Esta não é a primeira vez que Bolsonaro é denunciado por crimes contra a humanidade e genocídio no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, Holanda. Essa corte internacional foi criada no final dos anos 90 para avaliar quatro crimes graves: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão.
Em novembro de 2019, o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos e a Comissão Arns fizeram uma denúncia, que incluía incitação ao genocídio de povos indígenas. Em agosto, logo após os incêndios na Amazônia, dois movimentos de advogados protocolaram ações contra o presidente, inclusive por crime de ecocídio em 2018.
Ambas ainda estão em análise. O tribunal pode levar meses para decidir se aceita ou não qualquer denúncia. São cerca de 800 por ano. Se aceitar, abre, então, uma investigação formal. O processo é demorado, sim, mas é imprescindível que denúncias dessa magnitude sejam encaminhadas tão logo a postura de Bolsonaro se encaixe na classificação de crimes tão abomináveis.
O documento protocolado em Haia neste domingo, 26/7 – endereçado à procuradora-geral do Tribunal, Fatou Bensouda -, é fruto da iniciativa de mais de um milhão de profissionais da saúde e seus sindicatos (cerca de 60 instituições), coordenados pela Rede Sindical UniSaúde, com o apoio de organizações como a Internacional dos Serviços Públicos (ISP), a União Geral dos Trabalhadores (UGT), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), além de movimentos sociais e entidades internacionais. Eles acusam o presidente de negligência e “falhas graves e mortais no combate à pandemia de Covid-19“.
“No entendimento da coalizão, há indícios de que Bolsonaro tenha cometido crime contra a humanidade durante sua gestão frente à pandemia, ao adotar ações negligentes e irresponsáveis, que contribuíram para as mais de 80 mil mortes pela doença no país”.
Hoje, de acordo com informações atualizadas pelo consórcio de veículos de imprensa, estamos bem próximos de 90 mil óbitos – são 87.737!! -, com 2.446.397 casos diagnosticados no país. A média diária é de 1.066 mortes.
No que tange à pandemia, ele tem sido um dos piores governantes, se não, o pior como afirmou o youtuber Felipe Neto recentemente, em vídeo dirigido aos americanos. Quando o Brasil já somava milhares de mortes, Bolsonaro bradou: ‘E daí?”, lembra?
E o jornalista Jamil Chade, ainda contou em sua coluna, no UOL, que esta denúncia se soma a outras tantas, em diversos fóruns internacionais, que se tornaram rotina para a diplomacia do país. Só no ano passado, a ONU recebeu mais de 35 queixas formais contra Bolsonaro.
Menosprezo, descaso, negacionismo
Para os sindicatos dos profissionais de saúde, há “dolo” e “intenção na postura do presidente, quando adota medidas que ferem os direitos humanos e desprotegem a população, colocando-a em situação de risco em larga escala, especialmente os grupos étnicos vulneráveis”.
O documento assinado por eles tem 64 páginas e destaca vetos do presidente a leis e a medidas de ajuda, a negação constante da ciência (uma das maiores revistas científicas o apontou como uma ameaça no combate à covid-19), o menosprezo à vida – chama a doença de “gripezinha“, desqualifica o uso de máscara de proteção e indica um remédio que não é referência no tratamento da Covid-19 em lugar nenhum do mundo, mas pode causar danos sérios à saúde, e ainda aposta no “contagio de rebanho“, entre outros fatos.
“O presidente colocou e ainda coloca os profissionais de saúde bem como toda a população em risco, ao promover a aglomeração de seus apoiadores, aproximando-se deles sem máscara, e fazendo propaganda de medicação, como a hidroxicloroquina, para a qual não há comprovação científica de sua eficácia contra a doença”, ressalta o texto.
“Bolsonaro afirmou ele mesmo ter testado positivo para a Covid-19 e tem constantemente promovido o uso da medicação em lives em suas redes sociais, ao forjar estar tomando o medicamento”. Sua irresponsabilidade na proteção não só da população como também dos profissionais de saúde é notória e facilmente comprovada.
Para os signatários da denúncia, Bolsonaro tem agido com total “menosprezo, descaso, negacionismo” o que tem resultado em “consequências desastrosas, com consequente crescimento da disseminação, total estrangulamento dos serviços de saúde, que se viu sem as mínimas condições de prestar assistência às populações, advindo disso, mortes sem mais controles”, destacando que a omissão do governo se caracteriza como crime contra a humanidade: genocídio”.
E definem como urgente “a abertura de procedimento investigatório junto a esse Tribunal Penal Internacional, para evitar que dos 210 milhões de brasileiros, uma parcela possa se salvar das consequências desastrosas dos atos irresponsáveis do senhor Presidente da República”.
Denúncia técnica
Marcio Monzane, secretário regional da UNI Americas – que é o braço regional da federação internacional sindical UNI Global Union, com sede na Suíça, que representa 20 milhões de trabalhadores dos setores de serviços em 150 países – explicou à Jamil Chade que “buscar a Corte Penal Internacional é uma medida drástica, mas os brasileiros estão enfrentando uma situação extremamente difícil e perigosa criada pelas decisões deliberadas de Bolsonaro”.
