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Paula Arantes: turismo como forma de engajamento socioambiental

Ainda na adolescência, a turismóloga Paula Arantes percebeu que propiciar encontros entre moradores das grandes cidades com os de comunidades tradicionais poderia ser uma experiência transformadora para ambos os lados. Habitantes de metrópoles, em contato com a natureza, compreendem melhor a importância dos recursos naturais e do conhecimento guardado pela população local, e os guardiões dessas riquezas se sentem valorizados e podem usufruir de melhor qualidade de vida.

Por isso, desde os anos 1990, Paula participa de projetos ligados ao turismo socioambiental. As experiências se iniciaram na Mata Atlântica, em São Paulo, mas a levaram também para a Amazônia e vários outros países. Sempre lutou para que o turismo seja sustentável em todas as pontas e um instrumento de conscientização.

Sua atuação, principalmente na produção da Adventure Sports Fair, principal evento de esportes e turismo de aventura na América Latina, a levou a ter contato também com questões ambientais mais amplas, como desperdício, reciclagem e estilo de vida consciente.

Trouxe essa prática para sua vida e realizou a grande aventura de construir uma casa totalmente sustentável a partir de materiais usados e reciclados, que garimpou em caçambas e demolidoras na cidade de São Paulo. O resultado é um imóvel cercado de mata, com paredes formadas por portas e janelas descartadas, que tem servido de inspiração para outras pessoas interessadas em um consumo mais amigável.

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Nesta entrevista para o Mulheres Ativistas, no Conexão Planeta, Paula conta como foi o processo de construção de sua casa e como leva seu ativismo tanto a seu trabalho – hoje focado em turismo comunitário na Amazônia – quanto em suas relações e atividades pessoais. “Busco coerência em tudo o que faço. Por isso, trabalho em projetos nos quais acredito e procuro mostrar minhas convicções pelo exemplo”, diz.

De onde vem seu interesse pelo turismo de natureza?

Desde muito pequena vinha para Embu das Artes (interior de São Paulo), na chácara da família, o que me mostrava o contraste do urbano e do rural. Mas o que mais me marcou foi uma viagem de estudo do meio que fiz com a escola para a Ilha do Cardoso, no sul do estado, quando tinha uns 14 anos. Coincidentemente, esse foi o lugar do meu primeiro trabalho profissional na área.

Naquela viagem, conhecemos pescadores e suas famílias e me chamou a atenção o fato de eles não terem orgulho daquilo que nos maravilhava. Ao nos verem emocionadas, porém, começavam a repensar seus valores. A segunda viagem que fiz com a escola foi para o Pantanal, e me deslumbrei de vez. Mas percebi que nem todos os meus colegas valorizavam aquilo, muitos preferiam ficar no bar. Pensei em quanto era importante propiciar encontros entre esses mundos tão diferentes e disse para a professora que queria levar pessoas para ver a natureza e suas comunidades.

Quando terminei o segundo grau, tirei um ano sabático e fui para os Estados Unidos e, de lá, para a Europa, onde comprei, junto com um primo e um amigo, uma Kombi velha na qual moramos e rodamos por 40 dias entre Inglaterra, França e Itália. Equipamos a Kombi com o que achávamos em caçambas na rua ou comprando coisas usadas pelo caminho. Essa experiência abriu minha cabeça para o valor de cada cultura, além de deixar claro que o consumo nunca me pegaria. Tudo o que tive, foi para viajar.

Pensei em estudar biologia, mas o curso não era focado em ecologia. Optei por hotelaria, mas não me satisfez. Fui para a Alemanha para um estágio que acabou não dando certo por eu ser estrangeira. Acabei trabalhando como babá por alguns meses e, depois, rodei novamente pela Europa.

Na volta, soube que o Oliver Hiller, especialista em biologia e hotelaria com quem havia feito um curso de ecologia da Mata Atlântica, estava lançando uma pós-graduação em turismo ambiental no Senac. Fiz o curso na turma de 1995.

Foi nessa época que foi criado o Polo Turístico do Lagamar?

Sim. O projeto na região conhecida do Lagamar, no extremo sul de São Paulo, estava sendo idealizado pelo Oliver e pelo João Allievi, professores do curso, para começar na Ilha do Cardoso, e me ofereci como voluntária ainda antes de haver patrocínio. O Polo Turístico de Lagamar era uma parceria com a SOS Mata Atlântica, ONG da qual eu já era sócia antes de sair do Brasil. Me encantei com a motivação das pessoas na SOS de trabalhar com uma causa, com a diversidade de temaságua, floresta, turismo – e o processo colaborativo, onde todos se ajudavam.

