O Ministério Público Federal (MPF) denunciou o ex-ministro do meio ambiente Ricardo Salles, o ex- presidente do Ibama, Eduardo Bim, e um grupo de servidores públicos e a Justiça Federal acolheu a denúncia. Todos implicados na ação que apura esquema de exportação ilegal de madeira.
A denúncia foi recebida ontem, 28/6, por Gilson Jader Gonçalves Vieira Filho, juiz substituto da 4ª. Vara Federal Criminal do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) do Estado do Pará.
Salles está sendo acusado de facilitar a prática de contrabando ou descaminho (Artigo 318 da Lei 2.848 de 1940), por dificultar ação fiscalizadora do Poder Público em questões ambientais (Artigo 69 da Lei 9.605 de 1998) e por promover, constituir, financiar ou integrar organização criminosa (Artigo 2º da Lei 1.2850 de 2013).
Bim foi denunciado por corrupção passiva (Artigo 321 da Lei 2.848 de 1940) e, como Salles, por dificultar ação fiscalizadora do Poder Público em questões ambientais e promover/constituir/financiar/integrar organização criminosa.
Servidores públicos e agentes do setor madeireiro (grupo de 20 pessoas) também foram denunciados por corrupção passiva, crimes contra a flora e organização criminosa.
As penas variam de multa a detenção de três meses a oito anos.
Operação Akuanduba investiga facilitação ao contrabando
As investigações da PF que compõem esta denúncia se baseiam na Operação Akuanduba (o nome vem de uma divindade indígena que ‘restaura a ordem’), realizada em maio de 2021 por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e presidida pelo delegado Franco Peazzoni (também exonerado por Salles).
Elas apontam para a existência de “grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais”, que envolveu Salles, servidores públicos e agentes do setor madeireiro. que apurou suspeitas de facilitação, por parte do MMA e do Ibama, à exportação ilegal de madeira do Brasil para EUA e Europa.
O MPF listou uma série de apreensões de madeira de origem brasileira nos Estados Unidos, sem documentação para exportação. Diante delas, empresários do setor madeireiro teriam buscado apoio junto a servidores do Ibama que, prontamente, emitiram certidões e ofício sem valor jurídico para tentar liberar a madeira apreendida. Mas a documentação não foi aceita “em razão da evidente ilegalidade”.
De acordo com a PF, o despacho assinado por Eduardo Bim em 25 fevereiro de 2020 foi um dos principais pontos da investigação. Com ele, a autorização específica para a exportação de madeira deixou de ser obrigatória. Liberou geral!
Ainda na esteira desse ato, que revogou a norma, Salles nomeou servidores envolvidos nas falcatruas para cargos mais altos, enquanto que, os que se recusaram a fazer parte do crime, foram exonerados.
Foram cumpridos 35 mandados de busca e apreensão que resultaram no afastamento de servidores do MMA e do Ibama, entre eles, seu presidente, e colocando Salles no alvo.
A Polícia Federal o acusava de favorecer empresários do setor madeireiro a partir da alteração das regras de fiscalização, com o intuito de facilitar a regularização de cargas apreendidas no exterior.
Operação Handroanthus: maior apreensão de madeira ilegal do país
Na denúncia do MPF, ainda falta a Operação Handroanthus (nome científico do ipê, a árvore mais cobiçada pelos madeireiros na Amazônia), chefiada pelo superintendente da PF do Amazonas, Alexandre Saraiva (que consta do relatório final da PF e ainda não foi divulgado oficialmente), que se refere à maior apreensão de madeira ilegal da história do Brasil em dezembro de 2020.
Nessa operação, a PF confiscou mais de 40 mil toras de madeira nativa extraída da Amazônia. O volume apreendido passou de 226 mil m3 e foi localizado na divisa entre os estados do Pará e do Amazonas.
Salles criticou a operação e Saraiva, indignado com a postura do então ministro, entrou com notícia-crime no STF, em abril de 2021, contra ele. Esse episódio resultou na troca do diretor da PF e na exoneração de Saraiva (no final deste post, ouça a declaração do delegado Alexandre Saraiva a respeito da denúncia e do caso).