E acrescentou que a intenção com essa medida não é fazer “mais uma pressão política”, mas “apresentar uma denúncia técnica”, que não só fala da situação dos profissionais de saúde, como também dos povos indígenas e de comunidades vulneráveis.
O texto destaca: “… Bolsonaro cometeu crimes contra a humanidade quando se recusou a tomar as medidas necessárias para proteger o povo brasileiro durante a pandemia, garantindo a redução dos riscos de doenças, conforme prevê o artigo 196 da Constituição Federal”.
Hospital ou campo de guerra?
O documento revela que o comportamento de Bolsonaro tem custado vidas também entre médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde. “O número de óbitos desses trabalhadores, em 24 de julho, chegava próximo de 300, conforme o Observatório da Enfermagem do Cofen (Conselho Federal de Enfermagem)”.
Entre 12 e 18 desse mesmo mês, o Ministério da Saúde indicava que havia 96 mil enfermeiros e técnicos/auxiliares de enfermagem contaminados, os mais atingidos entre esses profissionais.
Há quatro meses, a Rede Sindical Brasileira UNISaúde começou a exigir respostas do governo, como o “fornecimento de EPIs (Equipamento de Proteção Individual) de qualidade aos profissionais de saúde, os mais atingidos durante a pandemia, e testagem aos assintomáticos, e essa reivindicação se tornou mais urgente agora”. E completa: “A coalizão quer que o governo brasileiro seja coibido de continuar agindo de forma tão negligente”.
Marcio Monzane declarou que esta não é a primeira vez que os sindicatos se queixam da falta de condições na pandemia. A resposta do governo às demandas apresentadas foi a “omissão”. “Bolsonaro colocou seu exército numa guerra sem equipamentos e nem armamentos necessários”.
É chocante saber detalhes da realidade enfrentada pelos profissionais de saúde, todos os dias, como a relatada por Juliana Rodrigues, técnica de enfermagem do Hospital de São Vicente, em Jundiaí, interior de São Paulo, à Jamil Chade.
Ela está há quatro meses sem ver a filha de 11 anos. Contou que a rotina no trabalho também está mais desumanizada devido ao medo que todos sentem.
“É muito difícil assumir um plantão. A gente encontra os colegas e sente uma energia pesada, de muita pressão. Não há mais conversas, interação, trabalhamos com medo do outro. É muito triste trabalhar 12 horas sem ter segurança, suporte emocional. Por isso, creio que a denúncia seja uma forma de expressarmos nossas aflições e nosso lado humano, pois estamos sofrendo muito com tudo isso”.
Sem ministro, mas cheio de militares
O documento apresentado em Haia conta que o país está há mais de dois meses sem ministro da saúde, “no meio da maior crise sanitária do último século, que já ceifou mais 80 mil vidas e deixou mais de 2 milhões de pessoas doentes até o dia 23 de julho no país”, destacando as desavenças entre o presidente e os ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.
Também relata que o ministro interino, General Eduardo Pazuello, substituiu técnicos experientes por militares e “abandonou a defesa do distanciamento social mais rígido e passou a recomendar tratamentos para a covid-19 sem aval de entidades médicas e científicas, como o uso de cloroquina e hidroxicloroquina”.
Justamente por conta da militarização da pasta da saúde, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, fez uma declaração contundente, em 11 de julho, que preocupou o Palácio do Planalto devido ao uso do termo genocídio: ‘Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso’.
Não foi a primeira vez que ele se manifestou em relação à conduta de Bolsonaro na pandemia: “Já manifestei — e manifesto novamente — que a Constituição Federal não autoriza ao Presidente da República ou a qualquer outro gestor público a implementação de uma política genocida na gestão da saúde”. Mais: “Caso um agente público conscientemente adote posição contrária às recomendações técnicas da OMS, entendo que isso poderia configurar verdadeira hipótese de imperícia do gestor, apta a configurar o erro grosseiro”.
As declarações de Gilmar Mendes ilustram os argumentos dos advogados na denúncia dos profissionais de saúde, que ainda citam quatro motivos para a acusação de genocídio:
– “intenção deliberada do Presidente da República em não adotar medidas que viessem impedir a expansão da ‘epidemia’, contando com o ‘contagio de rebanho’;
– temos o povo brasileiro como um ‘grupo’, na definição da ONU, que foi afetado pelas omissões governamentais;
– de forma setorizada, a omissão atingiu comunidades de negros, indígenas, quilombolas, dizimando grupos e, ainda,
– de forma setorizada, temos como grupo, os trabalhadores da saúde, obrigados pela profissão a se exporem ao risco de contaminação que, se avolumou pela falta de políticas públicas que viessem evitar a proliferação do vírus”.
Fontes: UOL, El País
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil/Fotos Públicas
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