
Na semana passada, o governo brasileiro promoveu um “tour” pela Amazônia com embaixadores de diversos países. Durante três dias, o vice-presidente, Hamilton Mourão, coordenador do Conselho Nacional da Amazônia Legal, levou os estrangeiros às cidades de Manaus, Maturacá e São Gabriel da Cachoeira, todas no estado do Amazonas. A intenção era tentar melhorar a imagem do Brasil perante o mundo e mostrar que não há nem desmatamento nem incêndios na região.
Todavia, em entrevista à DW Brasil*, o representante da Alemanha no Brasil, Heiko Thoms, afirmou que a iniciativa de Mourão foi positiva para ampliar o diálogo com o governo brasileiro, mas que ela não mudou a percepção do governo alemão sobre o governo Bolsonaro e que não há previsão para a retomada das transferências ao Fundo Amazônia.
Criado em 2008, o Fundo Amazônia promove e apoia financeiramente iniciativas para a prevenção e o combate ao desmatamento e também, para a conservação e o uso sustentável das florestas na Amazônia Legal, área que compreende nove estados brasileiros e corresponde a quase 60% do território nacional.
Financiado principalmente pelos governos da Noruega e da Alemanha, o fundo tinha seus recursos geridos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento e os projetos analisados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Até 2019, foram apoiadas 103 deles e o fundo contava com R$ 3,4 bilhões em caixa.
Mas no ano passado, o governo federal decidiu, por conta própria, tentar mudar as regras do fundo. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, declarou que queria usar os recursos da iniciativa para desapropriar terras.
Rapidamente os governos alemão e norueguês vieram a público mostrar insatisfação com a decisão e em relação à política ambiental Brasil, principalmente, os índices crescentes de desmatamento na Amazônia.
O repasse do dinheiro do fundo foi cancelado e R$ 2,9 bilhões do Fundo Amazônia estariam paralisados até hoje.
Aém do vice-presidente, a comitiva do tour amazônico contou ainda com a presença de Salles, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
Na entrevista, o embaixador da Alemanha criticou a falta de ação e planejamento, de longo prazo, do governo brasileiro. Mencionou uma “crise de confiança” em relação ao Brasil e que gostaria de ter visitado áreas onde a maior parte do desmatamento ocorre.
“O governo está informado sobre o desmatamento e os incêndios, sobre onde estão e quão grande é o problema. Há instrumentos para combater. E há órgãos governamentais muito bons. Mas esses instrumentos precisam ser utilizados, e de uma maneira coerente. Para isso, você precisa de um plano de ação de longo prazo, com medidas concretas, cronogramas e metas numéricas. Isso não existe no momento”, afirmou.
Heiko Thoms também mencionou a questão da soberania brasileira, tão enfatizada por Jair Bolsonaro.
“O Brasil precisa exercer sua soberania na Amazônia combatendo atividades ilegais. A maior ameaça vem de pessoas que não respeitam as leis brasileiras. Temos um interesse comum de que as leis sejam aplicadas na Amazônia, e estamos prontos para contribuir para que isso seja feito, se o governo brasileiro assim quiser”, disse.
Enquanto os índices de desmatamento na Amazônica só crescem – a degradação da floresta aumentou quase 150% em setembro -, Bolsonaro continua insistindo no discurso de que “O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente no mundo”. Nos bastidores seu governo promove descaradamente o enfraquecimento e o desmonte dos órgãos de proteção ambiental e ataca a atuação de organizações não-governamentais, inclusive, com ameaças de controlar suas atividades.
Em setembro, oito países europeus relataram preocupação com o crescente desmatamento na Amazônia e o possível impacto que isso pode ter nos negócios. As nações que assinaram o documento – Alemanha, Dinamarca, França, Itália, Holanda, Reino Unido, Bélgica e Noruega -, compraram US$ 6,77 bilhões em produtos agropecuários do Brasil entre janeiro e agosto deste ano, cerca de 10% das exportações do setor.
Com o presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, assumindo o cargo em janeiro, Bolsonaro dará adeus a um dos seus últimos aliados internacionais, Donald Trump. Ou seja, o cenário para o país fica cada vez mais sombrio e poucos governos vão querer ter seus nomes aliados com os responsáveis pela destruição da maior floresta tropical do planeta.
*A entrevista completa de Heiko Toms à DW-Brasil você encontra aqui.
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Foto: Bruno Batista/ VPR/Fotos Públicas