terras e aos povos indígenas foram incentivados pelo presidente em muitos momentos ao longo de sua gestão. Na verdade, durante sua campanha à eleição presidencial, ele já prometia a ruralistas e empresários que o apoiavam que não demarcaria “mais nenhum centímetro” de terras indigenas. E tem cumprido o que prometeu.
Projetos de lei, decretos, atos normativos e portarias – que favorecem a legalização de atividades econômicas exploratórias e as invasões desses territórios, estimulando conflitos (veja o que acontece hoje com os Munduruku e com os Yanomami, especialmente – evidenciam o projeto anti-indígena do Governo Federal.
“O desmantelamento das estruturas públicas de proteção socioambiental e aos povos indígenas desencadeou invasões nas Terras Indígenas, desmatamento e incêndios nos biomas brasileiros, aumento do garimpo e da mineração nos territórios”, destaca o documento que ainda destaca que Bolsonaro incentivou ataques às terras e aos povos indígenas em muitos momentos ao longo de sua gestão.
Para eles, assim, o governo constrói uma “nação sem indígenas”.
“A APIB permanecerá em luta pelo direito dos povos indígenas de existirem em sua diversidade. Somos povos originários e não nos renderemos ao extermínio”, enfatiza Eloy que é um dos oito advogados indígenas que assinam o comunicado.
Agora, seis denúncias em Haia

Desde 2019, a corte internacional recebeu cinco denúncias contra o presidente brasileiro: a primeira, em agosto desse ano; a última em janeiro de 2021. Todas o acusam de crimes contra a humanidade.
A de agosto de 2019 foi feita por um grupo formado por especialistas em direitos humanos, direito ambiental e internacional, liderado por Eloisa Machado, professora de direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), denunciava Bolsonaro por “crimes contra a humanidade”.
Na mesma época, movimento organizado por cinco advogados do Instituto Anjos da Liberdade – Flávia Pinheiro Fróes, Nicole Giamberardino Fabre, Daniel Sanchez Borges, Ramiro Rebouças e Paulo Cuzzuol – , finalizava documento que contemplava especificamente a tragédia ambiental da Amazônia e tudo que se relaciona a ela, enquadrando Bolsonaro no crime de ecocídio. Comentei sobre as duas iniciativas no mesmo texto.
Em novembro de 2019, o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu), em parceria com a Comissão Arns, acusou Bolsonaro por “crimes contra a humanidade” e por “incitar o genocídio e promover ataques sistemáticos contra os povos indígenas do Brasil”. Contei aqui. Foi sobre ela que comentei acima: foi acatada pela procuradoria e, desde março deste ano, está em análise.
A penúltima denúncia foi em julho de 2020 e reuniu mais de um milhão de profissionais de saúde, movimentos sociais e entidades internacionais que acusavam o presidente de negligência no combate à pandemia: “falhas graves e mortais no combate à pandemia de Covid-19“. Mas a procuradoria do TPI arquivou a denúncia por considerar que são necessárias mais evidências.
será que mais de 550 mil mortos é uma boa evidência? Quem sabe o resultado da CPI – que tem revelado tanta corrupção praticada por membros do governo e atravessadores – pode ser mais convincente…
Por último, em janeiro deste ano, os caciques Raoni Metuktire (povo Kayapó) e Almir Suruí (povo Paitér Suruí) denunciaram Bolsonaro com base nos termos do artigo 15 do Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional, apontando-o como responsável por mortes, extermínio, migração forçada, escravização e perseguição contra os povos indígenas.
A acusação inclui a política antiambiental do governo e pleiteia o reconhecimento do ecocídio como crime passível de análise pelo TPI.
O advogado francês William Bourdon, especialista em direitos humanos, foi quem orientou os dois líderes, produziu o documento e protocolou a ação. Como referência, ele defende os ativistas Edward Snowden e Julian Assange.
Relatores da ONU cobram Itamaraty por violência contra povos indígenas
Vale destacar, aqui, que, em 28 de maio, oito relatores especiais da ONU encaminharam documento ao Itamaraty para cobrar explicações do Governo Bolsonaro sobre o aumento da violência contra os povos Yanomami e Munduruku.
A carta alerta para a existência de uma preocupação internacional sobre o que “aparenta ser violações de normas e padrões internacionais”.
A APIB e as associações indígenas citadas no início deste texto (que assinam a denúncia em Haia) têm denunciado e se mobilizado junto a instâncias internacionais para pedir a proteção dos povos indígenas em situação mais vulnerável, como é o caso das etnias apontadas pela carta.
Agosto indígena: acampamento volta à Brasilia
Em junho, mais de mil indígenas participaram do Acampamento Levante pela Terra, movimento de marchas, protestos, reuniões com representantes de ministérios e do STF, rituais e vigílias. Eles se uniram para fazer reivindicações e acompanhar as votações de projetos de lei e, principalmente, o julgamento sobre as terras dos Xokleng.
Este julgamento é considerado pelo STF como de repercussão geral, por isso seu resultado valerá para todos os casos de demarcações de territórios indígenas em todo o país. Daí sua importância. Mas ele foi novamente adiado e voltará ao plenário da Corte em 28 de agosto.
Por isso, no dia 22, todos voltarão à Brasília. Parece bastante auspicioso na medida em que este é um mês especial de celebração pelo reconhecimento internacional dos povos indígenas, marcado pelo dia de hoje: Dia Internacional dos Povos Indígenas. Sonia Guajajara, coordenadora executiva da APIB explica:
“Nós que estivemos aqui, em Brasília, durante este mês de junho, contra o Projeto de Lei 490, contra o projeto 191, que se refere à mineração em terras indígenas, contra o projeto 2633, que é o PL da Grilagem, estamos aqui, hoje, mais uma vez, fazendo esse chamado para o ‘agosto indígena’“.
“Voltaremos em agosto para lutar contra todos esses retrocessos, contra todas essas medidas anti-indígenas que tramitam no âmbito dos três poderes da União. Vamos juntos que essa luta é nossa: demarcação já!”.
Foto: Renato Soares (cacique Yanomami, 2018)