Em qualquer país do mundo, organizações da sociedade civil são sempre importantes parceiras de governos para ajudar a propor soluções e combater problemas econômicos, sociais e ambientais que o poder público não tem capacidade de administrar sozinho. No Brasil, essas entidades sempre foram aliadas fundamentais para conter o desmatamento e realizar ações de preservação à biodiversidade.
Infelizmente, desde que assumiu o governo, o presidente Jair Bolsonaro e vários de seus ministros decidiram tratar essas organizações como “inimigas”. Através de decretos, membros da sociedade civil foram retirados de vários comitês e comissões que discutem medidas na área ambiental. E a contribuição de especialistas e acadêmicos, com anos de experiência, foi completamente rechaçada e ignorada.
Apesar disso, as organizações brasileiras não se intimidam e continuam dispostas a colaborar com o governo e o Brasil. Hoje, 62 delas divulgaram um documento em que propõem cinco medidas concretas e emergenciais para estancar o desmatamento da Floresta Amazônica, que mês a mês, apresenta altas recordes nas taxas de destruição da floresta (veja os atuais índices nos links para outras reportagens ao final desse texto).
“Todas as medidas elencadas na carta são factíveis. Algumas delas são inclusive obrigações constitucionais, que o governo não está cumprindo”, diz Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, uma das redes signatárias. “O objetivo é resolver uma situação aguda na qual o paciente — no caso, a Amazônia — está sob risco de vida para depois discutirmos as medidas estruturantes que permitirão a recuperação do doente. Algumas delas, aliás, já constavam no plano de prevenção e controle do desmatamento enterrado pelo governo Bolsonaro.”
O documento foi entregue aos presidentes da Câmara e do Senado, a investidores estrangeiros e a parlamentares brasileiros e europeus. No texto, os signatários lembram que o Brasil, no começo do século, conseguiu reduzir a taxa de desmatamento e ao mesmo tempo ampliar a produção agropecuária e o PIB.
“O atual governo, porém, não apresenta qualquer resquício de interesse ou capacidade em seguir este caminho. Suas ações baseiam-se em medidas falaciosas e campanhas publicitárias que tentam mascarar a realidade. Mesmo o envio de forças militares para a Amazônia tem sido pouco eficaz”, afirmam.
“Dentre as razões para toda esta situação está a postura irresponsável do Presidente da República, que pratica uma agenda antiambiental e anti-indígena perversa e declarada, atentando contra a própria Constituição. Como consequência, investidores e empresas internacionais ameaçam retirar seus negócios do Brasil, intensificando a crise econômica, ameaçando empregos e agravando o quadro de desigualdade e pobreza do país”, destacam.
As cinco medidas contra o desmatamento
- Moratória do desmatamento da Amazônia
– Proibição de qualquer desmatamento na Amazônia por no mínimo 5 (cinco) anos, com exceções para ações de subsistência e de populações tradicionais, agricultura familiar, planos de manejo, obras de utilidade pública e de segurança nacional. - Endurecimento das penas a crimes ambientais e desmatamento
– Aumento de penas para o desmatamento ilegal, mandantes e financiadores de crimes ambientais, fundiários e invasão e comercialização ilegal de terras públicas.
– Criação de força-tarefa para repressão a crimes fundiários, em especial grilagem de terras e invasão de terras públicas.
– Criação de força-tarefa para a expulsão de invasores e o cessar de todas as atividades ilegais em territórios de povos e comunidades tradicionais, principalmente terras indígenas e arredores, como grilagem, desmatamento, roubo de madeira, garimpo, pecuária e mineração ilegal.
– Congelamento imediato de bens dos cem maiores desmatadores ilegais do país.
– Extremo rigor na aplicação da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998 e Decreto nº 6.514/2008), incluindo a realização de embargos e a destruição dos equipamentos utilizados para a prática de crimes ambientais. - Retomada imediata do PPCDAm – Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal
– Retomada imediata das medidas e ações governamentais previstas nos quatro eixos do PPCDAm (Ordenamento Fundiário e Territorial; Monitoramento e Controle;
– Fomento às Atividades Produtivas Sustentáveis; Instrumentos Econômicos e Normativos), incluindo garantia de recursos e a publicação de cronogramas, prazos e plano de implementação, com prestação de contas transparente e participação social. - Demarcação de terras indígenas, quilombolas e criação, regularização e proteção de Unidades de Conservação
– Homologação imediata das terras indígenas já demarcadas.
