Quando a gente queima o dedo na cozinha sente muita dor, imagine estar com as quatro patas queimadas e ainda ter que fugir do fogo? Foi o que uma jovem onça-pintada sentiu ao tentar sobreviver aos incêndios no Mato Grosso do Sul.
A intensidade das chamas e altura das labaredas consumiram a vegetação pantaneira numa voracidade assustadora. Em algumas regiões, como no Pantanal da Nhecolândia no município de Aquidauana e na região de Miranda, as rajadas de vento atingiram mais de 50 km por hora e empurravam o fogo na mesma velocidade. Essas são duas das regiões onde a fauna do Pantanal pode ser avistada facilmente. Mas desta vez, o que se viu foi desespero. Os animais corriam para não morrer.
Depois de conter os incêndios, o rescaldo, quando equipes treinadas buscam animais feridos e queimados e troncos em brasa, é uma tarefa importante e surpreendente.
Imagine a surpresa dos funcionários de uma fazenda, há cerca de 30 km de Miranda, ao se deparar com uma onça atravessando a estrada de terra. Eles gravaram um vídeo com a imagem do animal caminhando lentamente.
Há pouco mais de um mês, o Ministério do Meio Ambiente enviou para Mato Grosso do Sul equipes de biólogos e médicos veterinários do Ibama do Distrito Federal para atuar no Pantanal sul, tanto para auxiliar na fiscalização como no auxílio às equipes de resgate de animais. Uma dessas equipes estava naquela área e passou na fazenda onde os funcionários avistaram a onça.
Eles mostraram o vídeo do animal e relataram onde o viram. Imediatamente os servidores do Ibama acionaram o Grupo de Resgate Técnico Animal do Pantanal (Gretap), que estava em Aquidauana, cerca de 150 km do local do avistamento.
Os profissionais do Ibama foram ao lugar indicado, conseguiram encontrar a onça e iniciaram o monitoramento até que a equipe de resgate chegasse.
“O animal estava há 47 km de Miranda. Entramos em contato com a Polícia Militar Ambiental, que conhecia a área, e pedimos apoio para irmos até lá”, contou a médica veterinária Paula Helena Santa Rita, coordenadora de campo do Gretap. “Já tinha escurecido e tivemos de pernoitar em Miranda porque fazer a captura a noite poderia ser arriscado tanto para o animal, quanto para a equipe. Logo que o sol nasceu, fomos para o campo e o localizamos. Montamos a estratégia de captura com o time do Ibama e da Polícia Militar Ambiental.”
A onça estava escondida dentro de uma manilha. É comum nas fazendas pantaneiras a instalação de manilhas sob a estrada para escoar água dos campos durante a cheia. E durante os incêndios, muitos animais buscam esconderijo nelas. Onças, jaguatiricas, aproveitaram a proteção térmica. Dentro da manilha a temperatura é bem mais baixa que do lado de fora onde a vegetação arde em chamas.
Miranda foi localizada graças aos funcionários de uma fazenda: ela estava escondida
dentro de uma manilha
Foto: GRETAP/MS
Foi assim que a equipe de resgate encontrou a onça-pintada. Depois de sedada, com o uso de zarabatana, foi possível chegar mais perto. Ela estava sentindo dor, cansaço e não reagiu à aproximação. “Fizemos o primeiro atendimento ali mesmo. As patas estavam bem queimadas e já com sinais de infecção. Nossa equipe fez os curativos e usamos laser para acelerar a cicatrização. Hidratamos o animal e durante todo o procedimento monitoramos os batimentos cardíacos e todos os parâmetros de saúde da onça. Era um indivíduo jovem, uma fêmea”, revelou Paula Helena.
Uma equipe do Onçafari, que tem a base pantaneira próxima ao local onde a onça foi encontrada, constatou que ela não faz parte do grupo de felinos monitorado pelo projeto. A jovem onça jovem foi batizada como Miranda.
Registro do atendimento inicial à onça, onde foi constatado a queimadura nas patas
Foto: GRETAP/MS
Longo tratamento e esperança de retorno ao Pantanal
Depois do atendimento no campo, começou outra operação: transportar a onça para o Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (CRAS), em Campo Grande, equipado com um hospital veterinário mantido pelo Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul. Do local onde ela foi encontrada até Campo Grande são mais de 240 km. Ela foi levada de carro, e foram feitas quatro paradas durante a viagem para checar suas condições.
Lesões nas patas de Miranda, que a partir de agora passará por tratamento
Foto: GRETAP/MS
Ao final da quinta-feira (15/08), Miranda – a onça que conseguiu sobreviver ao fogo -, chegou ao centro de reabilitação em excelente estado. Com curativos nas patas e um pouco assustada, ela reconheceu o recinto onde ficará pelas próximas semanas até se recuperar. O tratamento das queimaduras é longo e exige muito cuidado. Mas pelo vigor da Miranda ao sair da jaula, é possível ter esperança de que ela possa ganhar a liberdade daqui a alguns meses.
Em 2020, outra onça vítima de incêndios no Pantanal ocupou o mesmo recinto. Um jovem macho batizado de Jojou que foi resgatado na Serra do Amolar quando fugia do fogo. Jojou, se recuperou depois de três meses de tratamento e foi devolvido à vida livre em janeiro de 2021, sem sequelas. É o que esperamos que aconteça com a Miranda, esta sobrevivente que conseguiu escapar das chamas.
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Foto de abertura: divulgação Ibama
