Deitar e olhar para um outro teto. Estar cercado por outras paredes. Entrar por uma porta diferente. Observar horizontes diferentes por meio de janelas desconhecidas. A oca que o paraense Bené Fonteles montou na 32ª Bienal de São Paulo tem o poder mágico de fazer com que nos permitamos. O espírito começa a voar livre por entre o teto de palha e as paredes de taipa em direção a outros saberes, na busca por outros símbolos e outros tempos.
Bené Fonteles é poeta, compositor e artista visual, mas não se diz artista. Considera-se um artivista. Desde 1970, trabalha com projetos transdisciplinares.
A instalação na Bienal funciona como uma ágora que recebe artistas, músicos, xamãs, educadores e o público, num movimento para entoar um canto de resistência.
Materiais usados em habitações indígenas e caboclas e mais restos orgânicos trazidos pelo mar, além de outros objetos coletados por Bené nas suas viagens pelo país, fundem-se na alquimia da troca durante os encontros que ele chamou de “Conversas para adiar o fim do mundo” na Ágora: Oca Tapera Terreiro, proposta que surgiu a partir de uma ideia do líder indígena Ailton Krenak.
Nesse caldeirão e nessa obra Cozinheiro do Tempo ferve mesmo o tempo, não tenha dúvida. Tempo cozido e temperado por Bené. Receita simples de seguir para quem tem alma amalgamada à natureza como ele. Ingredientes de profunda humanidade, preocupação e respeito à vida. A arte dele é mais do que objeto e estética. É a atitude. É o ser que vive para lutar pela preservação.
O nome de santo, Benedito, vem de uma promessa feita pela mãe, que precisou rezar fervorosamente para que o filho sobrevivesse. Ela morreu cedo, quando Bené tinha dois anos. A força católica da mãe, mais a lembrança de ver índios às margens do Rio Caetés, no lugar onde nasceu, como que dão o norte à sua caminhada. As tantas lutas – como as pela preservação do Rio São Francisco, da Chapada dos Guimarães – trazem essa marca. Bené expressa espiritualidade no que faz. Imprime o sublime nos pensamentos e ações.
Gosta de misturar índio com negro para falar de um caboclo brasileiro por circunstância, universal pelo unânime que há no humano. Cava em busca de resquícios e ancestralidade. Desenterra sabedoria telúrica e acorda os homens preocupados com as roupas que vão vestir no caixão. Como se as desenterrasse antes da desintegração para lembrar que não passarão de pó, mais dia, menos dia.
O misto de força católica e xamânica dá sentido visceral a cada passo. Planta sentimento pelo planeta. Acredita na caminhada que busca a raiz na magia oferecida pelo primitivo.
Primordial transmutante, tocando num lapso meditativo sob sol que quer evaporar rio, sempre no desaguar das emoções. E elas correm embaladas pela pausa que suspende o ar para acabar no mar. Que também é lar para os sobreviventes do duelo do lixo e do esgoto contra a vida à procura de descanso. Vem remanso até o refúgio da oca. Vem manso e nos toca. E nos mostra o caminho para adiar esse fim de mundo.
Fotos: divulgação