– Demarcação imediata das áreas indígenas com processos em trâmite no Governo Federal.
– Proteção de todas as terras indígenas, independente de seu estágio de regularização, com atenção especial as terras ocupadas por povos em isolamento voluntário ou de recente contato.
– Implementação e consolidação efetiva das unidades de conservação já criadas.
– Criação de 10 milhões de hectares de unidades de conservação, considerando o mapeamento das áreas prioritárias, sítios de gestão integrada e novas áreas estratégicas para a conservação da biodiversidade e combate ao desmatamento.
– Titulação dos territórios quilombolas. Reconhecimento e regularização dos territórios quilombolas requisitados. - Reestruturação do Ibama, ICMBio e Funai
– Restituição das competências e condições institucionais do Ibama e ICMBio para que retomem o seu protagonismo no combate ao desmatamento e crimes ambientais.
– Realização com urgência de concurso para analistas ambientais do Ibama e ICMBio, destinados prioritariamente à fiscalização ambiental.
– Substituição dos gestores das três autarquias que não são técnicos da área por pessoal especializado.
– Restituição das responsabilidades institucionais da Funai, voltadas à proteção e promoção dos direitos indígenas, principalmente relacionadas com a demarcação e proteção das terras indígenas.
*Essas medidas emergenciais devem ser implementadas sem prejuízo de políticas estruturantes, como programas e projetos que visem o desenvolvimento sustentável, a retomada do Fundo Amazônia e Fundo Clima, os pactos com o setor produtivo e o reforço dos investimentos verdes, grande parte destes já previstos no próprio PPCDAm
Instituições que assinam a carta
- Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
- Observatório do Clima
- Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ
- Articulação Nacional de Agroecologia – ANA
- Conselho Nacional de Seringueiros – CNS
- Central Única dos Trabalhadores – CUT
- Associação Brasileira de Organizações não Governamentais – ABONG
- Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS)
- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
- Grupo Carta de Belém
- Rede Brasileira de Educação Ambiental – REBEA
- Rede GTA – Grupo de Trabalho Amazônico
- GT Infraestrutura
- APREMAVI
- Instituto Socioambiental – ISA
- WWF Brasil
- Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
- Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – Imazon
- Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – Imaflora
- FASE – Solidariedade e Educação
- Projeto Hospitais Saudáveis
- Uma gota no oceano
- SOS Amazonas
- Instituto de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia – Idesam
- Mater Natura
- Engajamundo
- APREC – Ecossistemas Costeiros
- Climainfo
- Instituto Democracia e Sociedade – IDS
- Instituto Centro de Vida – ICV
- Instituto Internacional de Educação do Brasil – IIEB
- Amigos da Terra – Amazônia Brasileira
- 350.org
- Projeto Saúde e Alegria
- BVRio
- Grupo de Estudos em Educação e Meio Ambiente – GEEMA
- Rede de Educadores Ambientais da Baixada de Jacarepaguá
- Elo RJ – Rede de Mulheres Ambientalistas da América Latina
- Comitê Chico Mendes
- Terra de Direitos
- Memorial Chico Mendes
- Associação Etnoambiental Kanindé
- Defensores do Planeta
- Associação Agroecologia Tijupá
- Argonautas Ambientalistas da Amazônia (Belém-PA)
- Rede de Educação Ambiental e Políticas Públicas – REAPOP (Nacional)
- Teko Porã Amazônia (Belém-PA)
- Amazon Watch
- Instituto de Pesquisas Ecológicas
- Greenpeace Brasil
- Rede de Educação Ambiental da Bahia – REABA
- Associação Cultural APA Itacaré Serra Grande
- Associação Alternativa Terrazul
- Toxisphera – Associação de Saúde Ambiental
- Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária – AMAR
- Movimento SOS Cerrado
- Rede de Educação Ambiental do Paraná
- International Rivers
- Rede de Educação Ambiental da Costa Verde
- Rede de Educação Ambiental do RJ – REARJ
- Operação Amazônia Nativa – OPAN
- Fundação Amazônia Sustentável – FAS
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Foto: Vinícius Mendonça/Ibama