Dezembro é um mês difícil pra acompanhar. Ao mesmo tempo em que o ano vai se acabando, ainda tem margem pra muita coisa acontecer. E foi dentro dessa margem que o Senado Federal aprovou em plenário, em 11/12/2019, o Projeto de Lei da Câmara PLC 137/2017, que cria a Política Nacional de Economia Solidária (PNES) e o Sistema Nacional de Economia Solidária (Sinaes). O Projeto, agora, volta para a Câmara dos Deputados para análise.
A proposição original é de 2012, de autoria do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) e um grupo de outros deputados, e estabelece a PNES integrada às estratégias de desenvolvimento sustentável, buscando promover o trabalho associado e cooperativado e os empreendimentos solidários autogestionários. Define, ainda, os empreendimentos beneficiários da política e prevê um cadastro nacional, além de dispor sobre ações de educação, assistência técnica e crédito subvencionado. Ainda, autoriza a criação do Fundo Nacional de Economia Solidária.
Sabe por que é importante regulamentar a economia solidária no Brasil? Segundo dados da Fundação Perseu Abramo de 2017, estima-se que a força dessa economia equivalha a 3% do PIB (Produto Interno Bruto), com cerca de 30 mil empreendimentos envolvendo três milhões de pessoas. O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em levantamento de 2016, dá conta da existência de quase 20 mil empreendimentos solidários.
De todo modo, levando em conta diferenças metodológicas nos dois levantamentos, os números são expressivos o suficiente para sabermos a importância desse setor para a economia brasileira. Tanto que tramita inclusive no legislativo a Proposta de Emenda à Constituição nº 69, de 2019, sobre a qual escrevi aqui no Conexão Planeta, que propõe incluir a economia solidária entre os princípios da ordem econômica, estabelecidos pela Constituição de 1988.
A ordem econômica, segundo a carta magna, é fundada da valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com finalidades de assegurar a todos existência digna e justiça social segundo uma série de princípios, tais como como propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do meio ambiente, redução de desigualdades, busca do pleno emprego, tratamento favorecido para empresas de pequeno porte etc. A intenção da PEC é que a economia solidária integre esse grupo.
Histórico no Brasil
A economia solidária como geradora de trabalho e renda, de base autogestionária e promotora da sustentabilidade já acontece como prática no Brasil desde o século XIX, mas só em meados dos anos 1990 passou a ser consolidada e institucionalizada sob esse termo. No entanto, embora seja reconhecida, essa economia não possui suporte legal.
O PL aprovado agora no Senado incentiva a atividade produtiva de modo solidário, gerando renda, superando a desigualdade e envolvendo a população em iniciativas de produção coletiva que possam ao mesmo tempo distribuir renda para quem precisa e ser uma força de articulação de ações que apoiem a economia solidária. Define os princípios dessa economia em forma de lei e assim respalda melhor a sua existência.
A PNES vai dar segurança jurídica à formulação e implementação de planos e ações para estimular a economia solidária. O Cadastro Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidários contribuirá para dar uma real dimensão do número, perfil e localização desses empreendimentos em funcionamento no Brasil, de modo a melhor dimensionar programas de incentivo e financiamento. Os empreendimentos deverão cumprir uma série de requisitos para o cadastro, dentre os quais autogestão, administração transparente e democrática, soberania das assembleias, votos dos associados e práticas justas e solidárias.
Cabe também destacar que a construção do PL foi fruto de intensa participação dos coletivos e movimentos da economia solidária, e sua aprovação no plenário do Senado em dezembro último é também resultado de forte incidência política de organizações da sociedade civil.
Em 2019 escrevi aqui também no Conexão Planeta sobre a demora na tramitação desse PL, e como, finalmente, ele havia se mexido ao ser aprovado pela Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado Federal. A continuidade desse movimento culminou com a aprovação em Plenário.
Agora é ficar de olho para a próxima etapa da tramitação, quando o projeto retorna à Câmara dos Deputados com as modificações trazidas pelas movimentações legislativas, e pressionar para que, finalmente, essa economia ganhe o arcabouço legal que merece.
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