Isto é inédito! Pela primeira vez e por unanimidade, em 11 de dezembro o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH)*, criado em 2014, classificou as mortes resultantes de crime ambiental – no caso, o rompimento da barragem do Fundão, administrada pela Samarco, em Mariana, MG – como “violação de direitos humanos de excepcional gravidade“.
Na verdade, esta é a primeira vez também que o CNDH aprova uma resolução que reconhece um crime de qualquer natureza como grave violação de direitos humanos.
O órgão levou em conta que o vazamento da lama tóxica contaminou o Rio Doce e o Oceano Atlântico, provocando o deslocamento compulsório de inúmeras pessoas, além de danos à saúde, e impedir que continuassem com suas atividades profissionais, a pesca, principalmente. Ou seja, o crime transformou bruscamente a vida de centenas de famílias, em todos os sentidos. E alguém tem que responder por isso.
Denúncia rejeitada foi o estopim
Tudo começou com uma denúncia apresentada, em outubro de 2016, pelo Ministério Público Federal (MPF) contra seis executivos da Vale e dois da inglesa BHP Billiton — empresas sócias na Samarco Mineração S.A.. Em setembro de 2019, a denúncia foi rejeitada pelo juiz federal Jacques de Queiroz Ferreira.
O MPF reconhecia as mortes de 19 pessoas – devido a lama tóxica que invadiu a região com o rompimento da barragem – como homicídio doloso e apontava a responsabilidade de 21 pessoas ligadas à Samarco pelas mortes, lesões corporais e pelos crimes ambientais de inundação e desabamento.
A questão é que, se essa decisão não for revertida, ninguém responderá pelas mortes causadas em Mariana. Indignado, o advogado Leandro Scalabrin (relator do caso no CNDH e membro do conselho) levou o caso ao Conselho Nacional, que aprovou a resolução. Agora, compete à Justiça analisar as consequências jurídicas dessa sentença e dar andamento ao processo.
Scalabrin destacou ao UOL que “o CNDH já havia feito relatórios sobre os casos de Mariana, Brumadinho, Barcarena e reconhecido seus impactos como violação a direitos humanos específicos, mas não desse modo, em que o fato criminal foi reconhecido como grave violação”.
O órgão também enviou a resolução à Justiça Federal de Ponte Nova, ao TRF1 e ao STJ. Neles, tramitam outros processos e recursos relacionados a esse homicídio e a outros crimes causados pelo rompimento da barragem de Fundão: vale lembrar que milhares de pessoas foram forçadas a deixar suas casas e a bacia do Rio Doce foi contaminada.
Processos contra a Samarco e sanções internacionais
Tal decisão é uma forma de pressionar a Justiça e pode servir de base para representações contra o Brasil em tribunais internacionais, como o de Haia (Holanda) com possíveis sanções diplomáticas e econômicas. Também pode influenciar o processo movido contra a BHP Billiton na Inglaterra, em novembro de 2018.
Devido à morosidade da justiça brasileira, empresas, prefeituras, moradores da região e indígenas Krenak, afetados pela tragédia de Mariana e do Rio Doce, se uniram contra a sócia inglesa da Samarco. No mesmo mês, para atrapalhar o processo, a mineradora fez proposta de indenização somente às prefeituras, encaminhada pela Fundação Renova, instituição criada pela empresa para gerir a reparação de danos.
As imagens deste post
Uma semana depois da tragédia de Mariana, o fotógrafo baiano Christian Cravo viajou à região para fazer um inventário visual dos pertences de seus moradores em meio à lama tóxica. Ele não queria fazer retratos, mas capturar a humanidade impregnada na região por meio de suas memórias.
Foi o que ele contou durante conversa com o líder indígena Ailton Krenak, em outubro deste ano, no Instituto Tomie Ohtake, que abrigava a exposição Mariana, com 26 das 33 imagens que Cravo fez na cidade mineira. “Não há nenhum ser humano nas imagens, mas a exposicao é carregada de humanidade”, destacou.
Para cada composição, ele deu um nome, atribuiu uma palavra que intensifica ainda mais a emoção que transmite. Véu para a cortina encharcada de lama. Matrimônio para as duas escovas de dente que sobreviveram juntinhas no armário (no final do post). Família para o retrato enlameado. Estar para o sofá verde detonado. Espelho d’água para a panela cheia de água tóxica como a lama. Impossível não ficar tocado.
Apaixonado por fotos em preto e branco – que marcam sua trajetória -, Cravo rendeu-se, aqui, às imagens coloridas pra evidenciar a vermelhidão da lama tóxica da Samarco, impregnada em tudo. Também nas almas.
Como as fotos de Christian Cravo revelam vestígios e memórias das pessoas que moravam em Mariana, entendi que seriam a melhor forma de ilustrar esta notícia. As fotos que aqui estão são as que fiz, com o celular, de suas obras expostas nas paredes do Tomie Ohtake. Eliminei as molduras.
Vale contar também que Cravo viveu e estruturou sua carreira na África, por isso, este trabalho inaugura uma nova fase de seu trabalho: se dedicar a fotografar seu país. Bem vindo!
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*O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) foi instituído pela lei Lei nº 4.319, em 1964, inicialmente como Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Em 2014, foi transformado em Conselho Nacional dos Direitos Humanos pela Lei n° 12.986, de 2 de junho de 2014. Seu objetivo é promover e defender os direitos humanos no Brasil por meio de ações preventivas, protetivas, reparadoras e sancionadoras das condutas e situações de ameaça ou violação desses direitos, previstos na Constituição Federal e em tratados e atos internacionais ratificados pelo Brasil.
Fotos: Reproduções exposição de Christian Cravo, no Instituto Tomie Ohtake