Desde 2014, todo ano a revista americana TIME escolhe os jovens mais influentes do mundo, aqueles que, por sua atuação, fazem a diferença e podem ser considerados futuros líderes: The Next Generation Leaders. Alguns, na verdade, nem precisam esperar o futuro porque já são líderes e têm transformado pra melhor a vida de muita gente e os caminhos por onde passam.
A lista não tem limite de eleitos: num ano, destaca 30, em outro 20, em outro ainda 10, como é o caso da seleção deste ano, que dá destaque a um brasileiro: René Silva, jornalista e ativista carioca de 29 anos, nascido e criado no Morro do Adeus, comunidade do Complexo do Alemão – uma das maiores favelas do Rio de Janeiro -, e fundador do jornal comunitário Voz das Comunidades (em dez anos de eleição, somente cinco brasileiros participaram da lista: veja no final deste post).
“Um dos jornalistas e ativistas negros mais proeminentes do Brasil”, diz o perfil publicado no site da TIME. Diz mais: “Este jornalista brasileiro está dando voz aos moradores da favela”. Não é o primeiro reconhecimento que René recebe e certamente não será o último.
“Quando a TIME coloca um jovem negro da favela numa lista tão importante e conceituada como essa, mostra para o Brasil e o mundo a potência de onde a favela vem, onde estão os fazedores, os novos líderes”, declarou à CBN.
“Não é só o René Silva que está ali sendo nomeado, mas toda uma geração de jovens fazedores da favela […]. Esse reconhecimento, na verdade, não e só meu, é um reconhecimento coletivo, de várias pessoas que fazem parte do Voz das Comunidades, de vários outros movimentos culturais sociais de favelas do RJ e do Brasil, que desenvolvem projetos incríveis e mostram que, na América Latina, há pessoas capazes, fazendo coisas importantes e transformando a realidade, mostrando isso para o mundo, que é tão preconceituoso”.
Do Complexo do Alemão para o mundo
Desde que tinha 10 anos, René Silva não para. Primeiro, conquistou um lugar no jornal da escola em que estudava, que só aceitava estudantes com 13 anos. A experiência o deixou ainda mais inquieto em relação à realidade das favelas apresentada todos os dias pela imprensa. “A mídia só falava de narcotráfico, violência, morte, então quem vem de fora acha que é só isso”.
Foi assim que, em agosto de 2005 – três meses antes de completar 11 anos – lançou um jornal comunitário com quatro amigos, para, inicialmente, relatar problemas e propor soluções para o bairro onde morava e estudava. Com o tempo, passou também a contar histórias dos moradores e adivulgar a cultura pujante do morro.
Mas foi cinco anos depois que o mundo ouviu falar de René. Era novembro de 2010 e, após uma série de ataques de criminosos ligados ao tráfico de drogas, a Polícia Militar – junto com o Exército e a FAB – iniciou operações de ocupação em favelas do Rio de Janeiro (chamadas de “Pacificação”, lembra?), para controlar a violência.
René tinha acabado de completar 17 anos e, observador contumaz, começou a narrar, no Twitter, o que ocorria em tempo real no Complexo do Alemão. Seus relatos ganharam repercussão inimaginável, chamando a atenção da imprensa nacional e internacional e de personalidades, que compartilhavam suas informações. Noticiários de TV citavam seu nome e divulgavam seus tweets.
Foi um turning point em sua carreira. Dois meses depois, começou a viajar pelo Brasil para fazer palestras em escolas, universidades, empresas, “um ano depois eu estava na Inglaterra, em tudo que é lugar”. E, assim, o Voz das Comunidades também ganhou ainda mais projeção.
“O futuro a partir das favelas”
Hoje, quase 18 anos depois, o Voz das Comunidades é “formalmente reconhecido como ONG e tem 35 funcionários que cobrem histórias sobre cultura, política, esportes, educação e problemas de negligência do Estado”, explica a TIME.
René tornou-se consultor para jornalistas e editores dos maiores veículos de comunicação do país, que, por seu intermédio e também de sua equipe, levam a perspectiva dos moradores das favelas para o público. “E os procura se a cobertura das favelas for tendenciosa ou limitada” conta a publicação.
Para ele, nos últimos dez anos, o Voz das Comunidades, como também outros jornais comunitários que surgiram e se destacaram pelo país, contribuíram para melhorar a cobertura da imprensa sobre as favelas. “Nesses meios, somos protagonistas de nossas próprias histórias”.
