As eleições, as descobertas e as pessoas que não excluí da minha vida

Quantas pessoas você excluiu da sua lista de amigos nas redes sociais, depois que elas anunciaram apoio a candidatos que você considera abomináveis, incompatíveis com seus ideais políticos, morais, éticos etc.? Tal como você, muita gente fez o mesmo. Na minha timeline, por exemplo, isso foi tão recorrente que não consigo lembrar de alguém que tenha declarado atitude diferente.

Ainda assim, se você não saiu limando pessoas do seu caminho como quem corta cana, talvez tenha ajudado a espalhar ódio e repulsa compartilhando notícias de fontes duvidosas ou mesmo fake news. Talvez, ainda, tenha usado tom de xingamento e maledicência não apenas em relação aos candidatos atacados, mas também em relação às pessoas que declaram intenção de votar neles. “Burros, estúpidos, analfabetos, marionetes da mídia, feios, de pouca higiene”. Outros termos não consigo nem quero incluir neste texto…

Dias difíceis. Ao meu redor, as pessoas têm se revelado aos poucos, na medida em que definem suas posições. Descobri, semanas atrás, que um amigo muito querido pretende votar no ‘coiso’. Ele me disse isso na sala da minha casa, ao lado da mulher, uma amiga querida que não apoia a escolha. Foi um choque. Na verdade, foi tão inesperado e surpreendente que não tive muita reação. Só quis tentar entender o que, para mim, não tem explicação nem justificativa.

Aquilo ficou na minha cabeça e, ao longo das semanas, as “descobertas” foram aumentando: nas redes sociais, amigos de infância destilaram ódio e intolerância. Em encontros familiares, descobri parentes muito próximos na mesma situação e fiquei arrasada, porque minha experiência com eles me fazia crer que não adiantaria argumentar. Não mudaria nada.

O que fazer? Uma coisa é excluir um desconhecido da lista de amigos do Facebook. Outra bem diferente é cortar vínculos com alguém da família ou mesmo com um amigo que amamos. É sempre mais fácil ignorar o que ou quem não conhecemos. Desprezar quem não amamos.

Mas, e agora? Eu amo essas pessoas… Penso no amigo e em sua mulher, aqueles que jantaram comigo, e me dou conta de que meu sentimento por eles não mudou. De verdade. E o mesmo aconteceu com as pessoas da minha família. Não deixei de amar ninguém, embora eu lamente do mais fundo do meu coração.

Nesses dias intensos, veio daí uma avalanche de emoções e pensamentos que me chacoalharam. Será que sou tonta demais para tomar uma atitude? Será que estou sendo frouxa por não ter excluído ninguém das minhas redes sociais, nem do meu convívio social? Será que tenho medo de quebrar vínculos afetivos? Será que é isso que seria o certo a fazer? Aliás, existe certo e errado nesses casos?

Tantas dúvidas, tantas perguntas… Mas, diante de discursos de intolerância, que eu veementemente condeno, eu não estaria sendo intolerante também se saísse por aí excluindo pessoas da minha vida ou de parte dela? A democracia não estabelece exatamente essa possibilidade de conviver e dialogar com as diferenças? Tosar amizades, ainda que meramente virtuais, não seria, no fundo, fazer o mesmo que o outro lado (seja ele qual for) faz, e você e eu repudiamos?

Até onde vai nossa capacidade de realmente aceitar a democracia? Ou seríamos do grupo que só acha legal (para não dizer conveniente) quando é o nosso time que está “no comando” do barco? Até onde vai nossa capacidade de escutar o outro de verdade, de nos colocarmos em sua posição? Até onde vai nossa visão, nosso horizonte quando pensamos no Brasil? O que o nosso país ganha com essa polarização? E o que perdemos com ela? Até que ponto queremos que nosso voto seja o vencedor, custe o que custar ao país?

Não sei quanto a você, mas eu sinto que todos perdemos. E perdemos feio. Vejo nas ruas e na internet discursos acalorados, passionais, extremados. E me pergunto: tanto radicalismo não seria, na verdade, um grito de socorro? Um pedido de ajuda? O que quer, no fundo, a criança que esperneia e agride? Atenção. Voz. Acalento.

Por trás desses discursos pesados e violentos, vejo gente desiludida, desanimada, desesperada, deprimida até. Mas, quando presto atenção, vejo – e sinto – muito mais gente precisando de ajuda do que pessoas querendo criar uma guerra civil ou uma ditadura no país. É mais desespero e equívoco (dos grandes), e menos um alinhamento a programas radicais de governo. Só que eleição não é uma brincadeira e criança (mimada ou desalentada) não pode votar – mas infantilizamos nossas escolhas, sem perceber o quanto elas podem ser perniciosas.

Estamos às vésperas de uma eleição que pode mudar a história do país, que pode corroer nossa tenra democracia, que pode criar estados de ânimos ainda mais acirrados e agressivos, que pode colocar o povo contra o povo.

É preciso resgatar a sensatez enquanto é tempo, dosar os perigos, as consequências e, acima de tudo, pensar no futuro sem egoísmo, pensar na ideia já meio desgastada e vazia de sentido, mas a quem recorro pedindo sua escuta: o bem comum.

Pode me chamar de piegas se quiser, ou me julgar de outra forma, como queira. Sei que corro esse risco. Mas hoje é dia de paz e é nela que penso quando reflito sobre meus candidatos e candidatas. É disso que o Brasil precisa. De paz e de uma humanidade que só construímos ouvindo as pessoas, olhando nos olhos delas, tentando sentir aquilo que elas estão sentindo.

Se você não sentiu na pele os horrores da ditadura militar, se não viveu restrições à liberdade de expressão, se teve a sorte (ou a apatia) de viver esse período tenebroso do país sem medo ou sem posições políticas, isso não lhe dá o direito de negar quem sofreu tortura, quem foi espancado até a morte, quem foi afastado(a) dos filhos para sempre, quem teve a voz calada. Nem tudo é fake news.

É preciso parar com essa brincadeira de mau gosto de participar dessas eleições sem um pingo de empatia, de compaixão, de responsabilidade. Não dá para aceitar como tragável um candidato que chama torturador de herói nacional. Não dá para acreditar que o cara é o novo Messias só porque o líder da igreja que você frequenta assim o declarou. Veja os fatos (procure fontes confiáveis para isso), analise as declarações dele e compare, reflita por si mesmo.

Também não dá para fazer coro com eleitores que acham que programas sociais devem acabar porque “só sustentam vagabundos”. Você já passou fome? Já ficou desempregado, sem ter como alimentar os filhos? Já perdeu alguém da família para o crime? Já se sentiu excluído ou discriminado pela cor da pele ou pela orientação sexual? Já esteve, ao menos, perto de alguém nessas condições? Pare e pense: o fascismo já te olhou de frente, já te colocou contra a parede alguma vez?

Levantei a bandeira #EleNão porque não quero a volta da ditadura em nosso país, não quero a população mais armada, não quero ver preconceitos sendo cuspidos por quem tem o dever de proteger os mais frágeis e os oprimidos. Mas não posso atacar quem me ataca da mesma forma, com violência, com desrespeito.

Não é sobre sucumbir quieta, ou sobre ser submissa. Não. É sobre ter força para desviar o tapa sem dar outro e, ao fazer isso, manter minha integridade e minhas convicções na não violência. Não vou combater a violência com mais violência. Não vou.

Ainda podemos construir um país com menos desigualdades, mais justo, mais solidário. Busquemos dentro de nós a visão que queremos para nosso futuro. E sejamos fortes e pacíficos como nossas maiores utopias. Como nossos maiores sonhos.

Esta semana é uma semana para cultivarmos a serenidade. Hoje a paz nos chama para a reflexão. Hoje, 2 de outubro, comemoramos o nascimento de Mahatma Gandhi. Na quinta-feira (04/10), São Francisco de Assis vem nos lembrar a força da fraternidade. Vamos (tentar, ao menos) beber um pouco dessas fontes de AMOR, para que possamos depositar nas urnas menos ódio e mais esperança e disposição para sermos parte ativa da reconstrução de um Brasil melhor para todos nós, de verdade.

P.S.: sejam respeitosos nos comentários…

Foto: Eddie Kopp, Unsplash

2 comentários em “As eleições, as descobertas e as pessoas que não excluí da minha vida

  • 3 de outubro de 2018 em 7:48 AM
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    Giu, vc verá poucos comentários por aqui, a não ser que os bolsominions saibam sobre vc.
    Trinta por cento irão votar numa pessoa que não fez, absolutamente nada, pelo Rio de Janeiro. Alguém que tem propostas simplista para problemas complexos, como exemplo, bandido bom é bandido morto. Soma-se a isso, a intolerância em vários aspectos que estamos cansados de ver, como racismo, homofobia etc, todos relativizados, tudo com um “contexto”. Feministas, por exemplo, são sujas…
    A democracia é o poder da maioria não é dialogar com as diferenças, mas sim respeitá-las. Podemos ser, radicalmente, contra o que nos agride. Agora, essa democracia que presenciamos é ilusória e nós caímos nesse conto, pois a maioria é influenciada pela mídia, pelos interesses econômicos, por interesses de grandes grupos, corporações. Estamos, há muito tempo, dominados e essa cultura da paz, da empatia, da gentileza, com quem te machuca, traz é amortecimento.
    Como fica quem perde um filho por conta de uma bala “perdida”, quem tem um filho arrebentado por ser gay ou um filho desprezado pela cor da pele, uma filha espancada, morta, desprezada pela cor, gay…
    O ódio será depositado nas urnas, junto com um plano de governo terrível, por exemplo, para o meio-ambiente, como já mostrado aqui no Conexão. Será depositado o desejo de ter mais armas para diminuir a violência.
    Desculpe-me, mas essas pessoas estão equivocadas, assim como as que elegeram Hilter com 90% dos votos.
    O desafio, penso agora, é ser radical na voz, na ação sem partir para a violência.

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  • 3 de outubro de 2018 em 8:23 PM
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    Obrigada pela reflexão. Também acredito que o melhor caminho é a tolerância e o respeito, independente das opiniões dos outros. É um exercício, não é fácil, mas é o melhor que podemos fazer nesses tempos loucos. Paz e amor. Obrigada de uma frase de Jesus que cabe bem: não vades aos gentios. Nem sempre o outro está preparado para as ideias que nós defendemos.

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Giuliana Capello

Jornalista ambiental e permacultora, escreve sobre bioconstrução, arquitetura e design sustentáveis, economia solidária, consumo consciente, alimentação orgânica, maternidade e simplicidade voluntária. É autora do livro Meio Ambiente & Ecovilas (Editora Senac São Paulo).