Qual o mal em assistir a novela ou o filme a que todo mundo assiste? Aonde reside o problema de fazer o que todo mundo faz? Joguei as frases aí, mas nem sei se quero responder às perguntas, se quero falar sobre isso. É uma discussão tão antiga, tão cheia de chavões e mesmos argumentos que acaba dando preguiça. Entrar nessa seara parece que é dar murro em ponta de faca, nadar contra a maré, tentar esvaziar o mar.
Estou querendo é me esvaziar dessa realidade chata e repetitiva que impede a sutileza da diferença, que só tem discurso, que só quer discutir para ganhar audiência e não consciência. Não. Não vou falar nesse momento sobre o que acho que é arte, função da arte, expectativas com a arte. Não tenho vontade de falar sobre o óbvio obscurecido pela mesmice do que considero não arte.
A minha meta de conseguir que mais pessoas dividam a atenção entre idiotices midiáticas e algo mais alternativo vem sendo cumprida lentamente. O pão e circo é feroz. Chega tomando conta. Não que eu não goste de um pãozinho saído do forno ainda agora. Não que o circo não me traga memórias de infância. Não que o palhaço não me faça rir e chorar. Não que o carnaval da cidadezinha não me faça cair na folia.
Mas, e depois do “cara, caramba, cara, cara ô”? É só arrependimento e culpa? Reza e ressurreição? Peixe, chocolate ou mal sobra pão na divisão? É volta para lida? São oito horas de rotina capital? É só mão na massa de dia e sofá à noite, caramba? Não tem nada que afogue o marasmo? Que faça sair do caminho dessa fake arte para asno?
E, o que fazer para não deixar calar as tentativas de apresentar as vantagens de variar e procurar opções menos fáceis que jogam todos num surreal balaio em que falta de identidade dá em árvore?
Faço essa pergunta com a peça Céus – do dramaturgo libanês, que também é pintor, Wajdi Mouawad, e direção de Aderbal Freire-Filho – reverberando no silêncio em mim. A próxima cidade em que ela estará em cartaz é Londrina-PR, nos dias 6 e 7 de abril.
A peça é um calar constante. Não um calar de opressão ou repressão. Um calar para reflexão.
Para pensar nesse mundo que nos amedronta com o terrorismo. Na peça, um grupo tenta impedir atentados, desvendando pistas que são um calo dolorido nos pés de quem acredita na arte como redenção, como caminho para algo melhor. O quadro A Anunciação, do pintor maneirista Tintoretto (1518-1594), na verdade, anuncia a tragédia. Serve de inspiração para os terroristas armarem estratégia e tragédia.
“O texto tira o atendado do lugar-comum, do motivo religioso, e amplia o debate para um discurso contra a guerra. A questão atual do terrorismo não é mais vista como um conflito entre Oriente e Ocidente. Na verdade, a peça caminha para uma discussão mais profunda, que vai muito além das divisões territoriais, muito além de questões religiosas’”, explica o diretor Aderbal Freire-Filho.
Um dos especialistas responsáveis pela investigação dos atentados é um pai que foi privado de viajar de férias com o filho porque o trabalho teve que ser prorrogado. Vou dar spoiler. Desculpa. Aconselho você a assistir e depois voltar a ler. Como eu sei que a maioria não vai assistir mesmo, faço sem muito peso na consciência.
Então, está o filho lá falando com o pai pelo skype. Só faz reclamar do trabalho da escola. O pai diz que visitar museu pode ser algo tão bacana… E incentiva. E insiste para o filho ir, fotografar as obras que mais gostar e enviar para ele, assim, os dois podem fazer o trabalho juntos.
O filho reluta um pouco, mas vai. E agora? Melhor não tivesse ido. Melhor tivesse ficado em casa, jogando a porcaria do game, assistindo a sem graça da TV. Porque o terror estava destinado aos museus. E aos filhos que não ficaram em casa presos ao padrão porque os pais conseguiram, enfim, mudar a ordem artificial das coisas, essa ordem que, de tão amalgamada, parece natural.
Natural como nascer, como morrer. Morrer em meio à arte. Morrer espectador. Morrer público, plateia. Com ideia. Com pão com geleia. Sempre meio Medeia. Artifício da pedra. Vigia e joga uma sem que ninguém veja. Da mansidão a massa passará à briga. Por mais pão. Por menos não. Por menos gente procurando um vão. Ou derrubada no chão.
Os atores Felipe de Carolis, Rodrigo Pandolfo, Marco Antonio Pâmio,
Karen Coelho & Isaac Bernat em Céus
CÉUS
Data: sexta e sábado, 6 e 7 de abril
Local: Teatro Mãe de Deus
Endereço: Av. Rio de Janeiro, 670 – Centro, Londrina
Fotos: Leo Aversa/divulgação
Será que vem à Floripa?
Fiquei mais encantado com o textão da Karen do que a peça.