Logo que comecei a fotografar natureza aqui na Mata Atlântica do Espírito Santo, macacos eram animais que eu não conseguia encontrar com muita frequência. Talvez fosse pela falta de experiência ou pela falta de recursos para ir a regiões mais distantes e preservadas. Fotografar macacos tornou-se um sonho à ser realizado. Imagens de animais silvestres tão fascinantes, nossos primos distantes, até então, eram raras de serem vistas. No Espírito Santo então, eram pouco registrados, sendo as imagens existentes restritas aos círculos de projetos científicos que estudavam as espécies, os quais na época eu não tinha nenhum acesso. Porém, as coisas mudaram.
Nesses cerca de 12 anos de trabalho com fotografia de natureza, presenciei avanços enormes tanto na tecnologia de captação das imagens, quanto no crescimento astronômico da internet e no despertar do interesse pela difusão do conhecimento sobre a biodiversidade pelos cientistas.
Lembro bem do meu início na profissão. Em campo, sem entender nada de comportamento animal, além do que havia visto em programas de TV, com uma câmera compacta de 4 megapixels e 4x de zoom… As limitações me fizeram buscar alternativas tanto em como explorar ao máximo aquele equipamento de acordo com a situação, mas também, buscar alternativas de como adquirir um novo equipamento (essa parte fica para uma outra história, pois envolve ir trabalhar em outro país e muitos meses de muito sacrifício).
Lembro ainda que a internet mais parecia um catálogo de cartões de visita, onde até no Google, só havia sites de empresas e pouquíssimas informações sobre assuntos específicos. Apesar de ter tentado muito, não encontrei quase nenhuma informação concreta sobre fotografia de natureza e comportamento animal. A solução mais uma vez foi buscar soluções, aprendendo na prática, e desenvolvendo técnicas e equipamentos alternativos.
Quanto à comunidade científica, a história é semelhante. Não sabia da existência dos projetos, talvez por falta de conhecimento da minha parte ou pela falta de informações online (na época, não pensei em procurar na Universidade). Foi só durante a produção de meus livros (cinco até o momento), que em campo, fui conhecendo os pesquisadores que hoje são grandes parceiros.
Ah, sim, os macacos. É aí que eles entram. Nas lutas pela conservação da natureza, fui apresentado aos parceiros do Projeto Muriqui, que atuam desde 2002 visando a construção de uma estratégia de conservação da espécie.
Na época, já havia tido encontros casuais com diversas espécies de macacos, mas nunca uma imersão no meio deles. Foi então, que surgiu o convite para participar de uma expedição para realizar a translocação de uma fêmea de muriqui-do-norte: levá-la de uma mata para a outra.
O muriqui é o maior primata das Américas. Ele tem características sociais e comportamentais muito peculiares. Com relações igualitárias, com grupos sociais pacíficos e sem domínio de um gênero sobre o outro.
Atualmente, a espécie sofre com a fragmentação florestal, que isola os grupos, fazendo com que os animais tenham dificuldade de migrar entre os mesmos. As fêmeas quando tornam-se adolescentes abandonam o grupo no qual nasceram e vão procurar outro para acasalarem e terem seus filhotes, com uma variedade genética mais forte. Como cada grupo social está em um fragmento florestal sem ligação entre si, uma fêmea quando parte em sua jornada para encontrar outro grupo, não tem para onde ir, e acaba vagando sozinha pela floresta.
Tendo isso em vista, o Projeto Muriqui tem a iniciativa de levar fêmeas na idade correta para outros fragmentos já mapeados e com outros grupos. E isso não é uma tarefa fácil. Esses animais, apesar de muito dóceis, são bem espertos e conseguir capturar um deles requer uma logística complexa, profissionais especializados e muitos dias em campo. Foi em uma dessas expedições que fui convidado para registrar todo o processo.
Os dias na mata, acompanhando os grupos de muriquis eram exaustivos, devido ao relevo acidentado, subindo e descendo barrancos o tempo inteiro, com equipamentos pesados nas costas. Porém, nos momentos em que os muriquis nos propiciavam cenas de seu comportamento nas copas das árvores, tudo valia a pena.
Foi em um desses momentos que presenciei a cena inusitada da fotografia que ilustra estetexto. Eu estava junto a um bando de muriquis, indo em direção a essa grande embaúba para cruzar a estrada de terra na qual eu me encontrava. Ao mesmo tempo, um grupo de bugios vinha na direção contrária. Já tinha ouvido histórias de que as duas espécies não tinham uma interação muito amigável, mas para mim, eram só histórias. Eu estava prestes a presenciar o que realmente acontece quando os dois se encontram.
Preparei a câmera e estava com a adrenalina a mil, esperando uma briga daquelas!
Os bugios chegaram primeiro na árvore que era a travessia mais fácil por cima da estrada. Porém, notaram que os muriquis se aproximavam e diminuíram o passo. Para mim, parecia um desafio aos muriquis que vinham pulando de galho em galho. O bugio que parecia ser o macho alfa, com sua pelagem avermelhada e o papo avantajado, característico da espécie, parou no meio do galho que fazia ligação entre os dois blocos de floresta. Isso não intimidou os muriquis, que apriximavam-se velozmente.
Eu, ansioso pelo combate, me preparei para registrar o momento.
Foi aí que aconteceu a cena da foto, que me fez refletir sobre meu pré-conceito sobre os animais e sobre o que eles podem nos ensinar tanto.
O muriqui, com um filhotinho nas costas, aproximou-se do bugio, parou em um galho à um metro dele, sentou-se e assim ficou: um de frente para o outro, durante alguns minutos, como dois “cumpadres” proseando quando encontram-se no meio da rua de cidade do interior. Apesar dos colegas do Projeto Muriqui dizerem que não houve uma confraternização entre eles, mas sim, tolerância, minha alma sensível de artista continuou feliz, pois tolerância é também uma coisa que estamos em falta hoje em dia..
Aquilo me “desmontou”. Eu esperando o pior dos animais, e eles me ensinando uma importante lição… Nós, que nos consideramos tão desenvolvidos e inteligentes, vivemos em conflito entre nós mesmos, com as outras espécies e com o planeta.
Fiquei ali, apreciando aquele encontro, deslumbrado pela beleza da cena, que mal consegui registrar, devido a vergonha que senti, de esperar o pior dos macacos. Os muriquis, expressão indígena que significa “povo manso da floresta”. E os mesmos bugios que foram dizimados pela febre amarela e injustamente perseguidos pelos humanos.
Lembrei de meu sonho em fotografar macacos. E naquele momento, registrava duas espécies icônicas na mesma foto. Espécies com as quais temos muito o que aprender.
Afinal, somos nós os racionais, não é mesmo!?
Bela reportagem.