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Saúde mental e economia solidária voltam a ter a atenção do governo federal

Já escrevi algumas vezes, aqui, no blog, sobre a relação entre saúde mental e economia solidária. Nos últimos seis anos – governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro -, as duas áreas sofreram com a suspensão de políticas públicas e de recursos, e com retrocessos muito grandes em relação às conquistas nos governos anteriores.

Organizações da sociedade civil entregaram ao presidente eleito, Lulaainda em campanha -, suas reivindicações para essas áreas. E antes de completar o primeiro mês de governo, a sinalização da volta ao prumo já veio. Ainda são medidas iniciais, mas muito simbólicas do lugar que essas duas áreas terão nas atenções do governo federal.

Saúde Mental

Pela primeira vez será criado um Departamento de Saúde Mental na estrutura do Ministério da Saúde. O foco será o fortalecimento dos Centros de Atenção Psicossocial, os Caps. A ideia é atender à população que sofre com transtornos mentais de modo humanitário e mais amplo. A quantidade de pessoas em sofrimento mental aumentou significativamente no Brasil – e no mundo – após a pandemia da covid-19.

Entre as prioridades já anunciadas pelo médico Helvécio Miranda, que assumiu a Secretaria de Atenção Especializada do Departamento de Saúde Mental, estão o diagnóstico da situação, o esforço para libertar pacientes crônicos ainda em manicômios e habilitar centenas de Caps no país. Outro compromisso já anunciado é a retomada da Conferência Nacional de Saúde Mental.

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A nossa Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras drogas, reconhecida internacionalmente pela ONU como modelo a ser seguido por outros países, é fruto de ampla mobilização da sociedade civil, realizada a partir da Reforma Psiquiátrica.

Substituiu o internamento de pessoas em manicômios – onde eram submetidas a tratamentos terríveis, em condições desumanas, apartadas do convívio em sociedade – pelo atendimento nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), Serviços Residenciais Terapêuticos, Centros de Convivência e Cultura, Unidades de Acolhimento e leitos em hospitais gerais.

A abordagem promove o atendimento integral no lugar da internação compulsória e a emancipação social no lugar do enclausuramento, priorizando o respeito à autonomia, o cuidado, o trabalho em rede e a inserção social.

No entanto, desde 2017, os retrocessos vieram com força, quando a ABP – Associação Brasileira de Psiquiatria e a FEBRACT – Federação das Comunidades Terapêuticas se movimentaram para desconfigurar a Política Nacional de Saúde Mental. Escrevi sobre isso aqui.

Em 2020, a mesma ABP propôs a revisão da RAPs – Rede de Atenção Psicossocial e um modelo assistencial em saúde mental que previa a revogação de quase uma centena de portarias – entre as quais as que criam as equipes de Consultório de Rua, Serviço Residencial Terapêutico e Unidade de Acolhimento.

Também propunha a revisão dos financiamentos dos Caps, a criação de ambulatórios gerais de psiquiatria e de unidades especializadas em emergências psiquiátricas e a revogação do programa de reestruturação da assistência psiquiátrica hospitalar no SUS.

Uma inspeção nacional realizada em dezembro de 2018, em 40 hospitais psiquiátricos localizados em 17 estados brasileiros, em todas as regiões do país – cerca de 1/3 daqueles que ainda se encontravam em atividade naquele momento –, demonstrou que as violações perpetradas por hospitais psiquiátricos ainda estão presentes no país.

Em 2022, Ministério da Cidadania colocou na rua o Edital de Chamamento Público 3/2022 para financiar projetos de hospitais psiquiátricos. O então governo federal destinou R$ 10 milhões a manicômios e cortou recursos do SUS.

Ao que tudo indica, voltamos às diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental, construída a várias mãos a partir da Reforma Psiquiátrica, referência em vários países do mundo. E ao diálogo e à construção coletiva com a sociedade civil. O grande desafio é conseguir o orçamento para implementar políticas públicas que retomem o caminho.

Economia Solidária

A nova Senaes – Secretaria de Economia Solidária parte da estrutura do Ministério do Trabalho e já tem titular: Gilberto Carvalho, que foi, por dois mandatos, chefe de gabinete de Lula.

A Senaes foi criada em 2003 a partir de ampla mobilização da sociedade civil, tendo como base experiências práticas de autogestão de trabalhadores e trabalhadoras.

Rebaixada à subsecretaria no governo Temer, deixou de existir e foi transformada em departamento do Ministério da Cidadania no governo Bolsonaro. Dentro do ministério, a economia solidária estava associada à Secretaria de Inclusão Social e Produtividade Urbana, o que promovia a fragmentação das políticas de apoio e fomento ao cooperativismo e associativismo solidários.

setor rural da economia solidária foi separado do urbano e passou a ser parte do Ministério da Agricultura, subordinado à Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo.

A fragmentação da economia solidária e essa separação entre o urbano e o rural reduzem a força de políticas públicas integradas e retomam uma lógica de segmentação que não dá conta da pluralidade de arranjos da economia solidária.

Além da recriação da Senaes, novamente vinculada ao Ministério do Trabalho – que também havia sido extinto pelo governo Bolsonaro -, o legislativo também deixou sua contribuição ainda na gestão anterior, ao aprovar, no Senado, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 69/2019) que inclui a economia solidária entre os princípios da ordem econômica nacional.

Na justifica original apresentada na PEC, o senador Jaques Wagner (PT-BA) aponta que a ordem jurídica (estabelecida pela Constituição) pode transformar a ordem econômica real, passando a ser base para formulação e implementação de políticas públicas.

A UNICOPAS – União Nacional das Cooperativas Solidárias apresentou às candidaturas, durante o processo eleitoral de 2022, a Plataforma do Cooperativismo Solidário. E elaborou, juntamente com o FBES – Forum Brasileiro de Economia Solidária, um documento básico para apresentar, ao governo de transição, propostas de implementação imediata da retomada de estratégias de desenvolvimento, com centralidade na economia solidária e no cooperativismo solidário.

O apoio e o fomento à agricultura familiar, que é parte considerável da economia solidária, também já foram sinalizados pelo atual governo. Agora, é acompanhar com atenção os desdobramentos dessa movimentação.

Foto: Ross Sneddon/Unsplash

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