A Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP), criadouro particular de aves com sede em Berlim, na Alemanha, e parceira do governo do Brasil no programa de reprodução em cativeiro e reintrodução da ararinha-azul na Bahia, divulgou uma nota neste domingo (05/11) afirmando que informou às autoridades brasileiras sobre o envio de 30 araras para o Green Zoological, Rescue and Rehabilitation Kingdom, zoológico que está sendo construído na Índia.
A declaração da ACPT acontece depois de uma polêmica gerada a partir da denúncia feita pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) sobre a transferência de 26 ararinhas-azuis (Cyanopsitta spixii) e quatro araras-azuis-de-lear (Anodorhynchus leari) para o zoológico indiano.
Apesar da parceria entre ACPT e Brasil, em nota enviada ao Conexão Planeta na sexta-feira (03/11), o Ibama e ICMBio declararam que não foram consultados sobre envio de araras brasileiras (leia mais aqui).
A descoberta sobre o envio das araras para a Índia só veio a público porque foi mencionada num documento que pauta a reunião da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Silvestres Ameaçadas de Extinção (CITES), a ser realizada na semana que vem, em Genebra, na Suíça. Durante o encontro entrará em discussão uma recomendação para o estímulo à comercialização da ararinha-azul e da arara-azul-de-lear, como “forma de financiar o trabalho de conservação e garantir populações de reserva”.
Na nota de dias atrás, o Ibama, como autoridade administrativa do Brasil para CITES, e o ICMBio, autoridade científica da entidade no país e responsável pelos Planos de Ação Nacional de Conservação das Espécies Ameaçadas de Extinção, ressaltou que “diferentemente do que foi afirmado no relatório, a transferência não ocorreu no contexto dos programas de conservação das espécies. Nenhuma instituição na Índia participa de programas de conservação de espécies brasileiras, incluindo o Programa de Manejo Populacional da Ararinha-Azul”.
Além disso, os órgãos brasileiros afirmaram que “são terminantemente contrários ao comércio de ararinhas-azuis e araras-azul-de-lear, mesmo sob argumento de custear ações para programas de conservação, e não aprovam sua venda sob qualquer justificativa. Danos em potencial são de difícil reversão para a conservação das espécies” e que “Não há excedente na população em cativeiro de ararinhas-azuis que justifique movimentações para atividades que não sejam de conservação”.
Já a ACTP alega que em 7 de novembro de 2022 informou ao Brasil sobre o começo de uma parceria com o Green Zoological, Rescue and Rehabilitation Kingdom e a exportação de algumas ararinhas-azuis para lá. Entretanto, a associação da Alemanha reforça que “a operação não é uma transação comercial e que nenhuma ararinha-azul foi vendida”.
“O empréstimo de animais é uma prática regular em programas de cativeiro para aumentar a capacidade de manejo, compartilhar conhecimento, proporcionar segurança sanitária e conscientização. Os mesmos princípios se aplicam à ararinha-azul. A ACTP empresta aves para criadores brasileiros desde 2013”, destaca.
No texto de seis páginas, a Association for the Conservation of Threatened Parrots revela que nos últimos cinco anos fez um investimento de 5 milhões de euros no projeto de reintrodução da ararinha-azul no Brasil – a ACTP foi a responsável pela construção e atualmente gere e mantem o Refúgio Silvestre em Curaçá.
“Este investimento precisa continuar pelos próximos 20 anos para garantir uma população estável de araras-azuis na natureza e sua convivência harmoniosa com a comunidade local. Devemos manter o manejo em cativeiro e a transferência regular de animais para o centro de reintrodução para soltura anual de 20 aves; restaurar mais de 24 mil hectares de habitat da espécie e plantar mais de 10 milhões de espécies nativas de árvores para fornecer abrigo e alimento para os futuros pássaros; e apoiar o desenvolvimento e melhoria da subsistência das mais de 10 mil pessoas que residem no habitat da arara-azul”.
A referência da ACTP sobre a restauração e plantio de espécies nativas na região tem relação com a empresa BlueSky Caatinga, uma subsidiária da BlueSky Global, com sede em Berlim. A companhia tem como diretor técnico Ugo Vercillo, que previamente trabalhava no Ministério do Meio Ambiente (MMA) e esteve pessoalmente envolvido no projeto de reintrodução da ararinha-azul. Foi ele, inclusive, quem enviou ao Conexão Planeta a nota emitida pela ACTP.
Entramos em contato com a assessoria de comunicação do MMA para buscar uma declaração sobre a posição da ACTP, que contradiz o governo brasileiro sobre o conhecimento da transferência das araras para a Índia. Por email, recebemos uma nota do ministério reforçando que o “Governo não reconhece a parceria entre a ACTP e o zoológico da Índia… e que não foi acionado sobre a transferência”.
“Poder de decisão soberano” da ACTP
Conforme revelamos há poucos dias, o Conexão Planeta teve acesso documentos que revelam um pouco mais sobre a parceria entre o governo brasileiro e a Association for the Conservation of Threatened Parrots.
Em um deles chama a atenção uma planilha com o mapeamento dos principais “stakeholders”, ou seja, as partes envolvidas no projeto.
Logo no início da análise aparece a ACTP, e no tópico “Fraquezas” é citado que ela tem “problemas de relacionamento com parceiros”. Já no quesito “Ameaças” aparece que o criadouro possui “planos e
expectativas instáveis e questionamentos quanto à idoneidade“.
A referência deve ser pelas denúncias feitas em 2018 pelo jornal britânico The Guardian, que levantou uma série de fatos sobre Martin Guth, proprietário da ACTP. De acordo com a reportagem da época, o alemão, preso durante cinco anos por crimes de extorsão e sequestro, poderia ter envolvimento com o tráfico ilegal de aves.
Na tabela sobre a gestão do programa compartilhada com o ICMBio é mencionado ainda que entre as expectativas da ACTP estão “ter poder de decisão soberano e ser reconhecida como responsável pelo sucesso do programa”.
*Texto atualizado em 07/11/23 para incluir a posição do Ministério do Meio Ambiente
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Foto de abertura: reprodução Facebook ACTP