Hoje (14) pela manhã, o Papa Francisco recebeu os participantes do seminário Conhecimento dos povos indígenas e as ciências: ‘Combinando conhecimento e ciência sobre vulnerabilidades e soluções para a resiliência, promovido pelas Pontifícias Academias de Ciências e Ciências Sociais, que acontece no Vaticano até amanhã.
O encontro reúne autoridades religiosas, cientistas e representantes de povos indígenas de várias partes do mundo, entre eles Sonia Guajajara, Ministra dos Povos Indígenas do governo brasileiro.
“Deus nos fez guardiões e não senhores do planeta”
Para o Papa Francisco, as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade, as ameaças à segurança alimentar e à saúde, entre outros desafios, ainda representam os problemas críticos mais urgentes da atualidade e, para enfrentá-los, é necessário levar em conta o conhecimento dos povos indígenas e das ciências.
“A Igreja está com vocês, aliada aos povos indígenas e seus conhecimentos, e aliada à ciência para fazer com que a fraternidade e a amizade social cresçam no mundo”, declarou o pontífice, destacando o objetivo do seminário: “Reconhecer o grande valor da sabedoria dos povos nativos e favorecer o desenvolvimento humano integral e sustentável”, e também “enviar uma mensagem aos governos e às organizações internacionais em favor da justiça e da fraternidade“.
Lembrando que foi graças aos esforços da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), que nasceu uma plataforma que reúne cientistas, acadêmicos e especialistas indígenas e não indígenas, estabelecendo um diálogo que visa garantir a salvaguarda dos sistemas alimentares dos povos originários”, o Papa destacou:
“Gostaria de destacar que este workshop representa uma oportunidade para crescermos em escuta recíproca: escutar os povos indígenas, para aprender com sua sabedoria e seus estilos de vida, e ao mesmo tempo escutar os cientistas, para beneficiar-se de suas pesquisas”.
“Os projetos de pesquisa científica e, consequentemente, investimentos, devem ser direcionados decisivamente para a promoção da fraternidade humana, justiça e paz, para que os recursos possam ser coordenados e alocados para responder aos desafios urgentes enfrentados pela Terra, nosso lar comum, e pela família dos povos”.
E acrescentou. “Deus nos fez guardiões e não senhores do planeta: somos todos chamados a uma conversão ecológica, comprometidos em salvar nossa casa comum e viver uma solidariedade intergeracional para salvaguardar a vida das gerações futuras, em vez de dissipar recursos e aumentar a desigualdade, a exploração e a destruição”.
“Sabemos como fazer a proteção da biodiversidade”
Em suas redes sociais, Sonia agradeceu “o convite da Sua Santidade e o reconhecimento da luta ancestral dos povos indígenas. Juntos queremos construir um futuro de paz e proteção para toda a humanidade”.
“O evento simboliza a integração dos saberes tradicionais com a ciência e o trabalho para um mundo melhor. Durante minha fala de abertura da primeira etapa do seminário, pude destacar a necessidade urgente de uma mudança radical no que se enxerga como desenvolvimento em detrimento das nossas riquezas naturais”, salientou.
“Os conhecimentos e os modos de vida indígena são centrais para a solução de problemas que afetam o planeta, como a crise climática. Não é por coincidência que 80% da biodiversidade protegida no mundo está em territórios indígenas. É porque sabemos como fazer esta proteção”, finalizou.
Além da ministra, o músico e jornalista Eric Terena também está no Vaticano a convite do Papa.
“Vou falar de música e mudança climática. Sobre como essa mudança afeta e impacta a cultura dos povos indígenas e, principalmente, sobre os nossos saberes e a nossa cultura. Em diversas comunidades – também do povo Terena -, há inúmeras formas de construir nossa identidade e a música é uma delas”.
Em suas redes sociais, ele explica: “É por meio dela que marchamos pelas ruas do mundo em busca de nossos direitos, e proteção de nossas terras, é pelas rimas e ritmos que denunciamos a violação de nossos direitos. É por ela que também abençoamos nosso alimento, o plantio, pedimos proteção, falamos com a natureza, cantamos nos momentos tristes e vitórias da nossa vida, para um futuro melhor. A música cura! A música também é nossa ciência!”.
Entrevista com Sonia Guajajara
Depois do seminário e do encontro com o pontífice, a ministra foi entrevistada pelo Vatican News.
A seguir, reproduzimos o conteúdo dessa conversa, na qual ela destacou a “luta histórica pelos direitos dos povos originários e pelo meio ambiente, a situação dos povos na região amazônica, os desafios de sua atuação como ministra e como é possível enxergar o futuro diante dos desafios da atualidade”, contam os jornalistas Silvonei Protz (foto ao lado) e Thulio Fonseca.
Como foi o encontro com o Santo Padre?
