Fevereiro começa e a rotina da cidade ganha um outro movimento: as crianças voltam à escola. Na última sexta-feira, 3/2, depois das 17hs, checando as redes sociais, a Ana Carol (uma das autoras deste blog) foi surpreendida por imagens que lhe chamaram a atenção. Todas eram de professoras que também são mães de crianças da escola Stagium, em Diadema/SP. Elas postaram fotos dos uniformes da escola molhados e cheios de lama, sempre acompanhados de textos sobre a beleza de receber seus filhos com a roupa naquela situação.
Como o projeto Ser Criança é Natural (que dá nome a este post) já esteve na escola conversando com os professores sobre a importância de brincar com a natureza, e também acompanhou a rotina das classes de Educação Infantil, a Ana Carol tratou de entrar em contato para saber mais sobre essas atividades que deixam os uniformes cheios de lama, sobre as crianças, enfim, sobre essa experiência. As professoras Micleane Crispim, Geise Anjos, Regina Bispo e Gisele Paiva logo contaram tudo, com muito entusiasmo.
A escola tinha preparado uma surpresa para os pequenos. Ainda durante as férias, as crianças receberam em casa uma carta, pelo correio, escrita pelas professoras que as convidavam para esse retorno. A carta dizia: “Esperamos você para juntos aprendermos coisas novas, ouvir histórias, pular, rolar, se esconder, pintar, fazer chuva de mangueira, pular nas poças de água, fazer bolo de terra, ser feliz e sonhar”.
No primeiro dia do mês, as crianças chegaram na escola animadíssimas e a carta era o assunto principal. O convite feito dava conta das experiências que aconteceriam ao longo do ano. No entanto, logo no primeiro dia as frases que as professoras mais escutaram foram: “É hoje que vamos pular nas poças? E o banho de mangueira?”. Tão ansiosas por esse momento quanto as crianças, as professoras do Grupo 4 (crianças de 4 anos) trataram de fazer isso acontecer logo.
O contato com a natureza é muito valorizado pela gestão dessa escola que, na contramão da artificialização dos espaços da maioria, optou por ter no parque somente brinquedos de madeira e chão de terra. As professoras deixam disponíveis materiais que convidam as crianças para as brincadeiras. São panelas, formas, potes, jarras, bacias, colheres. Próximo destas também há torneiras para que as crianças fiquem à vontade para buscar água.
Ao saber que o momento tão esperado estava chegando, as crianças já falavam sobre suas estratégias para a brincadeira como, por exemplo, “para fazer a poça é só pegar a água e jogar na terra”. E foi o que fez a primeira turma que chegou no parque da escola: tratou logo de produzir a poça desejada. Munidas com panelas, jarras e forminhas de empada cheias de água, as crianças percorriam o trajeto entre a torneira e o local escolhido para a poça, carregando a água com destreza e autonomia, e a despejavam no chão.
As poças começaram a surgir. O trabalho então se dividiu entre as crianças que comemoravam o aparecimento da poça tão esperada e já começavam a saltar sobre ela, e outras crianças que continuavam a buscar água para aumentar a poça. Quando todas as crianças se reuniram ao seu redor, perceberam que ela estava pequena e era insuficiente para que todos ficassem dentro dela. Logo, mais crianças se mobilizaram para aumentar a área da diversão.
Para conseguir mais água, passaram a usar bacias maiores. A ação, que começou com o apoio da professora, logo se transformou. Foi possível ver a organização das próprias crianças, que caminhavam e carregavam juntas e cantavam no caminho “Trabalho em equipe! Trabalho em equipe!”.
A brincadeira ficou grande. Era possível ver as crianças espalhadas pelo quintal em diferentes ações. Pulando nas poças, fazendo bolinhos de terra, cavando, tomando banho nas bacias espalhadas pelo espaço. Crianças descobrindo movimentos, ação e reação, transformações da cor da água.
Para alguns, a lama e a água na roupa começaram a incomodar. Normalmente, quando alguma sensação de desconforto acontece, impede a criança de estar na experiência por completo, utilizando todos os sentidos. Assim, para continuar nesse movimento, elas tiravam as roupas e seguiam na brincadeira.
Outras crianças não quiseram se aproximar, mesmo com o incentivo das professoras. Neste caso, o respeito ao tempo das crianças é o caminho. “Elas têm o ano todo pela frente!”, explicou a professora Regina.
As roupas cheias de marcas das experiências com a lama seguiram para casa junto com um bilhete roupa cheia de alegria. O recado valorizava a brincadeira, o momento, as descobertas e foi com alegria que recordamos que essa tinha sido uma de nossas dicas quando oferecemos formação para as professoras de educação infantil desta escola.
Durante a experiência, as professoras acompanharam os movimentos naturais das crianças, contemplando e se encantando. “Nesse movimento, vi entrega, partilha, colaboração, aprendizagens e muita felicidade. Havia terra, areia, água, vento, sol e gente inteira. Havia sensações, aprendizagens e sentimentos. Havia vida e eternidade. Fomos todos afetados e tivemos mais uma certeza: de que a criança precisa de tempo, espaço e natureza para experimentar, elaborar, criar e imaginar. Elas podem e muito!”, relatou a professora Micleane.
Nosso desejo é que cenas como as que mostramos aqui neste post – feitas durante o primeiro dia de atividades na escola Stagium – aconteçam em todas as escolas pelo Brasil, e que todas as crianças tenham a oportunidade de experimentar momentos como esses.
Uma escola que valoriza o brincar com a natureza, a simplicidade e a sensibilidade é possível e as crianças merecem!
Fotos: Divulgação
Que relato inspirador e belo! Nessa mesma direção, sugerimos um texto nosso: http://ninguemcrescesozinho.com.br/2016/06/06/num-mundo-de-processados-a-crianca-nao-aprende-o-que-e-processo/
Tenho certeza que era uma escola Waldorf!