A metodologia do Polo Turístico era inovadora na época: organizar operadores de turismo para levar pessoas para o Lagamar e preparar a população local para recebê-las. Também era arrojado ter uma ONG ambientalista reconhecendo a importância de sensibilizar pessoas para a causa socioambiental por meio do turismo. Se bem feitos, o turismo sustentável, o ecoturismo e o etnoturismo não só proporcionam uma experiência de vida para quem vive nas cidades, mas garantem que os moradores sejam valorizados e vislumbrem um futuro no local.

No Lagamar, não havia a cultura do bem-receber e as comunidades não conheciam umas às outras. Passaram a se associar e a pensar em roteiros e negócios. Muito do que foi feito permaneceu.

Esse projeto determinou suas escolhas profissionais?

O Polo ficou ativo entre 1995 e 1998, quando Oliver foi convidado para ser o coordenador internacional do programa de ecoturismo da Conservation International em Washington, nos Estados Unidos. Ele me convidou para ir até lá apresentar o projeto para outras organizações e conhecer outros projetos. Fiquei três meses e ganhamos um prêmio internacional reconhecendo nossa metodologia como uma oportunidade de desenvolvimento local.

Também abriu portas para mim. Fui aprovada no Programa LEAD – Leadership for Environment and Sustainable Development. A partir disso, tive contatos com experiências na Amazônia, na Nigéria, no México. Me encantei com a diversidades de povos, culturas, pensando em desenvolvimento sustentável e futuro do planeta. Também conheci iniciativas pela Rede de ONGs da Mata Atlântica e acompanhei as discussões, no início dos anos 2000, de critérios para que o turismo não fosse vilão da sustentabilidade.

E essas discussões sobre sustentabilidade chegaram à indústria do turismo no país?

A partir de 2004, passei a participar da Adventures Sports Fair, feira de turismo de aventura que existe até hoje em São Paulo. Depois, em parceria com a SOS Mata Atlântica e outras ONGs, criamos o Fórum Interamericano de Turismo Sustentável, que trazia conceitos de sustentabilidade para o turismo comercial, apresentando e reconhecendo iniciativas de boas práticas.

Mas fiquei incomodada porque a feira discutia sustentabilidade, mas não tinha uma gestão ambiental do evento. O desperdício me deixava doente. Trouxemos, então, uma cooperativa de coleta seletiva para montar e desmontar os estandes e fizemos disso uma atração. Passamos a medir a pegada de carbono do evento e a compensar essa pegada, o que era raro na primeira metade dos anos 2000. No primeiro ano, baixamos de 24 para quatro caminhões de lixo no evento. Descobrimos, por exemplo, que podíamos doar carpetes que iriam para o aterro para uma cooperativa de mulheres que trabalhavam seis meses com esses resíduos.

Por dez anos, fizemos a mostra de sustentabilidade, onde havia exposições de painéis solares, bioarquitetura, certificação florestal e de alimentos orgânicos. Chegamos a construir um ecopousada com tudo sustentável – materiais, tratamento de água potável e esgoto, painel solar, uniformes dos funcionários de PET, telha de Tetra Pak e tubos de pasta de dente, coleta seletiva… Partíamos do princípio que, para comprar turismo sustentável para as férias, o consumidor precisa estar engajado com o tema como um todo.

Foram essas iniciativas que te inspiraram a construir uma casa apenas com materiais reciclados?

Conheci materiais e soluções que trouxe para minha vida. Por exemplo, produtos biodegradáveis para hotelaria, que uso até hoje em casa. A água da minha pia vai para o jardim para molhar a bananeira da qual vou comer. Também comecei a visitar cooperativas e ver quanta coisa boa as pessoas jogam fora. Passei a reparar nas coisas bacanas que se descarta nas caçambas da cidade, principalmente no final do ano, época de reformas. Pensava, como essa madeira, que foi uma árvores maravilhosa, virou uma porta jogada fora apenas porque não está na moda? Para que jogar fora madeira nobre que pode ser lixada e ficar nova?

Na época, morava em apartamento em São Paulo. Um dia vi, na internet, uma foto de uma casa no meio da mata construída com janelas e resolvi fazer minha própria casa com o que conseguisse. Propus aos meus pais usar parte do terreno da família e aproveitar a estrutura da oficina do meu pai. Melhorei a estrutura para fazer a cobertura e um segundo andar.

Comecei a caçambar. Meu programa era sair de carro levando luvas grossas, cordinha e álcool gel. Rodava os bairros pegando janelas, tacos, portas. Apenas na Vila Madalena, consegui mais de 20 janelas descartadas por um prédio que trocou persianas de madeira por alumínio. Às vezes também garimpava em demolidoras, principalmente vidros e madeiras. Achei uma estrutura de telhado de peroba maciça que virou chão da minha casa.

Arquitetos começaram a me avisar quando iam descartar coisas bacanas, como pias maiores – muitos deles ficam indignados porque não têm o que fazer com esses materiais. Pessoas que trabalham nas obras, muitas vezes gostariam, mas não aproveitam porque não têm como transportar.

