Meu jeito de interagir com uma flor é somente meu. De mais ninguém. Dependendo do momento, posso ver uma flor e ser envolvida por suas cores ou ficar admirando sua geometria perfeita. Posso ainda simplesmente sentir seu aroma ou me deslumbrar com a maciez de suas pétalas. Se eu tiver alguma referência afetiva, posso associá-la a algum evento do passado, bom ou ruim, e gostar menos ou mais dela. Posso também querer provar o sabor, posso me perguntar sobre seu nome científico, questionar sua origem, pesquisar seus ciclos e a melhor maneira de cultivá-la, ou observar os pássaros e insetos que são atraídos por ela. Posso também não vê-la, não ter curiosidade naquele instante ou nunca ter olhos para ela.
Uma flor, uma opinião, uma atitude. Tanto faz. Tudo são jeitos de ver o mundo, que vamos construindo ao longo do tempo, a partir das múltiplas referências que coletamos pelo caminho, em casa, na escola, com os amigos e os outros (aqueles que representam a diferença, o diferente).
Ontem estive em uma livraria. Entrei com minha filha na seção infantil. Sentei num canto e fiquei observando. Um pai contava histórias de monstros ao filho, e parecia se divertir mais do que a criança. Três mães entediadas conversavam sobre bolsas e sapatos, enquanto as crianças derrubavam a prateleira inteira de livros e não se interessavam por nenhum deles. Uma menina queria levar “o de games” e mais os pôneis azuis de pelúcia pra casa, mas a mãe tentava convencê-la a ver graça no livro que, nas palavras dela, “apresenta os alimentos”. “Olha, filha, que legal, aqui fala sobre o trigo e o arroz!”. E eu pensando: por que ela não cozinha com a filha em casa e mostra isso com as mãos, a boca, o olfato, a visão, todos os sentidos?
Parei para dar uma olhada nos livros indicados para bebês e crianças até três anos. Socorro! Alguns até são fofos, mas não consegui ver muito sentido naquilo tudo. Não vi graça em comprar um pedaço de celulose pintada de amarelo, vermelho, azul e verde para usar para apresentar as cores à minha filha. As cores estão por toda parte! E cores não são apenas cores… E o verde tem mil verdes!
E havia também os livros que dizem estimular o tato da criança, mas são plastificados demais, artificiais demais. Um pedaço de lã sintética para imitar o pelo da orelha do lobo mau, uma tira de velcro para denunciar a pata áspera do elefante… Hã? Elefante? Lobo mau? Ah, e tinha um que achei o mais absurdo de todos: um livrinho para “apresentar cheiros”, de abacaxi, café, chocolate, laranja… Como assim?!
Tudo tão colorido, tão tanta-coisa-ao-mesmo-tempo, tão saturado. Será que devemos mostrar ou apresentar o mundo assim, tão cheio de coisas que não fazem muito sentido? Tão intermediado por coisas que imitam mas nunca são a coisa em si? Como seria o mundo se as crianças tivessem a chance de criá-lo por elas mesmas, de notar o aroma do café feito em casa, de manhã cedo, junto com o bolo de laranja e um milhão de sinapses e memórias, de sentir a boca inteira ser despertada por um pedacinho de abacaxi? Tão natural, não?
Aqui em casa, Gaia não tem livro algum e nem muitos brinquedos. Aliás, não comprei nenhum brinquedo em 13 meses, sua idade atual. Mas ela ganhou alguns da família, dos amigos. E até brinca com eles, sim. De vez em quando. Mas gosta mais das pedrinhas do quintal, tão diferentes umas das outras, e da grama que espeta a mãozinha, das folhas cheirosas do manjericão, das sementes de jatobá que viraram instrumento musical, dos cachorros que têm pelos de verdade.
Criança não conhece o mundo consumindo ou colecionando coisas, mas descobrindo, explorando, experimentando. Tudo. De todos os jeitos. E não precisa ter dinheiro, nem morar em algum lugar especial. Especial é a infância, a curiosidade infantil, que vê surpresas em todo canto, que vê graça em coisas que nossa vã filosofia não enxerga mais porque encobriu tudo com o véu das falsas verdades e pretensas certezas.
Por aqui, tenho descoberto muita coisa desde que deixei de me preocupar em mostrar o mundo a ela ou comprar um mundo pronto, todo fabricado, de plástico, inventado pela indústria sem a mágica da fantasia. Ela, Gaia, é que tem me mostrado muito. Das pequenas coisas. Das grandes coisas. E, principalmente, das coisas que importam. Da vida que pulsa. Do olhar que cala de beleza. Do amor que flui dentro da gente e que ainda pode transformar o mundo num lugar melhor para todos nós.
Foto: Amudha Hariharan via Photopin
lindo texto…
Vivendo e experimentando viver a Vida !!! Adiante… sempre cheias de Vida !!! Parabéns !!!