
Se vem das águas a vida, e se aqui as águas vêm do Velho Chico, é para ele que a população de São Roque de Minas, aos pés da Serra da Canastra, se ajoelha. O rio que corta o Brasil para matar a sede de gente, planta e bicho, tem lá seu berço.
Nasce espremido nos chapadões, corre 2.700 km pelo país a saciar lavouras, inundar vidas e inspirar a arte das carrancas.
Elas são famosas no nordeste, as carrancas da foz do São Francisco.
Mas pouca gente sabe que o primeiro carranqueiro do São Francisco não está onde o rio se faz mar, entre Sergipe e Alagoas, mas onde ele faz rio. Às margens da nascente, no cerrado mineiro nasceu Francisco das Chagas, xará do rio, como o pai e o avô.

Como o pai e o avô sempre trabalhou na roça, nunca estudou, mas só de olhar a terra, as árvores, os animais, virou ambientalista, sozinho, “aprendendo com a mãe natureza”, como ele diz.
Tocando a sanfona, lenha queimando no fogão, Chico mistura o café com um talho de queijo e um bom dedo de prosa, outro de seus talentos. Conta que se sente protegido de perto pelo santo padroeiro dos bichos e agraciado pelo rio que jorra água fresca no terreiro o ano inteiro.

“É um santo milagroso. Só São Francisco mesmo para ser um rio que ‘corre pra cima’. Nasce nas Minas Gerais e leva água para matar a sede dos nossos irmãos nordestinos”, afirma ele.
As carrancas do Chico Chagas surgem da afeição pela natureza.
Aprendeu com o avô, pescador e carranqueiro, que para entrar no São Francisco era preciso ter respeito, do contrário espíritos ruins que habitavam o leito viravam os barcos. As carrancas servem para afastar os maus agouros. Porém, Chico diz que não é ele quem cria as figuras.
“Cada pedaço de pau já vem com uma carranca dentro. A gente só lapida para ela aparecer. E nunca se deve cortar um galho para fazer a carranca. Só é permitido usar galhos secos, que a natureza já descartou”, explica ele, que sabe das coisas.
Fotos: Adriano Gambarini