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Fotografar a vida selvagem ficou mais fácil?

Fotografar a vida selvagem ficou mais fácil?

O distante janeiro de 2006 foi um mês memorável na minha carreira fotográfica. Em um intervalo de poucos dias, consegui observar e fotografar os ninhos de duas aves de rapina espetaculares que habitam as matas e os céus de Mato Grosso do Sul: o gavião-real e o gavião-de-penacho. Mas, antes de revelar os bastidores destas aventuras, achei pertinente contextualizar a evolução pela qual a fotografia de vida selvagem passou nas últimas décadas. Afinal, foi uma reflexão sobre o assunto que me levou a contar a história de hoje, ao revisar meus arquivos fotográficos, como costumo fazer periodicamente.

Quem já se interessava em fotografar nossos animais silvestres lá pelos finais do século passado deve se lembrar como era. O desafio começava na hora de adquirir os equipamentos: sem a internet para pesquisar e com um mercado limitado, nos restavam opções como amigos e parentes que podiam trazer alguma coisa do exterior, ou então aproveitar uma ida à Amazônia para economizar um pouco comprando na Zona Franca de Manaus.

Sair em uma expedição com dez rolos de filme de 36 poses, o que permitia tirar incríveis 360 fotos, era um luxo! E a ansiedade de ter que esperar alguns dias – que pareciam uma eternidade – para receber as fotos reveladas pelo laboratório?!

Fora as questões técnicas que comentei, tinha também a dificuldade em buscar e encontrar os bichos que queríamos registrar. Eu, por exemplo, fui morar no Pantanal em 1994 e só em 2003 consegui ver e fotografar minha primeira onça-pintada na natureza – quase dez anos mais tarde! Talvez eu fosse um pouco azarado, mas sem dúvida, era um bicho muito mais difícil de se ver do que é hoje.

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Da mesma forma, encontrar espécies como o gavião-real era um evento raro e digno de muita celebração. Atualmente, graças a esforços de vários setores relacionados à vida selvagem ao longo das últimas duas décadas, existem lugares no Brasil onde é possível quase garantir que um visitante irá encontrar uma ave dessas durante sua viagem de poucos dias.

O fotógrafo não vai precisar viajar sacolejando em um velho furgão abafado, mas sim no confortável assento estofado de uma van climatizada. E, caso este seja seu interesse, poderá tirar ótimas fotos e vídeos com sua câmera mirrorless, a mais recente revolução na tecnologia fotográfica.

Se, nos tempos das câmeras analógicas, era preciso aguardar dias para ver o resultado, a chegada das primeiras câmeras digitais permitiu visualizar a imagem poucos segundos após o clique. Agora o profissional a vê em tempo real, ou seja, consegue saber o resultado da foto antes mesmo de apertar o disparador!

Em 2006, eu já havia migrado para a fotografia digital e minha câmera principal tinha resolução de 8 megapixels, um bom padrão para a época. Com ela fiz vários trabalhos profissionais. Um deles foram registros de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) de Mato Grosso do Sul para o livro “Diamantes Verdes”.

Dentre as unidades de conservação a documentar estava a RPPN Vale do Bugio, uma bela reserva natural no Cerrado do município de Corguinho. Minha lista de assuntos a fotografar incluía paisagens, fauna, flora e pessoas do local. Nos primeiros papos com Lauro – proprietário da área – para planejar o trabalho, logo ele comentou sobre o ninho de gavião-de-penacho que ficava dentro da reserva. Meus olhos brilharam e o cérebro já começou a fazer uma série de cálculos.

Seria muito importante tentar documentar isto para o livro, mas eu sabia que levaria mais tempo do que tínhamos disponível, considerando as demais fotos que precisavam ser feitas. Pra resumir a história, conseguimos espremer a agenda e fiquei algum tempo na beira do precipício que permitia visualizar o ninho, fazendo algumas boas fotos. Mas, é claro, eu queria mais!

Voltei para casa em Bonito já deixando combinado com Lauro que eu retornaria dentro de alguns dias, exclusivamente para fotografar o gavião-de-penacho e seu filhote. Nova expedição planejada, faltava arrumar algum companheiro de fotografia, daqueles que topam se enfiar nestas aventuras incertas. Esta foi a parte mais fácil, pois o amigo de longa data, o Guto Bertagnolli, topou logo de cara.

Fotografar a vida selvagem ficou mais fácil?

Subida na trilha carregando o material
(Foto: Daniel De Granville)

O acesso ao melhor ponto para fotografar era por uma trilha onde, por vezes, precisávamos escalar as rochas. Visando não perturbar as aves, fizemos este percurso à noite, praticamente no escuro, e nos instalamos em um platô onde deitamos e ficamos de plantão enquanto o dia clareava.

Momentos depois dos primeiros raios de sol, olho para o lado e percebo o Guto a alguns metros se chacoalhando discretamente, pois cada movimento poderia ser captado pelos poderosos olhos da mãe gavião. Então notamos que havíamos deitado bem em cima de uma trilha de cupins, os quais obviamente não ficaram muito felizes com nossa presença. Mas, a esta altura, não havia muito a fazer, se quiséssemos fotografar.

Fotografar a vida selvagem ficou mais fácil?

Esconderijo montado para poder perturbar o menos possível as aves
(Foto: Guto Bertagnolli)

Todo o esforço e as picadas doídas nas nossas barrigas valeram a pena. Assim que a ação no ninho começou, pudemos observar e registrar todo o processo da mãe trazendo alimento para o filhote, os dois interagindo carinhosamente e ele batendo as asas de forma desajeitada, talvez ensaiando um primeiro voo. Já podíamos voltar para casa!

Fotografar a vida selvagem ficou mais fácil?

O gavião-de-penacho ao lado de seu filhote
(Foto: Daniel De Granville)

Eu mal havia desfeito as malas quando recebo a confirmação de que o ninho de gavião-real no entorno do Parque Nacional da Serra da Bodoquena estava em plena atividade! Quem trouxe a boa nova foi o Alexandre Pereira, um dos gestores do parque naquela época.

Cinco dias depois do gavião-de-penacho, eu e Guto partíamos novamente para outra aventura promissora. Foram dois dias montando plantão debaixo de uma chuvinha constante, onde ficamos imóveis no chão lamacento escondidos sob uma lona camuflada, esperando alguma coisa acontecer no ninho.

Foram intermináveis horas de espera observando um cesto de gravetos vazio, sem tirar o olho do visor da câmera para não perder o momento certo. Até que, por menos de um minuto, a mágica aconteceu e fizemos ótimos registros quando a fêmea finalmente chegou.

Acampamento pra esperar a chega do gavião-real ao ninho
(Foto: Alexandre Pereira)

Minha foto preferida foi essa abaixo, o momento em que a mãe chegou no ninho e pousou com as asas abertas. A cena da ave parecendo proteger o filhote das gotas da fina chuva que caía, para mim, era muito emblemática e poética.

E assim se encerrava um ciclo espetacular de registros fotográficos tão importantes em duas unidades de conservação da natureza, mostrando a função de tais áreas protegidas na perpetuação de espécies raras como estas.

Relembrando tais histórias e pensando nos dias de hoje, se eu tivesse que responder à pergunta que dá título a este texto a minha resposta seria “Sim”!

De um modo geral, fotografar a vida selvagem ficou mais fácil. Porém, não sem algumas considerações: como resultado disto, é cada vez mais desafiador obter imagens inéditas, surpreendentes, inovadoras, que se destaquem.

Quando penso nisto, sempre me lembro do que costumo dizer aos meus alunos de fotografia: nem sempre conseguir a foto é o mais importante, já que o privilégio de testemunhar cenas tão especiais é inigualável, como já falei na minha postagem anterior aqui no blog: O momento do fotógrafo de natureza baixar a câmera. Com mais e mais pessoas tendo acesso aos equipamentos e às espécies, postando suas fotos para o mundo todo nas redes sociais, há uma tendência em se banalizar certas imagens de bichos.

Como fotógrafo que testemunhou esta evolução, eu acho isto ruim? De forma alguma.

Gosto também de dizer aos alunos que boas imagens auxiliam na conservação da natureza. Então, se cada vez mais gente divulgar belas fotos de onças, gaviões e outros bichos, maior o engajamento da população na proteção deste patrimônio. Ao mesmo tempo, para fotografar estes animais, as pessoas precisam viajar até os destinos onde eles vivem, ajudando a sustentar toda uma equipe que está do outro lado das lentes que registram belas fotos: agentes de viagens, motoristas, pilotos de barco, guias de turismo, garçons, camareiras, cozinheiras, proprietários rurais.

Ou seja, há uma importante cadeia produtiva se beneficiando do turismo de fotografia e observação de animais no Brasil, algo que vem crescendo e se profissionalizando em tempos recentes. Estudos não faltam mostrando que a atividade turística de vida selvagem, desde que bem organizada e seguindo as regras vigentes, traz inúmeros benefícios ao nosso patrimônio natural.

O gavião-real sobre um tronco
(Foto: Daniel De Granville)

Foto de abertura: Daniel De Granville

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Ana Maria Agra
Ana Maria Agra
1 ano atrás

Deve ser muito perigoso registrar os animais selvagens. Mas é uma coragem que vale mil palavras.
Adoro suas fotos.

Daniel De Granville
Daniel De Granville
1 ano atrás

Oi Ana, grato pelo seu comentário! Quando nos preparamos antecipadamente, tomamos os devidos cuidados e respeitamos as regras e os animais, os riscos de algo ruim acontecer são muito baixos. Nas minhas aulas, gosto de contar a história sobre um cliente meu que levei para fotografar onças no Pantanal e mergulhar com sucuris no Cerrado. Ele voltou para sua casa sem qualquer intercorrência, mas poucos meses depois acidentou-se andando de bicicleta em uma ciclovia urbana e feriu-se com bastante gravidade. Então, às vezes a “selva de pedra” pode ser mais perigosa para a gente do que a selva de verdade ;-)

Saltiva
Saltiva
1 mês atrás

Valeu cada sacrifício e empenho, belos registro que show parabéns!!!

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