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O mundo arde de calor, o Pantanal pega fogo, mas o Brasil quer extrair mais petróleo

O mundo arde de calor, o Pantanal pega fogo, mas o Brasil quer extrair mais petróleo

O climatologista britânico Gavin Schmidt, da Nasa, escreveu no começo do ano, num texto sombrio na revista Nature, que até agosto, com o fim do El Niño, a humanidade saberia se a crise do clima mudou de fase ou não. O fenômeno no Pacífico causou eventos extremos mundo afora ao turbinar o aquecimento do oceano. Se os extremos continuassem na ausência dele, ponderou Schmidt, a humanidade estaria em sérios apuros.

A transição entre primavera e verão no Hemisfério Norte, e entre a chuva e a seca na América do Sul, parece apontar uma resposta. Na Índia, há mais de um mês os termômetros oscilam entre 40oC e mais de 50oC, e recentemente o país mais populoso do mundo teve sua maior temperatura noturna já registrada, 35,2oC. Poucos dias atrás 50 corpos de pessoas em situação de vulnerabilidade social foram encontrados em Nova Delhi – as mortes foram atribuídas ao calor extremo.

Na Arábia Saudita, país que mais fez nos últimos 32 anos para bloquear a ação global contra a mudança do clima, mais de 1.300 pessoas morreram no Hajj, a peregrinação anual dos muçulmanos a Meca. As temperaturas na região bateram os 51oC. As ondas de calor da primavera, que tornaram-se comuns na Europa Central em junho, deram trégua neste ano, mas no sul do continente o calor já se instalou. Neste momento, incêndios florestais castigam a Grécia e a Turquia, enquanto a Califórnia começa a evacuar residências no caminho do fogo. O verão começou apenas ontem.

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No Brasil, que ainda conta os corpos do dilúvio no Rio Grande do Sul em maio, uma outra tragédia maciça se desenrola no Centro-Oeste, desta vez pelo fogo: o Pantanal já teve o maior número de incêndios para o mês de junho em toda sua história: até dia 20 eram 1.684 focos, o triplo do registrado no pior junho até aqui, o de 2005. No ano, o número de queimadas é 1.200% maior do que no ano passado, na esteira de uma seca que já é uma das mais severas da história do bioma: segundo a SOS Pantanal, o nível do rio Paraguai no primeiro quadrimestre deste ano ficou mais baixo que na seca recorde de 1964. Tudo isso apenas quatro anos depois de um quarto do Pantanal virar fumaça. E, o mais assustador, muito antes do auge da estação seca, que só acontece em setembro.

Na Amazônia, o número de focos de queimada é 85% maior do que no ano passado, e a vazante de rios como o Tapajós já começou – sem que eles tenham tido tempo de se recuperar da seca recorde de 2023.

Numa sociedade funcional, a sequência de extremos de 2023 e 2024 (e de todos os anos da última década) teria colocado os líderes globais em modo pânico e acelerado medidas de eliminação de combustíveis fósseis e do desmatamento tropical. A política, porém, toca a proverbial lira enquanto Roma arde. Na quinta-feira (13/06), dez dias de negociações climáticas em Bonn, Alemanha, para preparar a COP29, em novembro no Azerbaijão, chegaram ao fim sem nenhum avanço. O espinhoso tema do financiamento climático, ponto central da COP29, travou pelas diferenças de sempre entre países ricos e pobres e arrastou consigo virtualmente todos os outros itens da agenda.

As incertezas políticas na Europa, com o crescimento da extrema-direita nas eleições legislativas de junho, e a potencial vitória de Donald Trump nos EUA em novembro, fazem os olhos da comunidade internacional se voltarem para a COP30, no Brasil, e para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em busca de liderança para salvar o clima e manter viva a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5oC.

Mas, como diria o filósofo Rogerinho, do Choque de Cultura, “achou errado, otário”: Lula tem dedicado as últimas semanas a aumentar a pressão sobre o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, para liberar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Chegou a dizer a investidores sauditas que o Brasil não poderia “perder a oportunidade” de extrair mais combustível fóssil e fritar o planeta. No que depender da nova presidente da Petrobras, Magda Chambriard, não perderá: em sua posse, a nova mandachuva da estatal renovou seus votos de fidelidade ao lema “drill, baby, drill” – e repetiu a mentira do setor de que é o dinheiro do óleo que vai bancar a transição energética.

*Texto publicado originalmente em 24/06/24 no site do Observatório do Clima

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Foto de abertura: Gustavo Figueiroa / SOS Pantanal

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