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O nome que vem do afeto

O nome que vem do afeto

Enquanto observava as crianças brincando no quintal da escola, uma delas falou comigo em tom assustado – “Ei Carol! Precisamos fugir do leão!” -, apontando para trás de onde eu estava. Olhei para a direção, fiz cara de assustada e corri seguindo a menina. Enquanto ela subia em uma árvore com os galhos baixos, avisou: “É apenas aqui em cima que os leões não alcançam!”. Não pensei duas vezes… Afinal, eu não poderia arriscar ser pega por um leão! Então, subi.

Ficamos lá em cima (que não era tão em cima assim) por um tempo. Logo veio o suspiro “Ufa! Ele já foi!”. Era o momento de descer. Enquanto andava novamente pelo quintal lá vinha a menina correndo me avisando que o leão novamente estava nos seguindo. Perdi as contas de quantas vezes subi e desci nessa fuga intensa.

Este relato está no diário de bordo da Ana Carol – uma das autoras deste blog -, e registra um de seus dias vividos na Escola da Toca, em Itirapina, cidade do interior de São Paulo, em 2018. Mas, hoje, não queremos conversar sobre leões, ou como subir em árvores. Mas sobre um encontro que surgiu entre uma fuga e outra.

Enquanto estávamos em cima da árvore, uma outra menina se aproximou e perguntou: “o que estão fazendo aí em cima?”. Respondi “Estamos aqui em cima desta árvore pois é o único lugar em que os leões não nos alcançam”. Ela falou instantaneamente: “Não! Vocês não estão em cima de uma árvore, estão em cima do abacateiro”.

A menina que travou este diálogo com Ana Carol contou muito sobre suas vivências naquele quintal. Aquele era o quintal de uma escola que fica dentro de uma fazenda de orgânicos. Ou seja, as crianças que frequentam essa escola, desde o primeiro dia vivem uma relação intensa com a natureza. Elas e todos os educadores cultivam uma agrofloresta.

O que essa menina disse – “Não é uma árvore, é um abacateiro!” – revela mais que um saber científico sobre o nome de uma entre tantas outras plantas que compõe a flora do quintal. Essa fala revela um vínculo forte com o espaço. Revela conhecimento dos ciclos daquele quintal. Ali, naquela escola, naquele contexto, com certeza ela já acompanhou o abacateiro florir, frutificar e provou desse fruto.

Nas escolas, em geral, quando são realizadas atividades para nomear as plantas existentes no quintal, nunca notamos esse nome partir da relação de afeto. Sempre parte do cumprimento de um currículo, da busca por conteúdos, da produção final de um projeto.

E saber o nome das plantas é o mais importante na relação entre criança e natureza? Não, não é. Nem na relação dos adultos com a natureza. Mas esse saber despertado por um vínculo é diferente. É a mesma relação que o Pequeno Príncipe (de Antoine du Saint Exupery) tem com a raposa.

Ao conhecer o principezinho, a raposa diz: “Tu não és ainda, para mim, senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Não passo, a teus olhos, de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo”.

Nessa escola, as crianças escutam o tempo todo os adultos – que são referência – chamando as árvores por seus nomes. Falar da Ana é diferente que falar da Rita, a outra autora deste blog. Subir em uma árvore no quintal, não é a mesma coisa que subir no abacateiro. Conhecer é se relacionar, e é na intimidade que se vai conhecendo ainda mais a riqueza do ser de cada um. E a natureza.

Foto: Renata Stort

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