Voltar a ensinar fotografia de natureza, como tenho feito com mais frequência após nossa mudança para Florianópolis, desperta em mim uma série de reflexões sobre o fazer fotográfico, a evolução da minha carreira desde que era um iniciante (com meus atuais alunos e alunas) e o quanto esta atividade pode extrapolar sua característica essencialmente visual.
Cutucar nossos outros sentidos, através de uma imagem estática e bidimensional, é para mim um desafio e uma meta constantes. Ao mesmo tempo, apreciar e valorizar o que envolve estar fotografando em um ambiente natural, além do óbvio objetivo de conseguir boas fotos, é um fator de grande importância quando estou em campo. Mesmo que eu não perceba com tanta obviedade, absorver as sensações – como sons e cheiros – enquanto olho pelo visor da câmera me ajuda tanto no aspecto técnico, como na criatividade. Algo meio terapêutico.
Para ilustrar isto, escolhi hoje uma situação que vivi há 13 anos, quando tive a oportunidade de visitar e fotografar o espetacular Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí.
Naquele final de tarde, em maio de 2010, nosso programa era visitar o Baixão das Andorinhas, uma atração do parque cujo motivo do nome você já vai descobrir. O acesso, por uma leve caminhada sobre o terreno pedregoso e árido da Caatinga, com sua vegetação característica, leva a um mirante.
O primeiro impacto visual já é deslumbrante: uma sequência de altos paredões com diferentes tons avermelhados contrasta com uma mata exuberante de verde intenso no fundo do vale – uma combinação perfeita de cores que se complementam no círculo cromático. O lugar serve de lar para colônias de andorinhões, que saem pela manhã realizando suas atividades diárias e retornam ao abrigo no final da tarde – daí o nome do lugar. Mas o mais especial é a maneira como estas aves voltam para casa.
Estávamos sentados na rocha contemplando o cenário, enquanto eu fazia algumas fotos da paisagem, quando o guia local chamou nossa atenção: apontando para o céu, disse que os andorinhões estavam chegando para descansar. Seu olhar treinado permitia identificar o momento rapidamente, mas para mim levou um tempo até visualizar a primeira ave do bando, pois estavam voando a uma altura tão grande que não passavam de minúsculos pontos se deslocando rapidamente em círculos.
Avisado por ele de que elas iriam começar a voar cada vez mais baixo, até entrarem no vale, já comecei a me preparar para fazer um registro fotográfico. Porém – e isto é uma das coisas que me fascinam na fotografia de natureza – nem sempre a teoria funciona na prática.
O movimento das aves era rápido e errante, e de repente elas mergulhavam no vale a uma velocidade inacreditável. Mais do que enxergá-las, o que denunciava sua passagem por nós era um zumbido que lembrava algo como um jato, depois mais um, depois outro. Dezenas deles.
Com o sol já quase indo embora, a luz natural era insuficiente para conseguir na câmera os ajustes necessários a uma boa foto. Então, baixei a câmera e me resignei alegremente em apenas contemplar o espetáculo dos andorinhões em meio à natureza, guardando os registros não na câmera, mas na minha mente, onde persistem até hoje.
Todavia, nem tudo foi fracasso na questão das fotografias. Ao mesmo tempo em que as aves se preparavam para descer, o sol ia mudando lentamente de posição e o tom dos paredões rochosos acompanhava esta mudança. Tudo em um ritmo bem mais sereno e fluido do que o mergulho frenético dos andorinhões, como em um universo paralelo onde o tempo era mais elástico, me permitindo alguns registros da paisagem que, até hoje, evocam em mim as lembranças sensoriais daquele longínquo dia.