René reconhece que destaques como a lista de líderes da TIME potencializam as transformações que o Voz das Comunidades vem construindo ao longo dos anos e, neste caso, “parece que, lá fora, reconheceram a favela como lugar de talentos e novos líderes antes do Brasil”, disse à revista Veja. “Sinaliza a possibilidade de futuro a partir da favela”.
Vale destacar que, durante a pandemia, René Silva, a equipe do Voz das Comunidades e voluntários fizeram um trabalho lindo de distribuição de cestas básicas, “para garantir um prato de comida na mesa de cada morador da favela”.
Em dezembro de 2020, a fim de marcar dez anos da ocupação policial, distribuíram 15 mil livros para crianças e adultos nos complexos do Alemão e da Penha, com a parceria de diversas editoras e livrarias. A campanha foi chamada de Invasão de Livros (contamos aqui).
Integrante do ‘Conselhão’ do governo
A equipe da TIME descobriu René devido ao destaque que o comunicador teve na campanha presidencial de Lula no Rio de Janeiro. Em outubro de 2022, o então candidato foi ao Complexo do Alemão, vestiu o boné CPX (demonizado por políticos ignorantes e erroneamente atribuído ao tráfico) e fez uma caminhada pela favela na companhia de René.
Durante a visita, Lula prometeu que tomaria medidas para melhorar a vida da população mais pobre e de lideranças comunitárias do Rio de Janeiro, e criaria comitês “para que o povo das favelas possa ajudar a decidir o que o governo vai fazer”.
Há cerca de duas semanas, em 7/5, René Silva esteve em Brasília, no Palácio do Planalto, para participar da cerimônia de relançamento do Conselho de Desenvolvimento Sustentável, importante instância de diálogo entre o governo e a sociedade civil – do qual é integrante.
Conhecido como Conselhão, o órgão foi lançado em 2003, mas extinto por Bolsonaro em 2019. Agora volta sob o comando do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, reunindo “representantes de diversos segmentos para trabalhar [de forma voluntária] na redução da pobreza e na promoção do desenvolvimento econômico, social e sustentável”, declarou o ministro na ocasião.
“Vamos debater pautas importantes para a juventude negra”, acrescentou, destacando que o fundador do Voz das Comunidades foi escolhido pelo presidente Lula.
“Hoje, estou integrando o Conselhão. Fico muito feliz e honrado em fazer parte deste conselho e espero que, com a minha contribuição, eu possa debater, influenciar e contribuir com várias pautas importantes para a juventude negra do nosso país, para a juventude pobre do nosso país, para a juventude das favelas e periferias do nosso país que, por muitos anos, não teve reconhecimento”, disse René em vídeo para o Instagram de Padilha.
“Hoje, ser um jovem de 29 anos, estar aqui, fazendo parte do Conselho do governo federal, me deixa muito feliz. Espero que a gente possa construir um Brasil diferente com união e participação da sociedade civil, das empresas, dos empresários, do poder público para que a gente tenha um futuro ainda melhor” (assista a essa declaração no final deste post).
Cinco brasileiros eleitos pela TIME
Em dez anos de seleção, apenas cinco jovens do Brasil foram indicados pela revista americana como The Next Generation Leaders. Já no primeiro ano, uma brasileira esteve entre os selecionados: a empresária e palestrante Bel Pesce, que ficou conhecida como “a menina do vale”.
Em 2019, foram dois brasileiros: a cantora Pablo Vitar e o deputado federal David Miranda, sobre o qual contamos aqui. Político negro e gay, David nasceu e cresceu numa favela carioca, nesse ano, lutava contra os retrocessos do governo Bolsonaro no Congresso. Tinha uma carreira política promissora, mas faleceu no início deste mês, aos 37 anos, depois de nove meses internado devido a uma inflamação intestinal que se complicou.
Dois anos depois, duas brasileiras foram selecionadas: a cantora Iza e a deputada estadual Erika Hilton (saiba mais aqui), que hoje atua no Congresso Nacional. Ela e Duda Salabert, de Minas Gerais, são as primeiras parlamentares trans da história do Brasil.
A seguir, assista à fala de René Silva, depois da cerimônia de relançamento do Conselhão: