Cortando o verde da paisagem, lá estão elas, as estradas. Cortando o cinza das cidades, estradas. O vai e vem do progresso passa por esses caminhos de asfalto. Circulam mercadorias, pessoas e tantos animais.
Os casos de atropelamentos de fauna nas rodovias são tão frequentes que começaram a tirar o sono da bióloga Fernanda Abra. Tanto que ela passou a estudá-los na graduação, no mestrado, doutorado. Virou propósito de vida. E não é a toa.
Somente nas rodovias do estado de São Paulo, entre 2005 e 2013, quase 24 mil animais morreram em atropelamentos. Achou muito? Ela não.
“E 24 mil animais é um número subestimado. A maioria dos usuários que sofre acidentes envolvendo fauna em rodovias não faz boletins de ocorrência junto com as Polícias Rodoviárias ou junto às concessionárias. A maioria das pessoas se sente mal com relação a isso e não toma providências. Esses 24 mil só são acidentes envolvendo pessoas que procuraram a administração rodoviária ou a polícia pra serem atendidas”, conta.
De tanto andar em beira de estrada, Fernanda acabou comprovando o impacto que os atropelamentos têm para espécies já ameaçadas.
Os animais, que já sofrem com perda de habitat, queimadas, tráfico, caça, doenças transmitidas por animais domésticos, são também ameaçados nas rodovias por atropelamento.
“É altíssimo o número de antas atropeladas, um animal ameaçado de extinção. E tem também os lobos-guarás, onças-pardas, pintadas. A conservação da biodiversidade deve focar esforços pra resolver esse problema”, resume a bióloga.
Pensar soluções para a matança rodoviária virou objetivo dela. Quando é chamada pelas concessionárias que administram rodovias ela faz um diagnóstico de onde estão os pontos mais críticos para a travessia da fauna. Ao lado de outras biólogas – na empresa da qual é sócia, a Via Fauna -, analisa os dados que revelam um sem fim de perdas dos bichos que morrem e daqueles que nem chegaram a nascer.
“Quando as rodovias são construídas, fragmentam a paisagem. Os animais têm medo, então evitam atravessar, o que diminui a conexão entre os ambientes e a possibilidade das populações aumentarem”, explica.
Para encontrar saídas para as espécies que se viram presas com a falta de habitat , Fernanda cruza o Brasil e o mundo. É autora de um estudo inédito que visa criar ações que evitem atropelamentos até mesmo em terras indígenas, como a Waimiri Atroari, em Roraima.
Ali, a estrada que liga Manaus à Boa Vista ceifa vidas, de indígenas e de animais. A bióloga premiada sabe que cada espécie tem um papel ecológico importante no ambiente e que cada vida merece viver. Salvar vidas: é pra isso que Fernanda existe.
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NOTA DO CONEXÃO PLANETA: como contamos aqui, no site, em 2019, Fernanda foi contemplada com o Future for Nature Awards, um dos prêmios de meio ambiente mais importantes do mundo. E, em março deste ano, ela se uniu a outras três mulheres conservacionistas para lutar contra os atropelamentos de fauna em Bonito, Mato Grosso do Sul.
Fotos: Adriano Gambarini
Edição: Mônica Nunes