Durante sua gestão no MMA, Salles foi o grande responsável pelo avanço do desmatamento na Amazônia. Saiu do governo, em junho de 2021, como entrou: respondendo a processos.
Em 2018, quinze dias antes de receber o convite de Bolsonaro para assumir o ministério, ele foi condenado pela justiça paulista por improbidade administrativa, acusado de alterar mapas de Área de Proteção Ambiental para favorecer mineradora quando era secretário do meio ambiente do governo Alckmin.
Ao fim de cinco meses – o julgamento foi interrompido quatro vezes -, o caso culminou com sua absolvição pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em março de 2021, o que certamente lhe deu ainda mais força para continuar cometendo crimes no ministério.
Salles e a impunidade
Em 23 de junho de 2021, o pior ministro do meio ambiente da história do Brasil deixou o pior governo da história do Brasil. Foi exonerado por Bolsonaro, ao que tudo indica a seu pedido, por alegar problemas familiares.
Mas, segundo o jornal Estadão, Salles pediu demissão após saber que seria preso e que a ordem judicial partiria do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
E agora? Sua primeira reação, ontem, ao ser questionado pelo site Poder 360º foi desqualificar a denúncia, pra não variar, chamando-a de “prematura”. Salles disse que o órgão não aguardou a publicação do relatório final da investigação da PF, que não teria elementos contra ele.
“Para não ter constrangimento que diria o que não querem ouvir, se anteciparam e fizeram uma denúncia prematura, cheia de suposições e que não condiz com a realidade”. E acrescentou: “Tudo isso mostra a vontade de fazer algo para me atacar e prejudicar, o que é desprovido de julgamento”.
Em seu perfil no X (ex-Twitter), certo da impunidade, escreveu: “Procuradores apresentaram denúncia das madeiras contra mim e os coronéis da PM que trabalhavam comigo (alguma surpresa!?!) , contrariando, inclusive, conclusões do próprio delegado do caso. Veremos. Tenho certeza que a seriedade e imparcialidade do Judiciário demonstrarão a falácia ali contida. Avante”.
Quem ri por último….
O grande desafeto de Salles, o delegado da PF Alexandre Saraiva, celebrou a notícia da denúncia do MPF hoje cedo em suas redes sociais, destacando um esclarecimento:
“Muito feliz hoje com o recebimento da denúncia contra Ricardo Salles pelo Poder Judiciário por organização criminosa. Ricardo Salles, o ex-presidente do Ibama e mais 20… enfim, uma gama de criminosos que estavam lá destruindo a Amazônia.Mas eu preciso esclarecer algumas coisas pra vocês.
Esta é só a primeira ação penal a qual ele vai responder, ainda relativa à Operação Akuanduba, presidida pelo delegado Franco Peazzoni, no Distrito Federal. Ainda falta a Operação Handroanthus que é aquela da maior apreensão de madeira ilegal da história – 226 metros cúbicos de madeira! – na qual ele também está envolvido junto com Carla Zambelli, Zequinha Marinho, Mario Motta etc.
Então, vamos aguardar. Foi dado um grande passo. O que eu venho denunciando se mostrou verdadeiro. Vou inclusive utilizar nas minhas defesas. Esperando a próxima. A Selva nos une!” (assista ao vídeo no final deste post).
Trajetória desqualificada também no Congresso
Em janeiro deste ano Ricardo Salles assumiu uma cadeira no Congresso Nacional como deputado federal e, desde maio, é relator da absurda CPI do MST que, certamente, serve aos interesses do agronegócio, patrocinador de muitos dos parlamentares que lutaram pela instalação dessa comissão.
Sua trajetória política continua sendo marcada pelo ataque e a desqualificação de projetos e movimentos sociais, além de parlamentares progressistas. Quem sabe essa figura impossível de admirar está com os dias contados.
_________________
Assista, a seguir, a declaração do delegado da PF Alexandre Saraiva sobre a denúncia do MPF:
Foto: reprodução Instagram Ricardo Salles
Com informações do G1,