É um encontro histórico, eu diria. É um momento em que os conhecimentos se encontram, o conhecimento tradicional se encontra com o conhecimento religioso e científico. Estamos aqui na Academia Pontifícia de Ciências do Vaticano. Para nós, é uma troca muito especial e importante para a valorização dos povos indígenas. Estamos vivendo um momento muito especial no Brasil, com a criação do Ministério dos Povos Indígenas e, aqui, este momento de troca entre sociedade civil, governo, cientistas e várias autoridades que fazem esse debate para o futuro.
A senhora também tomou a palavra no workshop “Conhecimento dos povos indígenas e as ciências”. Qual foi o tema abordado?
Como o tema deste seminário é sobre o conhecimento dos povos indígenas, é muito importante que os acordos firmados, como o Acordo de Paris, por exemplo, que reconhece o conhecimento tradicional dos povos indígenas como conhecimento científico, possam ser implementados nas várias instâncias, seja nas próprias Conferências do Clima das Nações Unidas, seja nos governos nacionais.
Então, aqui, falei um pouco sobre isso. Como é importante que o mundo reconheça o papel dos povos e dos territórios indígenas, o respeito aos modos de vida e aos saberes tradicionais para a gente conter essa crise climática.
O Papa Francisco, em seu discurso desta manhã, falou que esse encontro tem o objetivo de convocar governos, mas também grandes organizações, para reconhecer e respeitar a diversidade dentro da grande família humana. No Brasil, como está o respeito por essa diversidade?
Estamos num momento em que há reconhecimento do Poder Executivo. A criação do ministério favorece esse protagonismo dos povos indígenas, colocando a pauta indígena no centro do debate político.
Por outro lado, é uma novidade a presença indígena na mesa de tomada de decisões, o que acaba provocando muitos incômodos por parte daqueles que querem expropriar os territórios, explorar os territórios indígenas, e que não conseguem compreender o meio ambiente como uma pauta prioritária neste momento tão urgente das emergências climáticas.
Quanto é difícil ser ministra em uma pasta como essa?
É muito difícil. São muitos desafios, muitas demandas reprimidas. Foram cinco séculos para que pudéssemos ter o primeiro Ministério dos Povos Indígenas, a primeira ministra indígena, mulher indígena.
E quando nos articulamos e o presidente determina que os povos indígenas têm que ser uma prioridade para este governo, as forças contrárias também se articulam, se organizam para impedir o avanço dessas ações em defesa dos povos indígenas. Mas estamos muito confiantes, estamos em um momento muito oportuno. Muitas ações já estão acontecendo.
Acho que é uma oportunidade também para criar novas consciências sobre essa presença indígena no Brasil, sobre a valorização dos povos e dos territórios. Então, é difícil, mas é necessário. Estamos aí de pé e vamos nos manter firmes, crescendo cada vez mais com a ocupação de cargos estratégicos por povos indígenas.
Em seu discurso, o Papa disse uma coisa muito bonita: “Deus nos fez guardiões e não senhores do planeta. Somos todos chamados a uma conversão ecológica, comprometidos em salvar a nossa casa comum”. Essa conversão ecológica está ocorrendo no Brasil?
A criação do ministério é um primeiro passo. Temos pela primeira vez toda a presidência da Funai composta por povos indígenas. Acredito que esses são passos importantes para que possamos estruturar e consolidar essa presença indígena nos espaços de tomada de decisão.
É claro que a nossa presença ainda gera esses incômodos e reações adversas, mas temos que continuar acreditando que é possível conscientizar a humanidade. Esse protagonismo indígena que estamos assumindo neste momento, com indígenas no Parlamento, no Poder Executivo, em vários espaços do Judiciário, já é um bom caminho a seguir.
Acredito que essa mudança ainda vai demorar muito tempo, mas é uma abertura de portas para que essa continuidade de ocupação de espaços possa ser preenchida por vários outros indígenas, não só no Brasil, mas em toda a América Latina e no mundo.
Afinal de contas, estamos falando de um momento, de um mundo em emergência. Temos a crise climática, a crise social, a crise civilizatória. E apresentamos a pauta indígena como uma pauta humanitária e civilizatória para o planeta.
E como está a Amazônia? O que vocês estão fazendo com a Amazônia e os nossos indígenas? O que vocês estão fazendo pelos indígenas?
Os indígenas, naturalmente, são parte da Amazônia. É preciso pensar na Amazônia sempre como uma diversidade de árvores, de animais, mas também de pessoas e muitas culturas.
A Amazônia é esse lugar muito cobiçado tanto por quem quer proteger quanto por quem quer explorar. Infelizmente, com toda essa cobiça, os indígenas, as comunidades tradicionais e a comunidade local acabam pagando com a própria vida para proteger a Amazônia que serve a todo o mundo.
É preciso não só o governo local, mas o mundo inteiro olhar para essa diversidade de cultura, de povos, e juntos proteger os direitos e proteger essas pessoas que são, de fato, as protetoras. É preciso olhar a Amazônia para além das copas das árvores e enxergar quem está ali fazendo toda essa proteção. E somos nós, povos indígenas e as comunidades locais.
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Foto (destaque): Vatican News/divulgação