Quanto tempo você levou para construir a casa e como ela é?

A casa ficou habitável em menos de dois anos desde que comecei a coletar, embora ainda não esteja totalmente pronta. Isso porque me faltavam recursos para mão-de-obra. Se tivesse, acredito que poderia ter construído em seis meses. Fui firme no propósito de não comprar nada novo. A única peça foi um vaso sanitário, cuja tecnologia permitirá instalar, no futuro, um biodigestor.

Tenho uma parede de oito metros de largura e dois andares formada por quase 50 janelas e mais de 20 portas, algumas abrem e outras não. As paredes internas foram feitas com um piso de shopping center, além de uma divisória que é uma porta de camarim. Os móveis são todos antigos, que ganhei ou comprei de amigos e parentes, incluindo o baú da vovó. Ainda não tenho pia no banheiro do andar de cima porque não achei.

Encontrei uma banheira de ferro jogada em um depósito e me cobraram uma valor irrisório. Mas, um dia, dirigindo para uma festa, achei uma ainda mais legal. Chamei meus amigos que me ajudaram a carregar. Peguei armários inteiros na rua. O que me fascina é tentar entender a história das coisas. Quando achava algo, só pensava naquilo até poder buscar. Pedi ajuda até para morador de rua. E influenciei muita gente, principalmente as que trabalharam na obra, a ver que é possível reaproveitar e reutilizar.

Você diz que conhecer novas realidades e maneiras de fazer pode ser transformador. Como foi a experiência que reuniu altos executivos e comunidades?

A partir da participação no LEAD, tive a oportunidade de participar de um projeto que usava o ecoturismo como ferramenta para capacitação de pessoas. Fui contratada por um grande banco internacional para escolher lugares para imersão de executivos – de várias partes do mundo e formados nas melhores escolas de economia – em comunidades.

Eles tinham uma semana para conviver com as pessoas e pensar em soluções para os problemas da comunidade: comercialização de castanhas e joias da florestas para indígenas no Mato Grosso, roteiros turísticos para quilombolas de Paraty, criar uma rede de ONGs locais em Cananeia, melhorar a comercialização de mariscos em Ubatuba, estruturar uma cooperativa de resíduos em Parelheiros, na periferia de São Paulo. Coordenei esse projeto por vários anos no Brasil e no México, com destinos simultâneos.

Era difícil para os executivos entender as motivações das comunidades. Por exemplo, uma dona de pousada que dizia não querer mais dinheiro, apenas ter hóspedes o ano todo para ter companhia. Eram futuros diretores de banco que reviam seus valores, se emocionavam. Algumas pessoas que participavam repensaram a vida e, após a experiência, pediram demissão porque viram que a vida não faria sentido no banco. Para a maior parte, ficou o pensamento de que é importante pensar nas consequências do que vai financiar.

Hoje você participa de um projeto de turismo comunitário na Amazônia. Há mercado para esse tipo de roteiro?

Atualmente, trabalho na Garupa, ONG que ajuda pequenas iniciativas de turismo de base comunitária que beneficie seus moradores (colaborou – e teve um blog – com o Conexão Planeta). Um desses projetos nos chegou por meio de um projeto de turismo do Instituto Socioambiental (ISA) nas terras indígenas do Médio Rio Negro, no Amazonas.

Já na primeira expedição, em 2016, com um grupo interinstitucional e multidisciplinar, percebemos que os índios estavam organizados e sabiam o que queriam mostrar e o quanto queriam interagir. Criaram trilhas, fizeram banquinhos, corrimãos…

A Garupa os ajudou a criar dois roteiros em três comunidades e a fazer conexão com o público. Ajudamos a delimitar com o que precisavam se preocupar. Quando oferecemos os roteiros na internet, em 2017, conseguimos mais de 100 interessados em duas semanas, mas só tínhamos dez vagas. Em um mês, havia 180 inscritos para 20 vagas. Desde então, fazemos expedições e sempre com grande aprendizado. O objetivo é ser uma atividade complementar, que forneça renda, sem atrapalhar a rotina deles.

Seu ativismo é uma postura de vida – como revelou na construção de sua casa –, não apenas como um propósito de trabalho. Como é isso?

O ambientalismo é necessário para o planeta como um todo. Não sobreviveremos se continuarmos como estamos. Por isso, acredito que vivenciar outros modos de vida é uma oportunidade para percebermos que esse modelo de sociedade urbana capitalista não vai dar certo.

Tudo o que pude testar comigo, testei. Não como carne há mais de 20 anos. Tento influenciar pelo exemplo, meu ativismo é compartilhar informação para quem não tem contato com o tema. Mostrar que é importante ver o que está por trás daquele serviço que consumo: saber de onde vem e como são produzidos a alface que me alimenta ou o turismo que faço.

Edição: Mônica Nunes

Foto: arquivo pessoal

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